“Houve aldeias que voltaram a ter população devido às Aldeias do Xisto”
Depois de terem levado nova vida ao interior do país, numa região marcada pela desertificação, as Aldeias do Xisto preparam-se para a internacionalização, segundo Paulo Fernandes, presidente da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto.
Inês de Matos
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Depois de terem levado nova vida ao interior do país, numa região marcada pela desertificação, as Aldeias do Xisto preparam-se para a internacionalização, segundo Paulo Fernandes, presidente da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto.
Aldeias do Xisto nasceram no início do ano 2000. O que é que levou ao surgimento deste projecto?
As Aldeias do Xisto, enquanto marca territorial, surgiram um pouco mais tarde, mas foi no princípio do milénio que o projecto se formalizou, inserido na abordagem “Acção Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior”, numa das zonas de menor densidade do país. O Pinhal Interior é uma zona com problemas em termos de desertificação e este projecto surgiu numa lógica de desenvolvimento territorial, com uma conexão muito forte com as comunidades.
Começámos por fazer a detecção de recursos, o que permitiu perceber que o isolamento daquele território tinha um lado menos negativo, que era a preservação de um património cultural do xisto e de uma arquitectura que estava corporizada por um conjunto de aldeias comuns a 18 municípios. Foi, então, feito um trabalho de triagem e passámos para os planos de reabilitação, com intervenções no espaço público.
Essa primeira fase culminou em 2008, quando se constituiu a marca Aldeias do Xisto e se criou uma entidade gestora, que na altura era algo muitíssimo inovador, porque tinha lógicas públicas e privadas. Considerámos que, no território, tínhamos que ser nós – agentes e comunidade – a assumir a responsabilidade e criámos a ADXTUR com essa assunção, porque depois da reabilitação física, era importante criar percepção de valor no mercado.
A ADXTUR arrancou como uma associação sem fins lucrativos, com um modelo público-privado, com 70/80 agentes e grande parte eram privados. Nessa primeira fase, fizemos um investimento de 13 milhões de euros, muito alavancado em fundos comunitários, já que 80% do investimento era público.
Na segunda fase – que foi sobretudo de construção e qualificação da oferta – passámos para 200 associados, dos quais 150 são privados, desde unidades hoteleiras, empresas de animação turística, restauração, produtores locais e alojamentos em Turismo no Espaço Rural (TER) e o paradigma inverteu-se, porque estamos já com 70% de investimento privado e 30% público.
Podemos dizer que o impacto das Aldeias do Xisto foi transversal, não se limitou ao Turismo?
Exactamente. O projecto tem no Turismo um dos seus pilares essenciais, mas o impacto é muito maior, permitiu passar de um território conhecido pelas piores razões, para um território que tem neste projecto uma criação de valor.
Quando começámos, eram meia dúzia os agentes que tinham ligação ao Turismo, haveria apenas um hotel naquele território – não íamos além das 40 camas e, hoje, temos cerca de mil – e nos TER aconteceu a mesma coisa, no início seriam uns 10 a operar e agora existem uns 80, o que mostra a mudança brutal que este projecto permitiu.
Nesta segunda fase, fizemos um investimento fortíssimo e estamos agora a entrar numa terceira dimensão, onde a componente da qualidade é muito relevante.
Referiu que as Aldeias do Xisto estão a entrar numa nova etapa. O que é que vai acontecer, que novidades podemos esperar?
Vamos aprofundar a vertente da inovação e continuar a trabalhar na criação de temáticas. Uma dessas temáticas é o cycling e, em breve, vamos apresentar a primeira bicicleta da marca Aldeias do Xisto. É uma bicicleta eléctrica, todo-o-terreno e adaptada à região. Temos muita força na vertente das bicicletas e queremos assumir-nos como um destino ciclável.
