Com mais de 45 anos de existência, a APDM – Associação de Defesa do Património de Mértola tem vindo a ajudar ao desenvolvimento de muitos territórios, incluindo além-fronteiras. Cabo Verde é um desses exemplos e, depois de levar o Turismo de Natureza para Santo Antão, a associação está agora a trabalhar na ilha do Maio, para preparar o destino para um turismo sustentável, num projeto da União Europeia, segundo Jorge Revez, presidente da APDM.
Jorge Revez, presidente APDM
Nascida no pós-25 de Abril, a APDM – Associação de Defesa do Património de Mértola tem vindo a criar “um histórico de desenvolver projetos em territórios necessitados” que há muito ultrapassou as fronteiras nacionais. Segundo Jorge Revez, presidente da APDM, a associação foi pioneira no trabalho de desenvolvimento em Mértola, casa-mãe da APDM, o que lhe conferiu uma “grande amálgama de currículo e experiência” e ditou a sua internacionalização.
Do Alentejo, a APDM passou para Marrocos e, mais tarde, chegou também a Moçambique e a Cabo Verde, onde vai já no segundo projeto de desenvolvimento turístico, agora focado na ilha do Maio. “A nossa atuação em cada país depende das suas realidades”, indicou o responsável ao Publituris, explicando que, apesar das diferenças de cada país, a APDM dedica-se a projetos que tenham como objetivo a “criação de emprego, criação de mais riqueza para as famílias e a fixação das pessoas nos territórios”.
Em Cabo Verde, o “turismo sustentável, a agricultura e a educação” são, segundo Jorge Revez, as áreas fundamentais a que a APDM se dedica, num trabalho que nasceu em Santo Antão e que, entretanto, já evoluiu também para a ilha do Maio.
A chegada da APDM ao país, revelou o responsável, aconteceu até de forma inesperada, uma vez que a associação foi convidada a participar numa missão empresarial promovida pelo Instituto Politécnico de Beja a Cabo Verde. “Foi assim que conhecemos a ilha de Santo Antão e ficámos logo a pensar como podíamos fazer alguma coisa e colaborar com a autarquia”, indicou Jorge Revez.
Depois desse primeiro contacto, a APDM começou a desenvolver “pequenos projetos em Santo Antão, com as associações de desenvolvimento e com a Câmara Municipal, e com o próprio Ministério da Agricultura”, de forma a “preparar a ilha para o turismo”.
Agora, vários anos depois, a APDM está também a trabalhar para preparar a ilha do Maio para o turismo, numa oportunidade que surgiu a convite da União Europeia (UE) e que visa preparar o destino para um tipo de turismo sustentável, que traga benefícios também para a comunidade local.
Colocar turismo de natureza na agenda
Em Santo Antão, a APDM trabalhou ao longo de quase duas décadas com o objetivo de “apostar no turismo de natureza”. Segundo Jorge Revez, esta ilha cabo-verdiana “é espetacular, é uma ilha de montanha que tem uma história de muita resiliência e que tinha muito potencial para, no futuro, apostar no turismo”.
O presidente da APDM diz que, há 15 ou 20 anos, já se percebia o potencial de Santo Antão, ainda que fosse necessário “trabalhar a educação, preparar muito a comunidade para aquilo que mais tarde poderia ser muito interessante, que era o turismo de natureza”.
O trabalho da associação passou pela promoção de formação e capacitação da comunidade local, de forma a que, quando a oportunidade chegasse, “a ilha estivesse minimamente preparada para o turismo”. “Aproveitámos para pôr na agenda de Cabo Verde o Turismo de Natureza porque Cabo Verde vive do turismo, mas é do turismo do Sal e da Boavista”, acrescentou, sublinhando que a procura pelas outras ilhas cabo-verdianas tem sido “residual em termos de turismo, apesar das suas potencialidades enormes”.
Jorge Revez explicou ainda que, para que essa aposta acontecesse, foi também preciso ultrapassar alguns obstáculos, a exemplo da ideia pré-concebida de que quem procura turismo de natureza “é pobre, porque vai de ténis e de mochila às costas”. “Quando fizemos o primeiro perfil do turista que já visitava Santo Antão, fez-se luz em Cabo Verde, até porque o orçamento do turista que visita Santo Antão é de quatro mil euros, enquanto do turista que visita a ilha do Sal é de dois mil, ou seja, é metade. No entanto, estes turistas não gastavam dinheiro no destino porque não havia onde gastar, não havia artesanato, não havia cultura ou restauração”, explicou o responsável, revelando que, a partir daí, “fez-se luz em muitos aspetos, incluindo para os autarcas, e percebeu-se que era necessário organizar o artesanato, atividades culturais e uma série de outras coisas”.
