“A sustentabilidade ainda não pode ser encarada como economicamente viável ou rentável”
O diretor-executivo da European Travel Comission (ETC), Eduardo Santander, diz-se otimista quanto ao futuro, mas admite que a indústria do turismo e viagens não conseguirá mudar sozinha. “Temos pensar de forma diferente”.
Victor Jorge
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Embora todos saibamos que é preciso mudar e a sustentabilidade é tema central nessa mudança, também é verdade que, nos dias de hoje, as decisões demoram. O director-executivo da ETC salienta que “andámos durante demasiado tempo à solta e as consequências estão aí e não são positivas”.
No final do “A World for Travel” referiu que a Europa deverá ser a primeira ou a melhor relativamente às novas medidas que devem ser colocadas em prática no setor do turismo e viagens? Pergunto-lhe se tem de ser uma ou outra ou se não pode ser as duas, ou seja, a primeira e a melhor?
Claramente que a Europa pode ser a primeira, sendo, igualmente, a melhor. A questão é como é que isso pode ser medido. Há que definir primeiro o que é, efetivamente, ser o melhor, algo que não está bem definido no turismo.
Para mim o melhor, enquanto destino na Europa, é aquele que tratou dos recursos naturais, sociais e que utilizou os recursos económicos de forma sensata.
A sensatez, neste particular, passa muito, em meu entender, por não pensar a curto prazo, ou seja, a três ou cinco anos, mas para a próxima geração, ou seja, não pensar em mim, mas já nos meus filhos.
Mas os líderes de hoje estão a tomar decisões que só terão resultados e impactos dentro de 20 ou 30 anos quando, quem toma a decisão, já não está na liderança da empresa ou Governo?
Penso que bons líderes terão de ter duas componentes: liderança e cidadania. Esta foi uma questão que me assolou durante a pandemia da qual estamos, espero, a sair. Mas o que vi durante a pandemia foi, efetivamente, falta de liderança. Não tivemos ninguém a tomar decisões com assertividade, ninguém que decidisse, sabendo que era o melhor para a população, mas, eventualmente, não era o melhor para mim, enquanto político ou para o meu Governo, partido, movimento, enquanto poder. Porque é disso que estamos a falar, de poder.
O poder está a mudar, não só a nível político, económico entre EUA, China e outras nações, mas também no turismo esse poder está a mudar. Por isso, como é que podemos dar poder a práticas sustentáveis e ser, ao mesmo tempo, economicamente viável? Essa é, talvez, a grande e maior questão.
Para ser franco, a sustentabilidade ainda não é algo que possa ser encarado com economicamente viável ou rentável. Porquê? Porque as grandes companhias ainda não estão nesse patamar. Uma vez existente um modelo que funcione, aí sim, acredito que as pessoas que consumam menos água, menos energia, produzam menos lixo, poluam menos sejam recompensadas. Agora, sinceramente, é uma miragem.
Mas acha que modelos como esse que está a descrever terão de ser impostos ou poderão nascer eles próprios dessas mesmas companhias?
Sabe, a palavra “imposição” é muito forte. Nos últimos tempos temos assistido a regulamentação decidida em tempo recorde. Penso que terá de haver um equilíbrio, ouvir as pessoas e regular.
Mas para ouvir as pessoas também terá de chegar a conclusões e regular de acordo com essas conclusões. Acredito num mercado mais regulado para o turismo. Penso que andámos durante demasiado tempo à solta e as consequências estão aí e não são positivas.
Ouvir fora para decidir dentro
Aponta também o dedo à própria indústria ou setor do turismo, que passa demasiado tempo a falar para dentro e que não é desafiada por outros setores ou indústrias. Como é que isso pode ser feito?
Quando digo que temos de envolver outros atores sem ser os governos, e não me entenda de forma errada, porque gosto muito de falar com ministros do turismo europeus, há que abordar muitas outras questões que não terão de estar, obrigatoriamente, dentro da esfera do turismo.
Discutir economia partilhada, por exemplo, poderá dar uma nova vida a certos locais, locais que estão vazios e que poderão ser explorados de forma diferente, retirando-lhes a carga da sazonalidade.
A indústria tem falado muito pouco ou nada com as novas gerações”
Mas para isso é preciso ter emprego, infraestruturas, escolas, hospitais, etc.?
Exatamente, mas aí teremos as pessoas a dizer que, por exemplo, pagam impostos por algo que recebem em troca.
Para mim, ainda nos encontramos nessa era egoísta, continuamos a pensar que comprar o nosso carro dá-nos mais liberdade do que partilhá-lo, ou que comprar uma segunda casa junto à praia nos dá mais riqueza. A riqueza já não tem nada a ver com objetos. As gerações de agora pensam de forma diferente e teremos de nos adaptar.
Enquanto pais, estamos a deixar uma sociedade e planeta completamente “lixados” aos nossos filhos, com poucas perspetivas de emprego, económica e socialmente desigual, ao nível da sustentabilidade um autêntico caos. Por isso, temos pensar de forma diferente.
E a indústria do turismo está a comunicar com essas gerações?
Concordo que a indústria tem falado muito pouco ou nada com as novas gerações. Não é positivo não envolvermos essas gerações neste debate. Claro que não feito intencionalmente num evento que pretende reunir de novo a indústria, bem organizado, todos precisávamos de estarmos juntos.
Mas a indústria tem de ouvir esta nova geração?
