“Tivemos um secretário de Estado do Alojamento Local e não um secretário de Estado do Turismo”
Luís Veiga vai terminar, em Março, o mandato como presidente da Associação de Hotelaria de Portugal (AHP). Depois de ter anunciado que não se recandidataria, o responsável faz um balanço dos três anos à frente da AHP e fala dos temas que marcaram este período.
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Qual a razão para não se recandidatar às eleições da AHP?
Há duas razões que me levaram a tomar esta decisão. Primeiro, porque considero que deve existir disponibilidade dos associados para partilharem três anos da sua vida com o associativismo e com o sector. A segunda razão tem a ver com a necessidade que tenho, devido à fase de investimentos que estamos no grupo, de estar mais próximo do negócio. Estas duas situações são as que levaram a esta decisão e também para imprimir uma lógica de rotatividade dentro da própria associação e passar a mensagem que não nos podemos eternizar nos lugares e estes lugares devem ser considerados como efémeros para todos os efeitos.
Considera que, do ponto de vista do reforço do número de associados, este mandato foi positivo?
Neste mandato conseguimos mais 134 associados nas sete regiões turísticas, ou seja, tivemos um aumento de 34% no número de associados nestes três anos. Sendo que há um aumento expressivo neste início de ano, o que dá a entender que este aumento vai ser significativo no fim do ano. Há um reforço tanto do número de associados como dos apoios e parceiros que estão connosco e que vêem na AHP um representante do sector e, portanto, estão a apostar claramente na associação.
E do ponto de vista do posicionamento da AHP?
Sim, a AHP é uma associação respeitada, é-lhe pedido vários pareceres de vários ministérios, De certa forma somos a muleta da CTP naquilo que são estudos, análises dos mais diversos sectores. Temos tido uma disponibilidade extrema, mesmo com recursos limitados em termos humanos.
O que ficou por fazer neste mandato?
Tinha três objectivos no programa: um deles era posicionar a AHP como parceira privilegiada na relação com os diversos órgãos públicos; o segundo objectivo era mobilizar os associados para a vida associativa; em terceiro lugar, preparar a AHP para os novos desafios e tendências de mercado. Considero que o segundo e o terceiro objectivo foram conseguidos. Quanto ao primeiro há duas leituras: há claramente uma relação privilegiada com a tutela, mas isso não quer dizer que haja um entendimento em todas as matérias, não há e não houve. Isso foi visível na última fase do mandato do ex-secretário de Estado do Turismo.
Taxas turísticas
Este mandato fica marcado pela recusa da AHP de introdução de taxas municipais nos hotéis. Estou a falar de Aveiro e de Lisboa. Em Aveiro acabou por ser retirada, mas em Lisboa a medida avançou. Que leitura faz agora do processo de introdução da taxa turística em Lisboa?
Manifestámo-nos sempre de forma peremptória contra as taxas. Fizemos isso em Aveiro. Correu bem, porque todos os candidatos à autarquia manifestaram junto da AHP que iriam anular essa decisão e fizemos isso em Lisboa também. O que dissemos aos hoteleiros de Aveiro, dissemos também aos de Lisboa: os hoteleiros que decidam se este é um processo transparente e se traz benefícios a Lisboa, em termos de crescimento sustentável. É isso que está em causa em Lisboa, ou seja, permitir que a cidade cresça sustentadamente face ao número de hotéis que estão a surgir e face ao tipo de Turismo que está a aparecer. Isto é, Lisboa tem que arranjar atractivos para combater a época baixa, mas também criar atractivos para tornar mais apetecível a estadia. A estadia não está a crescer e, como tal, algo nos diz que há alguma coisa a fazer. Consideramos que as taxas turísticas são sempre prejudiciais para quem nos visita.
O Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa, constituído pela totalidade da receita da taxa turística, além de ter de ser transparente nas propostas que vai fazer, vai ter que ter em mente que podem não ser só projectos físicos, podem ser projectos nas áreas das plataformas digitais ou tornar Lisboa numa smart city. Isto é muito importante, não só para dispersar as pessoas das zonas que estão em overbooking. Quando o terminal de cruzeiros estiver a funcionar em pleno, isso vai notar-se ainda mais.
O Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa tem um Comité de Investimentos composto pela CML, a ATL e a AHP, cabendo a este Comité a decisão sobre os investimentos a financiar. Quando vamos saber que investimentos é que vão ser feitos com esta verba?
Esse encaixe não está formalmente num fundo, está numa rubrica orçamental da Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, ainda não houve ninguém nomeado para o Comité de Investimento. Temos nomes em carteira para propor. No entanto, a pessoa escolhida para representar a AHP tem de ter alguma dedicação e disponibilidade, mas, sobretudo, deve haver esta preocupação de manter a cidade competitiva por via da aplicação correcta desses fundos.
Qual seria a vossa posição se esta mesma solução se aplicasse ao Porto?
Considero, sobretudo, que esta solução é um exemplo para as outras cidades que tenham em mente aplicar uma taxa no futuro. Embora, continue a considerar que a taxa é prematura no destino Lisboa e muito mais prematura no destino Porto que ainda não está consolidado.
Diplomas e Tutela
A AHP ficou satisfeita com a escolha de Ana Mendes Godinho para a Secretária de Estado do Turismo?
A nossa convicção é que é uma pasta difícil para quem vem fora da área do Turismo. Disse e assumi que só compreendi a AHP passado um ano e, sendo hoteleiro, deveria ser mais fácil esta integração. Qual é o risco que corremos quando vem alguém de fora do sector? Haver questões ideológicas que se sobrepõem à defesa do sector. Num determinado momento admitimos que tivemos um secretário de Estado do Alojamento Local e não um secretário de Estado do Turismo. Admitimos isso publicamente, porque essa matriz ideológica ficou muito vincada na actuação do ex-SET. A Dra. Ana Mendes Godinho esteve no Turismo de Portugal e, por isso, há uma mais-valia face a outras pessoas, que de Turismo a única coisa que conhecessem foi por terem estado a dormir em hotéis. Há uma diferença substancial. O que nós apenas lamentamos é essa tutela não estar mais próxima do Primeiro-Ministro. Mais uma vez, não foi reconhecida a importância do sector na Economia. Pese embora, também devemos reconhecer, que o Ministério da Economia tem feito tudo para dar apoio à Dra. Ana Mendes Godinho. Mesmo não estando na dependência directa do primeiro-ministro. Vou dar um exemplo, uma das coisas que defendíamos é que os Transportes deviam estar na Economia. Como sabemos os Transportes e as Infraestruturas ficaram fora da Economia, mas na primeira reunião que tivemos foi-nos confirmado que, na verdade, está a fazer reuniões regulares com os Transportes. Um dos pilares do nosso Turismo, por sermos periféricos, é a questão dos Transportes.
A AHP disse não ter ficado satisfeita com a revisão da portaria, até era um tema onde não achava necessário mexer. Têm de alguma forma a convicção que esta portaria possa vir a ser revertida pela nova Secretaria?
Sim, como sabe, no almoço mensal pedimos duas coisas à SET: análise a toda esta desregulamentação que houve na área do alojamento e, por outro, a questão dos financiamentos e da recapitalização das empresas. A outra foi o desafio de servir de ponte no caso dos contratos colectivos. Só colocámos estas duas questões, porque consideramos que são as mais importantes neste momento. Temos a certeza que o gabinete da tutela do Turismo está a trabalhar nesse assunto, sendo que privilegiou o primeiro ponto que é a questão mais urgente: a recapitalização e colocar financiamento disponível para as empresas.
Há outras matérias onde a AHP espera que haja uma acção da Secretaria de Estado do Turismo sobre o que foi decidido pelo anterior Executivo?
Há um ponto de interrogação grande sobre o IFD – Instituição Financeira de Desenvolvimento, e sobre mais um acto de subalternização do Turismo. Foi assegurado que, na administração do IFD – Instituição Financeira de Desenvolvimento estaria um representante do Turismo de Portugal, isso foi retirado. Como não sabemos o futuro do IFD também não sabemos o que vai ser alterado nesse plano. Não foi só o Turismo que foi subalternizado, foi também a Indústria, já que também havia um lugar na administração para o IAPMEI. Nem o Turismo de Portugal e o IAPMEI aparecem na estrutura orgânica que foi tornada pública.
