Subida de preços: o novo obstáculo que ameaça o turismo
O recente aumento de preços, muito por culpa da subida da inflação e do aumento dos custos da energia, está a deixar o setor do turismo apreensivo face a um novo obstáculo que pode a atrapalhar a recuperação já em curso na atividade turística.
Inês de Matos
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De há um meses para cá, as notícias sobre o aumento dos preços tornaram-se constantes. A saída da pandemia levou ao aumento da procura e provocou uma subida da inflação, que se caracteriza pelo crescimento generalizado dos preços na economia. A esse aumento, é preciso juntar a subida dos custos da energia, combustível e matérias-primas, o que veio dar mais gás à inflação que, em Portugal, chegou aos 3,3% em janeiro, a mais elevada desde fevereiro de 2012, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Lá fora, a situação não é mais animadora. Em dezembro, os países da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico viram a inflação subir para 6,6%, o valor mais elevado dos últimos 30 anos, enquanto nos EUA chegou aos 7%, o que se explica, em grande parte, pela subida de 25,6% nos preços da energia registada nesse mês.
A subida de preços está a afetar todos os setores da economia e o turismo não é exceção. Já em outubro, Scott Kirby, CEO da United Airlines, alertava que “os preços mais altos do combustível da aviação levam a preços mais altos nos bilhetes” e, mais recentemente, foi a vez da hotelaria espanhola se queixar do custo da energia, com a Associação dos Hotéis de Castela e Leão a dar o exemplo do AC Hotel by Marriott Palacio de Santa Ana, em Valladolid, onde a conta da luz passou de oito mil euros antes da pandemia para 24 mil euros no último mês. E, já em janeiro de 2022, foi a vez da TUI revelar, aquando da apresentação da programação para o verão, que as viagens organizadas já subiram cerca de um quinto face ao período pré-pandemia.
Claro que o crescimento da procura induz, obviamente, quando há escassez, o crescimento do preço, mas aqui o fenómeno é muito mais profundo e preocupante”, Cristina Siza Vieira, presidente executiva AHP
É caso para dizer que, numa altura em que as expetativas apontavam para a recuperação já este ano, o setor do turismo tem um novo obstáculo para contornar, que pode atrasar o desejado regresso à normalidade.
De quem é a culpa?
Apesar dos vários fatores que contribuem para o aumento de preços, Pedro Brinca, economista e professor da NOVA SBE, diz ao Publituris que este aumento de preços não é uma surpresa, até porque, nos EUA, cedo se começou a discutir o impacto que teriam os estímulos económicos adotados para fazer face à pandemia. “Vários foram os analistas e académicos (como Olivier Blanchard e Larry Summers) que alertaram para os perigos de um surto de inflação”, indica, explicando que “o hiato do produto estimado nos EUA em abril de 2021 era de cerca de um terço do pacote total de ajudas que foram implementadas”.
Na Europa, acrescenta Pedro Brinca, “os estímulos não foram tão acentuados”, o que explica que as expectativas de inflação venham a ser “mais moderadas”. “Mas ainda assim a inflação na zona euro está próxima dos 5%, bem acima do objetivo de 2%”, alerta, realçando que, apesar de se esperar que este surto seja temporário, o certo é que ele não mostra sinais de abrandamento e já dura há 10 meses.
Além da inflação, também a energia tem culpas na situação. Pedro Brinca aponta, desde logo, “o fim progressivo em alguns países da produção de eletricidade com carvão e energia nuclear”, como um dos motivos que levaram a “um aumento da dependência das energias renováveis e do gás natural”, cujo consumo tem subido, com reflexos também no custo. A agravar o problema, está ainda a postura da Rússia, que não acompanhou a subida do consumo com um aumento do fornecimento à Europa, o que voltou a agravar o preço da energia.