Jorge Revez nota que havia também diversas necessidades ao nível da formação e que, apesar de Cabo Verde ser um país que vive do Turismo, não havia “um único doutorado em turismo” no arquipélago, o que acabava por ter implicações ao nível das políticas públicas, já que não havia “pessoas com um conhecimento técnico e científico superior em turismo”. Por isso, a Universidade de Cabo Verde abriu, em parceria com a Universidade do Algarve, um doutoramento em Turismo e outro em Ciências Economico-Empresariais que permitiram colmatar esta lacuna.
O trabalho na ilha de Santo Antão, acrescentou o responsável, ainda não está concluído e, atualmente, está em fase de criação de uma “organização de gestão de destino” que, à semelhança das regiões de turismo portuguesas, ajude a que exista uma “organização mais profissional” e à consolidação do trabalho realizado, o que deverá passar também pela criação de Gabinetes de Turismo nas Câmaras Municipais. “Cabo Verde está numa fase de consolidar este trabalho e as autoridades têm ajudado à visão de que o turismo de natureza e montanha em Cabo Verde é uma potencialidade enorme”, congratulou-se o responsável.
Mesmo raciocínio mas visão diferente para o Maio
O presidente da APDM não tem dúvidas de que foi o sucesso deste primeiro projeto em Cabo Verde que levou a União Europeia a convidar a associação para “montar um processo que preparasse a ilha do Maio para o turismo”.
Nesta ilha, localizada a apenas sete minutos de avião da Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, e a uma hora e meia de barco, o trabalho da APDM segue o mesmo raciocínio que esteve subjacente ao projeto de Santo Antão, ainda que a visão para a ilha seja “um pouco diferente”. “A ilha do Maio é como o Sal e a Boavista, ou seja, é uma ilha plana, que oferece extensas praias, com quilómetros e quilómetros de areia branca e água azul-turquesa. Mas, ao contrário do Sal e da Boavista, nunca deu o salto e continua à espera do turismo”, indicou Jorge Revez, defendendo que esta ilha tem “um potencial brutal”, uma vez que tem também “uma reserva da biosfera e oferece uma tranquilidade imensa”.
A reserva da biosfera, acrescentou o presidente da APDM, obriga a alguns cuidados, motivo pelo qual a aposta deve passar pelo “turismo de sol e praia, mas numa perspectiva diferente, mais virado para uma gama média-alta e de forma sustentável”. “Ou seja, um turismo de sol e praia de qualidade, em que o turista paga mais do que se for para o Sal ou para a Boavista mas onde as pessoas querem tranquilidade, segurança, e uma ilha que está praticamente intocada há 20 anos”, resumiu Jorge Revez, explicando que “a ideia é formar um turismo que permita à ilha ganhar o mesmo mas com muito menos turistas”.
Com o apoio da União Europeia, com quem Cabo Verde tem um acordo especial, apesar de não ser um estado-membro, o projeto começou em 2021 para preparar “a ilha e a sociedade civil para o turismo”, à semelhança do que a associação já tinha feito em Santo Antão. E, apesar deste trabalho no Maio estar ainda numa fase recente, já foram realizados “estudos de enquadramento e planos para o futuro”. “Já fizemos estudos de planeamento do território, do tipo de turismo que vai acontecer no território, algum planeamento também urbanístico e de construção”, indicou o responsável, que considera, contudo, que o principal entrave ao desenvolvimento do Maio e de outras ilhas cabo-verdianas está, atualmente, na falta de transporte aéreo interilhas. “As agências de viagem não vendem pacotes para estas ilhas enquanto os transportes não estiverem bem”, lamentou, considerando que sem transportes “é difícil dar o passo seguinte” e atrair mais turistas para a ilha do Maio.
Infraestruturas, sinalética e outros instrumentos
Para que o Maio possa receber mais turistas, importante é também desenvolver as infraestruturas e é nesse sentido que a APDM tem vindo a trabalhar.
O porto da ilha é uma dessas infraestruturas e, segundo Jorge Revez, já foi renovado com fundos provenientes da União Europeia, permitindo agora “a acostagem de barcos maiores”, enquanto a cooperação portuguesa permitiu que se iniciasse a construção “de uma grande estação de tratamento de resíduos sólidos, já pensada numa dimensão para este tipo de turismo que irá acontecer”.