Na área da promoção, há outro ponto de interrogação sobre os 10 milhões de euros que seriam acrescentados à promoção através do Portugal 2020. Mas, não havendo financiamento do 2020, caberia ao TP financiar esses 10 milhões euros. Acontece que, já terminámos 2015 e não foi nada protocolado no sentido de, segundo parece, destinar esses 10 milhões de euros ao mercado alemão. Como é que vai ser aplicado? Há dinheiro, não há? Como é que o país vai receber o mercado alemão? Na questão da formação, houve uma intenção clara de privatizar a formação que não deu resultado. Foi retirada alguma importância à formação, deixou de haver um vogal com essa responsabilidade e a formação agora está junto da promoção, o que consideramos que é uma subalternização. Face ao acréscimo do número de hotéis, nota-se claramente que o Algarve quase que ocupa todos os estagiários na época alta, deixando o resto do país, sem estágios disponíveis.
Na questão dos licenciamentos, sabendo que a Dra. Ana Mendes Godinho conhece a área, vai haver certamente alterações, tanto no Regime Jurídico do Empreendimentos Turísticos, como na Portaria de Classificação, nomeadamente no que diz respeito aos hotéis sem estrelas. Daquilo que sabemos hoje, passados quatro meses, não houve pedidos de dispensa. Isso pode ser confirmado junto do Turismo de Portugal. Foi uma mera ilusão por parte do ex-SET.
Na agenda da AHP está ainda a questão do alojamento local. Em Espanha, quem tem uma plataforma digital é obrigado a pôr o registo do estabelecimento que está a vender e estão proibidos de vender alojamento ilegal.
Nada disso foi feito em Portugal. No diploma do Alojamento Local conseguimos que isso fosse colocado lá, ou seja, em qualquer comunicação de um estabelecimento, seja hostel ou apartamento, é obrigatório por o número de registo no Turismo de Portugal e esse número também tem de aparecer nas OTA’s.
Se pensamos que vamos fiscalizar 34 mil propriedades que o Airbnb gere actualmente em Portugal, estamos a ser utópicos.
Como é que se resolve o problema?
Cumprir com esse registo, torná-lo evidente, porque isso também é uma segurança para os hóspedes, a maioria estrangeiros.
Na nossa agenda para a SET há ainda o dossier das OTA’s, é um dossier político, ou seja, noutros países a questão da booking.com não poder impor cláusulas de paridade foi resolvida por via legislativa. Começou em França, Suécia e Itália, onde as autoridades da concorrência locais determinaram que a booking.com não podia impor cláusulas de paridade. Em alguns destes países, como França e Espanha, não foi só a autoridade da concorrência a impedir, a lei proibiu de impor cláusulas de paridade nos contratos. Isto é uma questão de competitividade da nossa indústria, porque se noutros países o legislador, neste caso o parlamento francês, decidiu de uma determinada maneira, este é um tema politico. A booking.com é um distribuidor fundamental para a Europa toda, ninguém quer rejeitar o peso que tem, o ponto é que a booking.com não pode impor uma condição destas.
O Turismo está mais competitivo?
Está mais competitivo pela oferta. Os pilares do Turismo são a oferta, procura e transportes. Se olharmos para os transportes, estes têm feito o papel deles, que é vender turistas ao destino. A procura é uma procura muito diferenciada e a questão é como é que essa procura foi gerida? Aqui, ou temos a lógica suicidária do mais e mais Turismo, ou a lógica virtuosa do melhor Turismo. Não queremos colocar em causa liberdade económica. O que nos interessa é criar um clima bom para o investimento, com um quadro fiscal propício, com custos de contexto que sejam reduzidos e com melhor qualificação de pessoas. A grande questão que se coloca é a imposição fiscal que continua a ser enorme e a não ser atractiva para o investimento, e a questão dos custos de contexto. Sabemos que a SET está empenhada em reduzir tudo aquilo que configure custos de contexto. Isso é que torna o país atractivo ao investimento e o investimento gera emprego. Estamos muito mais bem preparados, estamos. Mais ainda há algo a fazer nesses dois domínios. ¶