“Portugal deve procurar focar a sua estratégia de promoção em mercados de valor e com dimensão estratégica”
Economista e gestor, com uma “especialização” no que à competitividade diz respeito, Jaime Quesado publicou, recentemente, um novo livro manifesto: “Nova Competitividade”. O Publituris quis saber se Portugal é, de facto, competitivo e que papel está reservado ao turismo neste esforço rumo a esta “nova” competitividade.
Victor Jorge
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Quando Michael Porter, (re)conhecido professor e teórico de negócios da Harvard Business School, apresentou, há 30 anos, um estudo sobre a competitividade da economia portuguesa, o turismo – além dos vinhos madeiras, têxteis, vestuário, automóvel – já fazia parte de um conjunto de clusters identificados como estratégicos para o desenvolvimento de Portugal.
Jaime Quesado, economista e gestor e um especialista em questões relacionadas com a competitividade compila agora 40 anos de escrita dedicada a este tema. E se o país evoluiu muito em várias áreas, Jaime Quesado frisa que “ainda há um longo caminho a percorrer, do qual não podemos desistir”.
Publicou recentemente um novo livro manifesto, que resume, de certa forma, 40 anos de escrita. O título do mesmo é “Nova Competitividade”. Portugal é competitivo?
Ao escrever este meu sexto livro manifesto “Nova Competitividade” procurei através do ato simbólico de celebrar 40 anos de escrita dar nota do imperativo de mantermos vivo um sentido de inteligência coletiva em relação à nossa capacidade de criar e partilhar valor.
Poucos anos depois de ter escrito o meu primeiro artigo entrámos na então Comunidade Económica Europeia (CEE) e iniciámos um percurso de forte investimento através de fundos comunitários que ainda hoje continua.
O país evoluiu muito em várias áreas – sobretudo nas infraestruturas e na tecnologia – mas nas áreas imateriais – qualidade da gestão, cooperação, educação e capacitação, entre outras – ainda há um longo caminho a percorrer, do qual não podemos desistir.
Em termos económicos, de certeza que existem setores de atividade onde Portugal é competitivo. Quais são? E são competitivos porquê?
Este é um tema da maior relevância, que já Michael Porter tinha destacado no estudo que realizou sobre a competitividade da nossa economia há 30 anos.
Em termos das nossas fileiras destacaria três grupos: primeiro, as áreas mais tecnológicas e inovadoras – TIC, automóvel, aeronáutica, saúde, entre outras; segundo, algumas fileiras tradicionais como o agro-alimentar, o têxtil e o calçado e finalmente algumas áreas de serviços onde o turismo tem um papel central. Houve uma grande evolução em termos da organização de clusters e das estratégias coletivas das nossas empresas, mas falta ainda fazer um trabalho estruturado de convergência nesta matéria.
O país evoluiu muito em várias áreas – sobretudo nas infraestruturas e na tecnologia – mas nas áreas imateriais – qualidade da gestão, cooperação, educação e capacitação, entre outras – ainda há um longo caminho a percorrer, do qual não podemos desistir
Turismo competitivo, mas a consolidar perceção positiva
O turismo é apontado, constantemente, como o setor mais competitivo e o que tem levado a economia portuguesa para a frente. O turismo em Portugal é, de facto, competitivo quando comparado com os principais mercados que concorrem com Portugal?
O turismo tem tido – como é sabido de todos – um crescimento exponencial nos últimos anos, representando já mais de 15% do nosso Produto Interno Bruto (PIB). Este crescimento tem sido marcado por várias dimensões – aumento da oferta, aposta na qualidade, papel da promoção e marca – que combinados com o contexto de incerteza provocado em alguns mercados com a guerra que tem potenciado um fluxo intenso de passageiros de diferentes origens para o nosso país. E em resposta a esta dinâmica da procura, a nossa oferta tem de se posicionar com uma resposta de qualidade que estabilize e consolide o nível de perceção positivo junto dos principais mercados internacionais.
Em que aspetos é que a competitividade no turismo pode e deve ser melhorada?
Num contexto de intensa competição nos mercados internacionais os principais atores da oferta no ecossistema do turismo têm de consolidar uma agenda de melhoria permanente da sua cadeia de valor. Isto passa por várias ações concretas ao nível da qualificação e capacitação dos recursos humanos, aposta no digital como um instrumento gerador de valor, incorporação da sustentabilidade como uma marca de referência, dinamização de experiências e ações de demonstração que alarguem a malha de futuros clientes.
Este é um trabalho que tem vindo a ser feito nos últimos anos – com o apoio do Estado e de muitos outros stakeholders do sistema – e que precisa de ser consolidado face aos novos fatores de contexto.
Para qualquer setor de atividade ser competitivo, são precisas pessoas. O setor do turismo enfrenta uma falta de recursos humanos. Em que medida é que esta realidade poderá fragilizar essa competitividade?