Não só a indústria do turismo como toda sociedade civil. Uma indústria precisa de consumidores, produtores, fornecedores. Temos por hábito de referir sempre alguém, de dizer “nós temos de fazer isto ou aquilo”. Mas quem é o “nós”?
Ouvimos definições como “local”, “parcerias”, “colaboração”. Pensa que o mindset já está de tal forma transformado que conseguirá colocar tudo isto em prática ao mesmo tempo no período curto?
O período dependerá muito da própria comunidade. Há uns que estão mais avançados, outros mais atrasados. Tomemos Portugal como exemplo. Portugal mudou radicalmente nas últimas décadas no que diz respeito ao turismo. Mas o ponto de partida de Portugal não era o mesmo de França ou Itália.
Portugal era o desconhecido, conhecia-se Lisboa, Porto, o Algarve, mas o restante país foi uma experiência, uma descoberta e até uma aventura para os próprios portugueses.
Por isso, há que identificar os diferentes ciclos de vida de cada destino.
Se soubermos o ‘como’, o ‘quando chega mais depresa
Já não se trata do “quando”, mas do “como “?
A questão está em que, se souber fazer, vais mais rápido. Por isso, se souber o “como”, o “quando” chega mais depressa.
Acho que terá mais a ver com competitividade. O problema é que o conhecimento é mantido em segredo com medo de que o concorrente possa ganhar vantagem se souber.
A questão é que o mercado mudou e as pessoas e empresas já não podem pensar que são melhor que os outros. Há que perceber que se trata de um sentimento de cidadania europeia e que um português, espanhol, italiano ou finlandês têm direitos iguais.
Podemos ter algumas particularidades que nos distinguem, é claro, mas quando falamos de turismo somos e temos de ser todos iguais.
Ouve-se muito falar de turismo de lazer e não tanto de negócios?
É errado chamarmos de turismo de negócio, porque nunca foi turismo. Foi sempre negócio. Era um turismo de transporte, transportar pessoas de A para B em trabalho.
O turismo ainda tem aquele aspeto da descoberta de locais bonitos quando se diz que vamos de férias. Quando se vai numa viagem de trabalho ou em negócios, ninguém quer, realmente, saber que viagem fez ou onde ficou instalado.
O turismo de negócios é, definitivamente, o que mais sofreu e sofrerá. Acredito que o turismo de negócios já teve o seu tempo. Descobrimos outro tipo de viagem de negócios através de outro tipo de soluções. Se quisermos ter um speaker da Nova Zelândia, do Japão, da Argentina, é possível tê-lo. Temos mais gente, mais pessoas locais a participar.
Mas enquanto diretor-executivo da ETC consegue vislumbrar um prazo, um timing para todas estas transformações, necessidades, exigências?
Para mim, todos os dias são dias de mudança. A mobilidade está a mudar. Planeamento é tudo quando se fala em viagens. Antigamente fazia-se tudo na hora, sem qualquer planeamento. Agora não, temos de planear tudo e isso é positivo até porque nos abre mais possibilidades e soluções.
E depois temos a ajuda da tecnologia?
Sim, que veio alterar tudo. O acesso à informação tornou-se tão barato, acessível e, fundamentalmente, mais rápido. Um local qualquer, um destino, um hotel, um restaurante que antigamente não tinha qualquer possibilidade de chegar às pessoas, hoje, pode estar em todo o lado.
Por isso, como vê, todos os dias existe mudança. Quantificá-la é que é problemático.
Temo que nos preocupemos demasiado com o planeta e menos com o ser humano
Mudança para melhor
Falou, também, em políticas comuns. Faltou essa uniformização na União Europeia? É possível ter uma política global uniforme?
É possível, mas muito difícil. A Europa, por exemplo, ou melhor, o projeto europeu ainda é um bebé. Queixamo-nos tanto da Europa, mas pessoalmente, a Europa deu-me educação, a minha mulher e filhos são de outros países. Deu-me uma sensação de pertença e não só a um país, mas a um projeto.
E na questão da sustentabilidade, temos de começar a ter essa sensação de pertencermos a algo que é maior do que nós. Temos de perceber que existem novas e diferentes ofertas, serviços e soluções com as quais não nos identificamos mais, mas que têm uma razão de ser em virtude de novos e outros públicos.
Uma das afirmações que marcam vários encontros é: “A sustentabilidade tem de ser vendida, mas terá de existir alguém para comprá-la”.
Sim, é uma questão de procura e oferta. Por isso, trata-se de saber como produzir produtos sustentáveis economicamente rentáveis. Hoje consegue vender-se tudo com o marketing certo e o lobby adequado.
Temos de perceber que todos as revoluções demoraram o seu tempo, todas as mudanças importantes levam o seu tempo. Estamos a falar de algo que mudará o mundo.
Mas o tempo está a contar?
Sim, mas também temos de perceber que uma década hoje, não é igual a uma década há 50 ou 100 anos. Uma década hoje é muito mais rápida, tudo muda mais rapidamente numa década. Temos de compreender que a vida melhorou com estas mudanças.
Para melhor?
Sim, sem dúvida que para melhor. Naturalmente, com custos, para o planeta. Há que perceber como é que o planeta funciona para melhorá-lo. O que temo é que nos preocupemos demasiado com o planeta e menos com o ser humano.
O planeta continuará a existir depois de nós. Estou preocupado com a nossa sociedade, com os projetos, sejam eles pequenos ou grandes.