Outra das vertentes em que vamos apostar é na água, pelas características da região, que tem a ‘Grande Rota do Zêzere’ e mais de 50 praias fluviais, e estamos também a apostar na gastronomia. Fizemos uma carta gastronómica, que tem quase nove anos e que resultou de um trabalho profundo e, agora, queremos fazer a ponte entre a cozinha tradicional e uma gastronomia sofisticada, a partir dos produtos regionais e dos pratos associados ao Pinhal Interior, como a Chanfana, o Bucho ou o Maranho, mas envolvendo também os produtores, numa relação de proximidade. É por isso que estamos a fomentar a criação do Clube de Produtores das Aldeias do Xisto, com o objectivo de usar estes produtos nos restaurantes recomendados e oferecer uma gastronomia autêntica, com base em produtos de qualidade.
Vamos continuar também o esforço de desdobramento dos mercados. A nossa grande força é no mercado interno, queremos manter essa força, mas queremos chegar a mais mercados internacionais, sobretudo onde o produto de Turismo de Natureza está bastante desenvolvido.
E estamos ainda a trabalhar o digital, a exemplo da nossa plataforma BookinXisto, que é também bastante inovadora, porque não vende só noites de alojamento.
Como está a correr a aposta nessa plataforma de reservas? Foi lançada há muito pouco tempo, mas já é possível fazer um balanço?
A plataforma está no primeiro ano de vida, mas foi muito importante, nomeadamente no momento complicado de 2017, com os incêndios no nosso território.
A BookinXito é uma plataforma multisserviços, que permite que, no mesmo sítio, se possa comprar uma noite de alojamento, uma experiência ou produtos e, por isso, é uma plataforma inovadora, porque não é fácil fazer essa agregação.
Está a fazer o seu trajecto e, hoje, o negócio gerado através deste instrumento ronda os 200 mil euros, o que é interessante, tendo em conta a dimensão dos nossos operadores. Portanto, estamos a crescer no online e já mais do que quadruplicámos a procura da marca, o que é um marco muito importante. Esta é uma das linhas que queremos continuar, diversificando o quadro das compras, é muito importante que o valor gasto por turista aumente, assim com a estada média, que ronda as 2,2 noites, um número muito superior à média da região.
Exemplo e feedback
E os turistas percebem a importância que tem este projecto para o território onde se insere, as Aldeias do Xisto têm recebido esse feedback?
Creio que sim, mas é difícil ter dados concretos. Acompanhamos esse feedback através das plataformas digitais, que são fundamentais para fazer um acompanhamento pós-venda, e procuramos ter uma relação permanente com os turistas. Mas sentimos, de facto, que as experiências são muito adequadas.
Nesse âmbito, vamos lançar um novo programa, que se chama Aldeia Escola, com dois objectivos: criar experiências e criar uma relação mais profunda com o território. Para isso, vamos ensinar os turistas a serem aldeões. É um projecto com vários módulos – carpintaria, agricultura ou tecelagem – que vão dar créditos. A partir de determinado número de créditos, a pessoa vai aumentando o seu nível de capacidade de viver numa aldeia e, ao mesmo tempo, tem experiências. É um projecto de nova geração, um novo olhar para algo que sempre esteve cá, mas com uma ‘roupagem nova’, que liga experiências e saberes locais.
Queremos também aumentar o número de residentes. A desertificação vai continuar, mas o certo é que, num território em que todos os sectores estavam em perda, há agora um que está a crescer, que é o Turismo. É um turismo muito integrado, que permitiu recuperar mais de 800 casas, com grande impacto nas pequenas empresas de construção da região, algumas delas voltaram a especializar-se na madeira e na pedra, que estava em desuso. Passámos de uma gestão de ruínas, para uma lógica de construção de valor, houve aldeias que voltaram a ter população devido às Aldeias do Xisto, seguramente, todas elas sustêm a população pelo facto de existir este programa e, acima de tudo, há uma enorme procura das casas de xisto no nosso território, o que nos leva a acreditar que o programa ‘Escola Aldeia’ ou a aposta no turismo residencial são questões lógicas, do ponto de vista da evolução do projecto.
Já referiu que este foi um projecto inovador e pioneiro. Sentem que esse pioneirismo serviu de exemplo a outras redes que, entretanto, se vieram a estruturar?