Tal como Pedro Brinca, também o setor do turismo atribui a subida dos preços à inflação, principalmente motivada pelo aumento dos custos da energia e combustível, mas também de produção. Como resume Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, “está tudo a subir, desde os combustíveis, aos custos da distribuição, da construção, aos salários e também aos salários da hotelaria”. Na opinião da responsável, apesar da saída da pandemia também ter provocado um aumento da procura, não é esse tipo de inflação que explica a escalada a que se tem assistido e que, na hotelaria, é comum a todas as categorias de unidades. “Claro que o crescimento da procura induz, obviamente, quando há escassez, o crescimento do preço, mas aqui o fenómeno é muito mais profundo e preocupante. Pode induzir alguma coisa, alguns países sinalizam essa dinâmica como podendo ter aqui algum efeito adicional, mas não é o efeito principal”, explica.
A estes motivos, aponta ainda Francisco Calheiros, presidente da CTP – Confederação do Turismo de Portugal, é preciso juntar também o “aumento dos preços nos serviços associados à atividade turística, nomeadamente serviços de marketing, serviços bancários, financeiros e seguros”, assim como o efeito da “reorganização das cadeias logísticas de abastecimento de bens e serviços”, que também tem contribuído para o aumento de preço no setor do turismo.
Mais difícil é estimar quando é que esta crise dos preços termina, com Pedro Brinca a mostrar-se convicto que “esta dinâmica se irá manter pelo menos até ao próximo inverno”. “É de esperar que as disrupções das cadeias de abastecimento sejam progressivamente ultrapassadas e também que o retorno de uma maior disciplina orçamental possam ser fatores que contribuam para a estabilização da inflação”, indica.
Impacto no turismo
O efeito da inflação no turismo está espelhado nos mais recentes dados do INE, que indicam que, em janeiro, os preços da hotelaria e alojamento subiram 6.79%, nos serviços de refeições houve um aumento de 3.85%, nos restaurantes e hotéis a subida foi de 3.57% e nos restaurantes, cafés e estabelecimentos similares o aumento de preços chegou aos 4,11%.
Os dados económicos ajudam a perceber a escalada de um problema que é confirmado pelo setor, com o presidente da CTP a indicar que os aumentos se sentem em “praticamente todas as áreas, desde a aviação até à restauração, passando pelo alojamento e animação, não obstante os esforços das empresas em mitigar o impacto dos aumentos”.
Opinião idêntica manifesta Joaquim Robalo de Almeida, secretário-geral da ARAC – Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor, que representa grande parte das empresas de rent-a-car que operam em Portugal, que refere que “o aumento generalizado de preços está a acontecer em todo o mundo” e estima que, devido à inflação, “se assistirá a um aumento de preços generalizado nos vários produtos e serviços que compõem este importante motor da economia nacional”.
O aumento do preço da hotelaria nunca é uma oportunidade para a aviação”, Paulo Geisler, presidente da RENA
No rent-a-car, além da inflação e do combustível, há também a crise dos semicondutores, que está a provocar a escassez de veículos automóveis e a aumentar o seu custo, contribuindo para que os preços dos alugueres subam. “Face ao aumento dos vários custos de exploração por parte das empresas de rent-a-car e tendo em atenção a inflação que atinge toda a economia, caso não se verifique uma inversão da tendência inflacionista, é seguro que o preço dos serviços de aluguer de veículos sem condutor irá aumentar”, defende o responsável da ARAC.
Paulo Geisler, presidente da RENA – Associação das Companhias Aéreas em Portugal, também confirma a subida de preços na aviação, devido à inflação. Para o responsável, os preços vão continuar a subir, entre 3% a 4%, ainda que o combustível possa “alterar esta previsão”.
No alojamento turístico, cujo preço subiu cerca de 6,8% em janeiro, Cristina Siza Vieira mostra-se essencialmente preocupada com o “aumento de custos da energia que é, a par dos salários, um dos maiores custos da hotelaria” e diz que a hotelaria vai ter de “acompanhar o resto da inflação”. “Não vejo como é que poderia não ser assim se temos de absorver os custos de produção”, lamenta.