Entretanto, a ilha ganhou também um centro da juventude e um posto de turismo, estando ainda a decorrer a colocação de “sinalética e painéis informativos”. Ao mesmo tempo, está a ser preparado o “plano de ação da reserva da biosfera”, para preparar “aquilo que é possível para que os turistas comecem a aparecer”.
“Neste momento, está, por exemplo, a decorrer uma formação com os agentes da polícia que vieram de outras ilhas, organizada por nós, precisamente para preparar a polícia para um tipo de policiamento que é necessário quando começam a existir turistas de outros países”, revelou ainda Jorge Revez.
Para uma fase posterior ficam temas relacionados com a sustentabilidade turística, a exemplo de cargas turísticas e definição de zonas com limitação de visitas, com o presidente da APDM a explicar que “essas indicações e esse planeamento está feito mas não estão ainda calculadas cargas turísticas, ainda é cedo para isso”. “Sabemos claramente até onde se pode ir para garantir a sustentabilidade, que zonas da ilha se poderão visitar sem colocar em causa essa sustentabilidade porque a reserva da biosfera não abrange a ilha toda e, por isso, há zonas mais sensíveis que têm de se salvaguardar”, explicou, defendendo que o “fundamental é que a Câmara Municipal tenha isso em conta e tenha planos que incluam a visão dos estudos urbanísticos e de planeamento que foram feitos”.
E a autarquia do Maio tem todas as ferramentas para acautelar esse problema, com Jorge Revez a destacar que “um desses instrumentos é um gabinete de desenvolvimento da Câmara do Maio, que está muito focado nestas questões”.
Quanto à hotelaria e apesar de existirem alguns alojamentos no destino, Jorge Revez admite que é apenas a infraestrutura “necessária para os turistas que a ilha recebe atualmente”, pelo que com o crescimento que se espera, será necessário “crescer muito mais em termos de hotelaria”. E, de preferência, que esse crescimento conte com unidades sustentáveis, ao contrário do que já está previsto no projeto Little Africa, que prevê um investimento de 500 milhões de euros e a construção de vários hotéis e edifícios de imobiliário residencial para a ilha do Maio. “Esse projeto tem vindo a ser atrasado e tem sido combatido, entretanto, já está muito mais pequeno e estou convencido que nunca vai avançar”, defendeu Jorge Revez.
Próximo objetivo: provar que áreas protegidas tem grande potencial
O projeto desenvolvido pela APDM para a ilha do Maio, que contou com um financiamento de três milhões de euros para quatro anos, não deverá, contudo, representar o fim do trabalho da associação em Cabo Verde, uma vez que, segundo o responsável, há ainda muito para desenvolver no país, a exemplo das áreas protegidas, que constituem o novo projeto da APDM no país.
“Iniciámos uma fase de tentar que as áreas protegidas venham para a ordem do dia em termos de turismo e de conservação. Começámos agora um projeto para Santo Antão, que tem cinco áreas protegidas, e São Nicolau, que tem um parque natural. O projeto é financiado pela União Europeia, vai decorrer também durante três anos e está no primeiro ano”, explicou o responsável.
O presidente da APDM indica que este projeto visa “demonstrar que as áreas protegidas são uma potencialidade enorme”. “Cabo Verde tem muitas áreas protegidas, mas elas estão como estavam os nossos parques há 20 anos, ou seja, têm muito pouco relevo para o turismo”, defendeu.
Por isso, é natural que a APDM continue a trabalhar em Cabo Verde ao longo dos próximos anos, até porque, acrescentou Jorge Revez, também o projeto de criação de uma organização de gestão do destino continua por concluir, o que poderia dar outro impulso à procura turística em Cabo Verde: “Santo Antão, São Nicolau e São Vicente são três ilhas que estão mais ou menos perto e que permitem que se possa criar um destino turístico, combinado as três ilhas”, exemplificou, defendendo que “a criação de um pacote e de uma organização distinta para estas três ilhas ajudará a que seja dado um salto muito grande”, tal como aconteceu em Portugal quando foram criadas as regiões turísticas.
“No fundo, agora temos estes dois grandes desafios, a organização de gestão do destino e a questão das áreas protegidas”, concluiu Jorge Revez, que viu recentemente o trabalho da APDM distinguido com um galardão nos Prémio AGIR, em reconhecimento pelo trabalho com a Comunidade e Inovação Social.