Surf é o Cristiano Ronaldo do turismo português e continua a somar golos
Uma década depois do mundo ter descoberto as ondas grandes da Nazaré, o surf tornou-se num importante produto turístico que veio tornar mais ‘cool’ a imagem turística de Portugal e contribuir para diminuir a sazonalidade.
Inês de Matos
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Em novembro de 2011, o norte-americano Garrett McNamara surfou a maior onda de que havia registo até à data e colocou definitivamente Portugal e a Nazaré no mapa do surf mundial. Por esta altura, Portugal já recebia uma etapa da World Surf League, que se realiza todos os anos em Peniche, e já contava com um surfista entre a elite mundial, uma vez que Tiago Pires – mais conhecido por Saca – já disputava o World Championship Tour (WCT).
Mas tudo mudou com a chegada do norte-americano à Nazaré, com a onda de mais de 20 metros que McNamara surfou na Praia do Norte e que deu a conhecer ao mundo o Canhão da Nazaré. Daí até à campanha que o Turismo de Portugal lançou e que mostrou em Times Square o real tamanho das ondas da Nazaré, foi um instante.
Desde então, o surf e as atividades ligadas ao surf não mais pararam de crescer e, hoje, este é um produto turístico que representa mais de 400 milhões de euros, atrai turistas estrangeiros das mais diversas nacionalidades e que levou a uma mudança na imagem turística do país.
“Costumo dizer que o surf é o Cristiano Ronaldo do turismo português”, diz ao Publituris Rodrigo Machaz, diretor-geral dos Memmo Hotels, que há 15 anos abriu o Memmo Baleeira Hotel, em Sagres, numa altura em que os hotéis ligados ao surf eram ainda uma miragem.
Apesar de admitir que nunca quis fazer um hotel para surfistas, Rodrigo Machaz não tem dúvidas que, “se não houvesse ondas em Sagres, o hotel valia menos de metade”. É que grande parte dos clientes desta unidade hoteleira de quatro estrelas procura o Memmo Baleeira Hotel justamente pelos desportos de ondas, com o surf à cabeça.
É por isso que o hotel disponibiliza um ‘surf centre’, tendo sido mesmo o primeiro a nível nacional a dispor desta facilidade, bem como cacifos e uma área especifica onde os praticantes da modalidade podem guardar e lavar os seus equipamentos.
Quando faço esta comparação com o Cristiano Ronaldo é porque houve uma quebra geracional. O futebol era uma coisa antes do Cristiano e, depois, apareceu um grande jogador que mudou tudo. Com o surf aconteceu o mesmo”, Rodrigo Machaz, diretor-geral Memmo Hotels
De acordo com o responsável, “o surf foi muito importante não apenas para o hotel mas para a região” de Sagres, uma vez atraiu novos públicos e contribuiu para mudar a dinâmica turística desta vila algarvia, numa realidade que se tem vindo a alargar a cada vez mais destinos nacionais, validando a comparação de Rodrigo Machaz com o futebol. “Quando faço esta comparação com o Cristiano Ronaldo é porque houve uma quebra geracional. O futebol era uma coisa antes do Cristiano e, depois, apareceu um grande jogador que mudou tudo. Com o surf aconteceu o mesmo”, defende o responsável, que considera mesmo que, pela procura que lhe está associada, “o surf é o nosso melhor ponta-de-lança”.
Melhor destino do mundo
Além da Nazaré e de Sagres, destinos que contam com condições únicas para a prática do surf, Portugal dispõe de vários outros ‘spots’ de surf, que têm afirmado o país neste segmento.
Ao Publituris, Francisco Rodrigues, presidente da Associação Nacional de Surfistas, que organiza provas e competições a nível nacional, explica que o país oferece uma “larga panóplia de tipos de ondas” e outras características que levam a que Portugal seja já visto como “um dos principais destinos de surf no mundo”.
“Enquanto destino de Surf, Portugal é completo e muito equilibrado”, diz o presidente da Associação Nacional de Sufistas, apontando, além da diversidade de ondas, fatores como a centralidade geográfica, segurança, clima e hospitalidade dos portugueses.
De acordo com o responsável, por todo o país é possível encontrar diferentes spots de surf para todos os tipos de surfistas. Atualmente, os destinos de surf nacionais mais visitados são a Ericeira e Peniche, que têm ondas de classe mundial, ainda que também a costa da Figueira da Foz até Aveiro ofereça ondas de grande qualidade, assim como “mais alguns segredos e aventura”. Já no Porto e em Matosinhos há procura por um tipo de surf “mais urbano”, enquanto o Algarve e as ilhas, nomeadamente os Açores – onde São Miguel “tem desempenhado um papel liderante” -, têm ainda “muito por descobrir”.