Este aumento de preços, também “acontece nas atividades da restauração, similares e do alojamento turístico, como acontece em todas as outras atividades económicas”, acrescenta Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que diz, no entanto, esperar que o aumento de preços seja, este ano, compensado por uma “maior procura, nomeadamente de turistas internacionais, devido ao fim das restrições. “Todos desejamos que o mercado responda positivamente, e que seja possível compensar este aumento de custos e de produção, que tendencialmente poderá levar a um aumento de preços”, acrescenta.
O Publituris tentou ainda contactar a APAVT – Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo, mas, até ao fecho desta edição, a associação não esteve disponível para responder às questões colocadas.
Efeito na procura
A subida dos preços é um novo obstáculo que o turismo precisa ultrapassar, principalmente porque, como diz Pedro Brinca, “é normal que os aumentos de preços levem a uma diminuição da procura”. “Parte destes aumentos de preços podem refletir uma necessidade de tesouraria das empresas que sacrificam margem no longo prazo por uma maior receita no curto prazo. Nesta dimensão, é de esperar que a procura diminua”, considera, lembrando, no entanto, que a nível internacional também “existe um efeito de preços relativos”, pelo que é “preciso comparar com outros destinos e respetivas taxas de inflação” a situação de Portugal, que tem registado uma das inflações mais baixas da Europa.
Apesar de admitir que a procura pode diminuir devido ao aumento de preços, pois as empresas têm de refletir esses aumentos no valor cobrado aos clientes, sob “pena de entrarem em perda”, Cristina Siza Vieira mostra-se confiante de que não vai faltar procura, já que as previsões apontam para o crescimento da economia, o que, a juntar à vontade de viajar, depois de dois anos de pandemia, promete animar a hotelaria. “Também há boas notícias e quais são? É que também o crescimento da economia aconteça. Ou seja, que também haja um aumento do poder de compra dos consumidores de serviços de turismo, através do aumento dos salários, e que seja capaz de absorver esta subida de preços. Esta é a parte em que estamos todos um pouco mais otimistas”, aponta, realçando ainda o crescimento da poupança na pandemia como uma vantagem.
Já para a AHRESP, a expectativa é que as “empresas de restauração e do alojamento turístico vão tentar amortecer este efeito com ganhos de produtividade ou outras medidas procurando preservar os clientes deste impacto e para manter competitividade face à própria concorrência”. Ana Jacinto reconhece, contudo, que há limites e que, se a subida continuar, haverá “um momento que terão que inflacionar também os preços”.
Confiante está ainda a aviação, o único subsetor do turismo a apresentar uma evolução negativa da inflação em janeiro (-1,73%), com Paulo Geisler a explicar que, neste caso, a subida dos preços tem acontecido mais para “recuperar das reduções de preços realizadas nos últimos dois anos”.
Na aviação, a subida do preço é mais visível no transporte de carga, que beneficiou “das dificuldades de transporte rodoviário e marítimo”, enquanto no transporte de passageiros tudo vai depender “da capacidade dos operadores em trazer de volta a capacidade que tiveram de retirar do mercado durante os últimos dois anos para responder ao aumento de procura”. E, tal como a hotelaria, também a aviação espera uma recuperação, pois continua ainda aquém dos valores de 2019 e é provável que “muitas pessoas que optaram por fazer turismo doméstico nos últimos dois anos vão voltar a viajar internacionalmente”, defende.
Já no rent-a-car, que espera que o aumento de preços se verifique em todo o tipo de alugueres, mas principalmente nos contratos de curta duração, que têm mais custos, o aumento dos preços também deverá levar a “uma subida de preços no consumidor, como aliás é natural em qualquer economia de mercado”, admite Joaquim Robalo de Almeida.
Ameaça ou oportunidade?
Apesar da incerteza, a subida dos preços pode ser uma ameaça ou uma oportunidade para o turismo. Pedro Brinca explica que se “não for acompanhada por uma diminuição da procura, ou seja, se houver inflação generalizada inclusive nos salários da população mantendo o poder de compra e não houver mudanças significativas nos preços relativos, a inflação pode ser uma maneira de aliviar os encargos do stock de dívida”. E lembra que o turismo, “por via da sua estrutura de custos muito assente em investimentos à cabeça em equipamentos e infraestruturas, é dos setores mais alavancados da economia”.