Como é consensual nos tempos que correm, o talento é cada vez mais a chave para o sucesso de um negócio no mercado. O forte crescimento ao nível da procura tem provocado junto dos principais operadores do setor uma forte pressão na estabilização do capital humano, tão crítico para garantir a qualidade de serviço e a base de reputação junto do mercado.
Esta é uma agenda que não é fácil, atenta a grande rotação de pessoas e a incapacidade de garantir ao nível da qualidade de recursos humanos qualificados a oferta necessária a este processo.
O papel dos imigrantes tem sido decisivo para colmatar a falta de recursos humanos nacionais, mas importa estruturar uma agenda de aposta no talento verdadeiramente estratégica para o futuro.
Também em termos tecnológicos, a digitalização tem sido apontada como um fator essencial para diversos setores, entre eles, o turismo, prestarem melhores serviços e soluções e, assim, serem mais competitivos. Em Portugal, esta questão da tecnologia ou da digitalização tem sido tido em conta? Nota-se por parte das empresas e empresários uma preocupação em utilizar/aplicar mais tecnologia?
O nosso país tem estado há já muitos anos na linha da frente do investimento na tecnologia e no digital como variáveis centrais para a melhoria operacional das organizações – esta é uma realidade que, infelizmente, ainda não tem a expressão que se pretende ao nível das Pequenas e Médias Empresas (PME), sendo o turismo um bom exemplo nesta matéria. O projeto Hotel 4.0 dinamizado pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) permitiu verificar no terreno que, de facto, há ainda um caminho a percorrer em termos de dotar os atores deste ecossistema dos meios digitais adequados para uma gestão mais eficiente e inovadora do negócio, com impacto em termos de valor criado.
A nossa oferta [turística] tem de se posicionar com uma resposta de qualidade que estabilize e consolide o nível de perceção positivo junto dos principais mercados internacionais
Também a sustentabilidade é vista como um fator de competitividade, principalmente, no pós-pandemia. O Turismo de Portugal, por exemplo, tem por objetivo de colocar o país como um dos destinos turísticos mais sustentáveis no mundo. O que é preciso fazer para esse objetivo ser alcançado?
A sustentabilidade passou a estar, de facto, na ordem do dia como referência em termos de competitividade – como recentemente referiu numa sessão Luigi Cabrini, Chairman do Global Sustainable Tourism Council, o turismo sustentável é um compromisso claro com a natureza como marca central de um novo conceito de qualidade de vida com impacto nas comunidades e na sociedade.
Este objetivo do Turismo de Portugal faz sentido – face à realidade do país, onde alguns territórios do interior a os próprios Açores já estão claramente sintonizados com este objetivo – mas importa mobilizar o ecossistema como um todo – em articulação com a sociedade civil para este desígnio. Este terá de ser de facto um objetivo integrado, desenhado e executado numa verdadeira dimensão de parceria estratégica para o futuro.
Os desafios à competitividade
Depois de uma crise económico-financeira em 2010-2012, uma pandemia, agora uma guerra na Europa e com ela um aumento da inflação, escassez de matérias-primas, uma cadeia de abastecimento cada vez mais pressionada, falta de recursos humanos, que caminhos devem ser traçados a nível governamental para que o grau de competitividade se mantenha em alta?
Os fatores de contexto da nossa economia são cada vez mais incertos e complexos, o que torna o exercício da gestão difícil e muitas vezes sem referenciais concretos em termos de resultados e impactos. O exercício da gestão empresarial passará cada vez mais por processos colaborativos de inovação aberta, em que as empresas integrem, de facto, na sua cadeia de valor os diferentes parceiros centrais – fornecedores, clientes e até mesmo competidores.
Precisamos também – como muito bem defende Mariana Mazucatto, professora de Economics of Innovation and Public Value na University College London – que o Estado se assuma como um parceiro inteligente na criação do contexto adequado para o sucesso desta agenda.
No seu livro aponta, resumidamente, que “precisamos de um novo modelo de criação de valor assente na inovação e no talento”. Sem utilização/aplicação de tecnologia ou uma maior digitalização, com a escassez de recursos humanos, como isso é possível?
O modelo de criação de valor tem de ser mais ágil e dinâmico, para poder dar respostas mais consistentes às necessidades e desafios que a gestão empresarial suscita. O talento e a tecnologia são fatores críticos nesta matéria – as empresas terão de saber combinar de forma inteligente estes dois recursos, adequando-os às estratégias de criação de valor.
A inovação e a criatividade são drivers cada vez mais importantes na qualificação das propostas de valor apresentadas pelas empresas ao nível dos produtos e serviços e esta será uma das estratégias mais adequadas para ter sucesso neste contexto.