A opinião de Francisco Rodrigues é partilhada pelos outros responsáveis ouvidos pelo Publituris, já que também Walter Chicharro, presidente da Câmara Municipal da Nazaré, defende que Portugal já é um dos melhores destinos de surf do mundo, que dispõe de diversos “surf spots de grande qualidade e variedade em 300 kms de costa de fácil acesso e de grande versatilidade”, algo que, sublinha, “não se encontra em mais nenhum país do mundo”.
Enquanto destino de Surf, Portugal é completo e muito equilibrado”, Francisco Rodrigues, presidente da Associação Nacional de Surfistas
E também Vitor Costa, presidente da Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa (ERT-RL) partilha da opinião de que a posição de Portugal no surf já é de liderança, uma vez que o país “tem uma oferta muito diversificada na área do surf e cada vez mais infraestruturas e serviços que permitem tornar o destino como uma das primeiras escolhas dos amantes e praticantes de surf, bem como dos amigos e familiares que por norma os acompanham”.
Vitor Costa dá o exemplo da região de Lisboa, que é “muito rica em condições para a prática do surf, quer a um nível exigente e profissional – na costa a norte de Sintra e Ericeira (Reserva Mundial de Surf, a primeira e única reserva de surf na Europa), quer ao nível do ensino/aprendizagem – na Costa do Estoril e nas praias da Costa de Caparica”.
O responsável considera que “esta é uma oferta muito diversificada e relevante, pois a procura não se faz apenas de pessoas já com muita experiência na modalidade, mas também por aqueles que se encontram a aprender a praticar o surf”.
A ERT-RL tem vindo, aliás, a promover o desenvolvimento de um polo de surf sustentável na Ericeira, uma vez que o Plano Estratégico para o Turismo da Região de Lisboa 2020/2024, “contempla o surf como um produto complementar da região”. Ao abrigo deste plano, a entidade regional tem vindo a promover o “desenvolvimento de várias infraestruturas de apoio e atividades” ligadas ao surf e, atualmente, adianta Vitor Costa, é necessário “dinamizar ainda mais o alojamento de referência com destaque para modelo de surfcamps – oferta integrada de alojamento, escola de surf e atividades em parceria com operadores turísticos”.
O polo de surf da Ericeira tem vindo a ser promovido pela entidade regional a nível internacional através de uma parceria com agências de comunicação de Espanha, França, Itália, Reino Unido, Alemanha e EUA, assim como através de “um trabalho muito próximo com os operadores turísticos e investidores”, com o responsável a explica que a expetativa é que a Ericeira “continue a ter um forte contributo para a diferenciação e desenvolvimento da região, especialmente dos polos onde tem mais incidência”.
O balanço desta aposta é, no entanto, positivo, com Vitor Costa a explicar que, apesar de não existirem dados concretos sobre o impacto económico do surf, “é inegável o efeito positivo que este produto teve no desenvolvimento recente da oferta de alojamento de Mafra”, que passou de 800 para 2.300 camas em apenas cinco anos, assim como no aumento do “número de atividades a si ligadas”, como passeios, outros desportos aquáticos, escolas e divertimento, o que trouxe “consequências positivas, quer ao nível da receita, quer do emprego”.
Imagem e Sazonalidade
Os efeitos positivos do surf são inegáveis e vão muito além do impacto direto na economia, já que este produto turístico permite também atrair novos públicos, reduzir a sazonalidade e tornar mais atrativa a imagem do país enquanto destino turístico.
“Portugal e o Algarve estavam muito conectados com um turismo tradicional, mais sénior, muito ligado ao mercado britânico e mais pesado. Era um turismo pouco cool. Penso que o surf foi uma lufada de ar fresco, trouxe gente bonita a Sagres, pessoas mais jovens e isso tornou o nosso turismo muito mais sexy”, considera Rodrigo Machaz.
Com refere Rodrigo Machaz, o surf trouxe a Portugal um tipo de turismo mais jovem e dinâmico, cosmopolita, que em grande parte é proveniente do Norte da Europa, mas também do Brasil ou EUA, e que vê o surf como “um estilo de vida”, o que contribuiu para mudar a realidade do turismo que Sagres passou a oferecer. “Com a vinda para Sagres destas pessoas, a vila mudou e tem hoje um cenário muito diferente e isso tem levado também muitos estrangeiros a quererem ir viver para lá”, acrescenta o diretor-geral dos Memmo Hotels.
Vitor Costa é da mesma opinião e considera mesmo que “o surf tem contribuído para uma imagem mais forte de Lisboa como destino “cool” – jovem, dinâmico e culturalmente atual”.
E também na região de Lisboa o surf tem levado a “um crescimento de visitantes estrangeiros com esta motivação”, o que traz vantagem ainda ao nível da sazonalidade dos destinos. “O surf é também relevante porque se pratica também – e, sobretudo – em época baixa”, acrescenta Vitor Costa, indicando que, na região de Lisboa, este produto tem atraído ainda “muitos residentes temporários – sejam eles estudantes ou digital nomads – e isso é importante para fazer desenvolver as economias locais ao nível do alojamento, restauração, ofertas de lazer, entre outras. Essa fixação de “novos residentes” também fomenta as visitas a familiares e amigos, com impacte positivo na economia turística”, defende.