Sim, as Aldeias do Xisto sempre foram um projecto de experimentação e assumiram um papel de laboratório para testar coisas novas. Somos muito reconhecidos exactamente por esse factor, pela inovação criada num sítio onde não era previsível e sentimos que, por exemplo nas questões do walking e do cycling, somos um exemplo para outros projectos. As próprias autoridades institucionais sempre nos chamaram para partilharmos a nossa experiência, isso aconteceu com as Aldeias Vinhateiras, onde ajudámos na criação do modelo institucional.
Também partilhámos a nossa experiência nas áreas do património natural e áreas protegidas na zona Centro Interior e a própria associação que gere as Aldeias Históricas tem um modelo institucional que decorre de um modelo que as Aldeias do Xisto, na altura, também aplicaram.
Outra área em que também estamos a ser muito solicitados é o craft. Costumo dizer que as Aldeias do Xisto são uma rede de redes, tem uma polifonia de diferentes produtos que fazem parte do produto central, mas com diferentes quadros de oferta e diversificação. Uma das primeiras facetas que começámos a trabalhar foi o artesanato e os produtos locais – por isso também temos uma rede de lojas Aldeias do Xisto –, o que levou a que tivéssemos começado a trabalhar muito a parte da criatividade. Foi um trabalho de anos, que permitiu que Portugal entrasse na Agência Mundial de Artesanato a partir das Aldeias do Xisto, cuja sede nacional está localizada numa das nossas aldeias, a Cerdeira, na Serra da Lousã.
Fomos também pioneiros na rede de bicicletas e bike hotéis, que começaram a ser testados no âmbito das Aldeias do Xisto e, hoje, já se tornaram banais.
Números
Quantos turistas visitam, a cada ano, as Aldeias do Xisto e quais são as experiências mais procuradas?
As Aldeias do Xisto são visitadas por perto de 300 mil pessoas, infelizmente, nem todas passam a noite no território, mas têm consumos vários, entre a restauração e a animação. As dormidas devem andar na casa das 60 mil na hotelaria e 60 mil nas unidades TER, o que é muito positivo, porque apenas temos cerca de mil camas.
O principal mercado é o nacional, 95% dos nossos turistas são nacionais, mas queremos mudar essa realidade, pois temos um produto interessante para o mercado internacional.
Em relação às experiências, muitos turistas fazem apenas touring e percorrem as estradas panorâmicas. Depois, temos uma parte muito forte de turismo activo, sobretudo na componente das bicicletas, mas também do walking, e temos também a restauração. A nossa gastronomia tem muito boa aceitação, porque tem, de facto, especificidades que os turistas gostam de descobrir e os leva a querer conhecer as 27 Aldeias do Xisto.
Como correu 2018 para as Aldeias do Xisto, tendo em conta que 2017 tinha ficado marcado pelos grandes incêndios na região Centro?
O que aconteceu em 2017 foi trágico. Os incêndios começaram em Pedrógão Grande, o coração das Aldeias do Xisto e houve uma perda muito grande, desde logo de pessoas, mas também de património. Pelo menos, três Aldeias do Xisto arderam parcialmente e tiveram que fazer um esforço muito grande de recuperação, mas o turismo foi uma das áreas onde a reacção foi mais imediata, exactamente por causa das Aldeias do Xisto. Muitas comunidades juntaram-se para começarem a recuperação e isto ajudou-nos a reagir.
As pessoas neste território não estão habituadas a facilidades e tiveram uma capacidade de superação que gostava de sublinhar. Talvez por isso, mesmo no ano de 2017 houve um aumento acima de dois dígitos no número de turistas. Em 2018, temos um aumento maior, devemos andar nos 18% acima do ano anterior.
E para 2019, qual é a expectativa das Aldeias do Xisto?
É continuar a crescer. Queremos atrair mais turistas, continuar acima dos dois dígitos de crescimento e aumentar o número de turistas internacionais que nos visitam.
O nosso mercado interno alargado, com o mercado espanhol, é interessante, mas não é muito relevante do ponto de vista do TER, porque é um mercado concorrencial. As zonas fronteiriças têm oferta muito próxima da nossa e, por isso, devemos ir à procura de outros mercados, nomeadamente do centro da Europa – Alemanha e países nórdicos -, temos que diversificar o quadro da procura.