60 mil milhões de libras (cerca de 71 mil milhões de euros). É este o valor que o World Travel & Tourism Council (WTTC) estima que o Reino Unido possa vir a perder nos próximos 10 anos, adverte a entidade num relatório emitido recentemente e onde indica que “o bem sucedido setor das viagens e do turismo do Reino Unido enfrenta uma estagnação e um declínio a longo prazo”.
Numa altura em que se realiza a primeira reunião do Conselho Consultivo para a Economia das Viagens do Governo do Reino Unido, o organismo mundial de turismo revela que, “embora as previsões indiquem estabilidade a curto prazo, as perspectivas a longo prazo são fracas, uma vez que o Reino Unido perde terreno para os concorrentes europeus”.
Setor subfinanciado
Os números avançados pelo WTTC mostra que o setor das viagens e turismo do Reino Unido emprega quase a mesma quantidade de pessoas que o Serviço Nacional de Saúde (National Health Service – NHS, em inglês), tendo contribuído com 280 mil milhões de libras (mais de 330 mil milhões de euros) para a economia do Reino Unido, em 2024, (10,3%) e representou mais de 4,1 milhões de postos de trabalho (11,3%), além de contribuir, anualmente, com cerca de 100 mil milhões de libras (perto de 120 mil milhões de euros) em receitas fiscais.
Contudo, afirma o WTTC, “os sucessivos governos têm demonstrado pouco interesse no setor das viagens e turismo”, indicando que “a oportunidade de crescimento é considerável”, uma vez que se prevê que as viagens e o turismo a nível mundial registem um crescimento anual de 3,7% nos próximos 10 anos, em comparação com os 2,4% da economia mundial em geral.
Apesar deste cenário, estima-se que o Reino Unido tenha, nos próximos cinco anos, “uma das taxas de crescimento mais baixas em termos de chegadas internacionais”, ficando atrás de outros relevantes mercados europeus como a Espanha, Alemanha ou Itália, que colocam as viagens e o turismo no “centro das decisões governamentais”.
Estas previsões do WTTC surgem depois de identificadas várias áreas-chave que requerem, segundo a organização, “de uma ação governamental urgente para desbloquear todo o potencial do setor”. Por isso, indica o WTTC, as empresas de viagens e turismo do Reino Unido “já estão a ser afetadas pelo recente aumento do Seguro Nacional (National Insurance), pelas taxas de IVA superiores à média europeia, aumentos do Imposto sobre Passageiros Aéreos (Air Passenger Duty – APD) e a introdução de uma Autorização Eletrónica de Viagem (Electronic Travel Authorisation – ETA), e uma isenção de visto que poderá aumentar de 10 para 16 libras (de 12 para 19 euros) por visitante”.
Tudo isto, considera o WTTC, são medidas que fazem com que os viajantes se afastem do Reino Unido e considerem outros destinos”.
Os alertas do WTTC, contudo, não se ficam por aqui e alerta, igualmente, para a organização responsável pela promoção do turismo no Reino Unido, a VisitBritain, “que está seriamente subfinanciada quando comparada com os seus concorrentes em todo o mundo, que, em muitos casos recebem o dobro do investimento governamental”, indicando o WTTC que “o investimento adicional é crucial para continuar a atrair visitantes e garantir que os benefícios económicos se estendem para além de Londres”.
Mas também a eliminação da isenção fiscal das compras, em 2021, está a ter repercussões, fazendo com quem os viajantes globais escolham outros destinos europeus, fazendo com que o Reino Unido deixe de gerar um valor estimado em 3,5 mil milhões de libras (mais de 4 mil milhões de euros) para a economia.
Além disso, também o “imposto na hotelaria” proposto pelo Tesouro britânico “dissuadirá ainda mais os viajantes, poderá custar postos de trabalho e fazer com que os principais investidores hoteleiros procurem outros lugares para os seus investimentos”.
Assim, admite o WTTC, “sem reformas específicas, estes obstáculos continuarão a sufocar a competitividade e a dissuadir os viajantes de elevado valor de escolherem o Reino Unido”.
Julia Simpson, presidente e CEO do WTTC, considera que o Reino Unido encontra-se num “momento crítico”, salientando que “o Governo está à procura de crescimento e o setor das viagens e turismo oferece exatamente isso”, reconhecendo mesmo que “o setor [das viagens e turismo] tem sido mal compreendido e mal tratado pelos sucessivos governos”.
“O Governo não pode libertar-se da dívida através dos impostos, precisa de investir para crescer”, diz Julia Simpson, frisando que “a promoção do turismo no Reino Unido está cronicamente subinvestida e é arrogante pensar que os turistas virão sempre para o Reino Unido”, saudando a iniciativa do novo ministro dos Meios de Comunicação Social, Turismo e das Indústrias Criativas, Sir Chris Bryant, de reunir os líderes à volta da mesa do Conselho Consultivo da Economia das Viagens para “resolver esta questão e garantir que as viagens e o turismo possam continuar a ser um importante motor de crescimento económico” no Reino Unido.
Simpson vai mais longe e refere que “o novo Governo tem uma oportunidade única de mudar a trajetória das viagens e do turismo no Reino Unido”, depois de ter traçado o objetivo de ultrapassar os 50 milhões de visitantes até 2030. “Mas isso só pode ser alcançado com as políticas corretas em vigor”, considerando ainda a responsável do WTTC que as viagens e o turismo “não são apenas uma pedra angular da economia do Reino Unido, são um motor vital das receitas fiscais, da criação de emprego e do desenvolvimento regional”.
Dependência excessiva dos EUA
De acordo com as contas feitas pelo Fórum Económico Mundial (FEM), no Índice de Desenvolvimento de Viagens e Turismo 2024, o Reino Unido ocupa o 113.º lugar entre 119 países em termos de competitividade de preços. Os principais problemas incluem o “elevado IVA, a falta de compras isentas de IVA, o aumento das taxas de aviação e os dispendiosos requisitos de visto”, desafios que, segundo o FEM, “são ainda mais agravados pelo investimento governamental relativamente baixo em marketing e turismo regional”.
Também a “dependência excessiva” do Reino Unido em relação aos visitantes dos EUA foi destacada. Sendo o maior mercado de entrada em 2019 e 2023, “esta dependência deixa o setor vulnerável a alterações económicas e políticas num único mercado”, considera o WTTC, admitindo que “a expansão dos mercados de origem é essencial para a resiliência e o crescimento sustentado”.
Assim, o WTTC conclui que os responsáveis políticos “devem atuar de forma decisiva”, já que “as escolhas feitas hoje determinarão se o Reino Unido prospera como líder mundial do turismo ou se se torna um país secundário face à crescente concorrência internacional”.
Os números avançados pelo WTTC colocam a Austrália como mercado de maior crescimento médio anual entre 2019 e 2024, com uma subida de 9,1%, seguida da Suíça e Japão (ambos com +7,4%), Alemanha (+5,9%), Itália (+5,7%) e Espanha (+4,9%), surgindo o Reino Unido com +3% à frente da França (+2,3%).