Tal como em Lisboa, também na Nazaré o surf tem levado a uma redução da sazonalidade, com Walter Chicharro a explica que, apesar da Nazaré ser “um importante ponto turístico há mais de um século”, tinha um tipo de turismo que “estava circunscrito ao verão e a outros momentos pontuais”, algo que o surf veio mudar. “A época de ondas gigantes, que se estende entre outubro e março, acaba por trazer um turismo que não existia, o que contribui significativamente para reduzir a sazonalidade, própria das zonas balneares”, defende o autarca, indicando que também neste destino há “vários negócios a abrir portas todos os anos” devido ao surf, motivando igualmente “cada vez mais portugueses e estrangeiros a comprar casa na Nazaré”, o que acaba por “dinamizar a economia” da região.
A aposta neste segmento foi, por isso, natural para o executivo municipal que tomou posse em 2013 e que, segundo Walter Chicharro, optou pela “abertura da Praia do Norte a mais surfistas” e apostou “numa comunicação muito forte para a Nazaré”. E os resultados estão à vista: o Forte de S. Miguel Arcanjo, que em 2014 recebia apenas 40 mil visitas, passou a integrar um museu dedicado ao surf e a estar aberto ao público ao longo de todo o ano, o que ditou um exponencial aumento de visitantes, de tal forma que o espaço deverá chegar, ainda este ano, à marca dos dois milhões de visitantes.
O surf tem contribuído para uma imagem mais forte de Lisboa como destino “cool” – jovem, dinâmico e culturalmente atual”, Vitor Costa, presidente da ERT-RL
Ou seja, como afirma o presidente da Associação Nacional de Surfistas, “a importância do surf para Portugal é muito significativa não só pelas cadeias de valor endémicas criadas mas também pelo que estas geram nas outras indústrias conexas”.
Preservar é fundamental
Não existem dúvidas de que o surf é um segmento fundamental para o turismo português e, por isso, para o presidente da Câmara Municipal da Nazaré, é necessário manter “o investimento feito e a promoção inteligente e global”, a exemplo da ação levada a cabo pelo Turismo de Portugal que mostrou o real tamanho das ondas da Nazaré em Times Square.
A promoção é fundamental, concorda Rodrigo Machaz, que considera, no entanto, que, nesta fase, a prioridade deve passar muito mais pela preservação e por garantir a sustentabilidade dos destinos. “O maior receio que tenho é que se destrua Sagres. O turismo não pode crescer infinitamente, isso é muito desafiante e o surf está muito ligado à natureza, por isso, acho que o maior desafio que temos enquanto destino turístico é muito mais a requalificação e preservação do que a construção”, considera o responsável, defendendo que Portugal tem feito uma promoção eficiente no que ao surf diz respeito e que, por isso, “em vez de fazer mais, Portugal está agora na fase e que pode fazer melhor”.
Francisco Rodrigues partilha a opinião do diretor-geral dos Memmo Hotels e também considera que, “de agora em diante, é preciso saber gerir”. “Não só de crescimento se trata. É importante ter uma visão cuidada do processo para que as características naturais que nos trouxeram até aos dias de hoje permaneçam intactas”, alerta o presidente da Associação Nacional de Surfistas, que pede que a opinião dos praticantes desta modalidade seja tida em conta, uma vez que a experiência dos agentes ligados ao surf “deve ser relevada no processo sustentável que é muito importante ter em conta”.
Foi, aliás, com essa preocupação que o Turismo de Portugal se associou à Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que decorreu em Lisboa, este verão, e promoveu a ação “Let’s Sea – The Waves for the future”, com o objetivo de destacar o papel do surf na proteção dos oceanos e relembrar como todo o ecossistema que envolve empresas, atletas e instituições se deve mobilizar em torno deste desígnio. Pois como lembrou Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, “a sustentabilidade é um dos pilares do turismo do futuro, um propósito incontornável para a atividade turística a nível mundial. Criando um turismo mais sustentável, mais responsável e mais consciente, cria-se um melhor amanhã”.
NÚMEROS
400M€
Apesar de ser um valor que já estará desatualizado, calcula-se que o surf e as atividades ligadas a esta modalidade tenham um impacto económico em Portugal acima dos 400 milhões de euros por ano.
15
Há 15 anos, os Memmo Hotels abriram o Memmo Baleeira Hotel, uma unidade de quatro estrelas em Sagres, que foi pioneira por apostar no surf e disponibilizar várias valências para os seus praticantes, como Surf Center, cacifos e áreas para lavar os equipamentos.
2.300
Em cinco anos, o município de Mafra passou de 800 para 2.300 camas de alojamento turístico, num crescimento que está relacionado com a aposta no surf e com a criação de um polo turístico de surf sustentável na Ericeira.