As empresas de restauração e do alojamento turístico vão tentar amortecer este efeito com ganhos de produtividade ou outras medidas procurando preservar os clientes deste impacto e para manter competitividade face à própria concorrência”, Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP
O professor da NOVA SBE nota ainda que, face a outros países, em Portugal as “ajudas diretas foram relativamente mais reduzidas e muito mais assentes em moratórias creditícias e fiscais”, o que ajuda a resolver “o problema da liquidez, mas não da solvabilidade”, pelo que o fim das moratórias, em dezembro de 2021, “poderá trazer problemas complicados de tesouraria associados à necessidade de reembolso de juros e capital, agora maiores devido aos prejuízos acumulados”. “Mas como a dívida está determinada em termos nominais, a inflação generalizada pode, como descrevi acima, dar um ajuda importante a diminuir os custos reais de capital”, acrescenta, lembrando que, a variação de Portugal face aos seus competidores, será um aspeto “determinante” para a competitividade internacional do país. “É provável que até tenhamos ganho competitividade relativa uma vez que a inflação em Portugal tem sido muito mais contida do que na generalidade dos outros países europeus”, explica, alertando, no entanto, que “a subida generalizada dos preços da energia, inclusive até em resultado da tensão na Ucrânia, é seguramente uma ameaça devido à pressão que fará nos preços das viagens”.
Por parte do setor, também há opiniões distintas, ainda que a incerteza deixe reticente parte dos intervenientes, num sentimento que é traduzido pela CTP, cujo presidente diz não ter dúvidas de que a escalada dos preços representa uma ameaça, pois resulta da “incorporação alheia e externa de custos”, com consequências negativas para as empresas, que se deparam “com a debilitação das suas já enfraquecidas contas de exploração e menores margens de comercialização”, enquanto os consumidores vão assistir à repercussão “de parte dos custos das empresas”.
Reticente está ainda Paulo Geisler, que está preocupado com o impacto na aviação da subida de outros preços do setor. “O aumento do preço da hotelaria nunca é uma oportunidade para a aviação”, diz, defendendo que os operadores que “controlam toda a estrutura de distribuição” conseguem “gerir melhor a distribuição do aumento de preços”.
Já para o rent-a-car, o aumento dos preços não deve ser visto como oportunidade ou ameaça, sendo antes “uma resposta inevitável à crescente subida dos custos suportados pelas empresas”. Por isso, a ARAC pede a descida do IUC e do ISV, bem como a aplicação ao rent-a-car da taxa intermédia de IVA (13%), “à semelhança do que se passa com a maioria dos demais serviços turísticos”, como medidas de “vital importância” para manter a competitividade do setor.
Na AHRESP, Ana Jacinto também diz que o aumento de preços não é oportunidade nem ameaça, sendo antes “um desafio”, até porque Portugal vive o mesmo cenário que os destinos concorrentes, “onde a mesma escalada de preços acontece” e até para valores mais elevados.
A associação antevê, no entanto, uma descida da procura doméstica e aumento da externa, com Ana Jacinto a referir que, a confirmar-se, esta realidade é uma “ameaça” para as empresas, que vão necessitar de trabalhar mais para a converter numa “oportunidade”.
Opinião idêntica manifesta Cristina Siza Vieira, que apesar de considerar que o aumento de preços é um “problema”, diz que não é uma ameaça, uma vez que “a hotelaria se tem vindo a preparar para mais este obstáculo”. “Já se modificaram as formas de prestar serviço, ganhou-se alguma eficiência, reduziram-se custos e alguns hotéis estão a fazê-lo ainda mais no housekeeping, para que os custos operacionais baixem. E o próprio consumidor está preparado para determinadas alterações e percebe que as coisas não podiam ser mantidas como estavam”, explica.
Apesar de estar preparada, a AHP considera que a hotelaria também devia ser alvo de alterações fiscais para ajudar as empresas a lidar com o aumento dos custos, a exemplo da redução da TSU, que pode ter um efeito “positivo quando os custos com os salários estão a subir”.