Roteiro para uma “nova” competitividade
A par deste livro, é realizado, igualmente, “O Roteiro Nova Competitividade” – que terá ainda duas sessões em setembro em Londres e em Évora antes da Sessão Final de Balanço em outubro na Gulbenkian. Que balanço faz das sessões já realizadas e como é que a temática tem evoluído ao longo das várias sessões?
Este Roteiro que celebra 40 anos de escrito – a exemplo de outros anteriores que realizei – tem sido uma experiência fantástica em termos de partilha e discussão de ideias sobre este tema desafiante da competitividade.
Destaco duas dimensões importantes e complementares. Por um lado, as oportunidades que existem cada vez mais em territórios menos desenvolvidos e mais isolados, como são o caso de Bragança e dos Açores, onde tive oportunidade de estar. Por outro lado, o imperativo de trazermos para esta discussão e prática a nossa diáspora, muito interessada em dar o seu contributo, como esteve bem patente nas sessões realizadas em Paris e Madrid.
No Publituris referiu, na sua coluna de opinião, por várias vezes, o estudo realizado por Michael Porter, estudo esse realizado há 30 anos e atualizado já neste século. 30 anos depois, esse estudo ainda se pode considerar como uma referência no que diz respeito à competitividade da economia portuguesa ou, com a evolução dos tempos e com tudo o que tem acontecido, é tempo de ter um novo estudo ou atualização?
Quando há 30 anos Michael Porter realizou o famoso estudo sobre a competitividade da nossa economia foram algumas as vozes que criticaram este processo dando nota que veio apenas mostrar o que toda a gente já sabia. Foi muito importante a mensagem resultante deste estudo e foi pena não se ter aproveitado mais do mesmo – a mensagem foi muito clara ao reforçar que temos de saber apostar nas nossas competências centrais e gerir de forma mais colaborativa o processo de criação de valor.
Naturalmente que, desde então, o mundo mudou muito, o digital e a tecnologia aceleraram os processos de mudança, mas a base mantém-se muito atual no seu conceito. Importante acima de tudo é executar e pôr as coisas a andar no terreno e nesta matéria ainda temos muito a fazer!
Não se percebe como andamos há tanto tempo a discutir este tema [novo aeroporto] e cada dia que passa a situação torna-se mais complicada
Relativamente ao setor do turismo, muito se tem falado, para além das questões relativas aos recursos humanos, da necessidade de um novo aeroporto para Portugal, a economia e o setor do turismo ser ou manter-se competitivo. É isso que falta ao setor do turismo em Portugal?
Os números impressionantes de turistas que chegam todos os dias ao nosso país e a necessidade de conseguir dar resposta com maios qualidade ao seu acolhimento e mobilidade tornam, de facto, um imperativo termos uma solução aeroportuária em Lisboa mais ágil, moderna e qualificada.
Não se percebe como andamos há tanto tempo a discutir este tema e cada dia que passa a situação torna-se mais complicada.
Naturalmente que o futuro do turismo não passa só pelo aeroporto – há todo um conjunto de fatores estruturais que são importantes para qualificar a marca reputacional como a qualidade de serviço, aposta no capital humano e desenvolvimento de novos conceitos de experiências.
Nesse sentido, critica-se muito a demora ou falta de decisão. Essa falta de decisão é, também ela, “inimiga” da competitividade?
O mundo incerto e acelerado em que vivemos passou a exigir mais rapidez e qualidade nas decisões tomadas – só assim se poderá conseguir garantir que os níveis de criação de valor e sua partilha pela economia e sociedade consigam ter impacto estrutural.
A “Nova Competitividade” que defendo neste meu novo livro manifesto é um exercício que exige também uma mudança clara ao nível dos comportamentos e práticas em termos das organizações e da sociedade em geral.
Muito se tem falado que o turismo em Portugal deverá traçar como objetivo ter “mais com menos”. Ou seja, “gerar mais valor, com menos volume”. Depender de menos para gerar mais não poderá ser perigoso num mundo tão volátil e em constante modificação?
O Turismo de Portugal tem-se assumido nos últimos nos anos como um verdadeiro orquestrador de uma agenda mais colaborativa e inovadora para o setor, com uma estratégia centrada em objetivos claros e focados para o futuro. Deverá ser esse o caminho a prosseguir no futuro e todos os atores do sistema deverão assumir esse desígnio.
Nesse mundo volátil e em constante modificação, quais os mercados-chave em que Portugal deve apostar a curto-médio e longo prazo?
Portugal deve procurar focar a sua estratégia de promoção em mercados de valor e com dimensão estratégica – para além dos mercados europeus tradicionais, dos EUA e do Brasil, há novos players internacionais relevantes – países asiáticos, Médio Oriente, entre outros – que importa agarrar.
Concluindo, e olhando somente para o setor do turismo, em três pontos, o que é que este setor deve e tem de fazer para manter-se competitivo e liderar o turismo mundial?
Em três pontos: ter um propósito claro, uma marca de confiança e uma agenda de valor.