Nascida mesmo à beira da pandemia, a APENO tem o objetivo organizar o sector, de nivelar por cima o enoturismo nacional e de promover a sua internacionalização, razões que já levaram a associação a lançar vários projetos, entre os quais o recém-lançado canal WineTourism TV. Segundo Maria João Almeida, presidente da APENO, a plataforma é inédita e vai ajudar muito à promoção, contribuindo para que o enoturismo português se torne numa referência lá fora e ajude a atrair novos públicos para Portugal. “O enoturismo pode ser um catalisador para que os estrangeiros descubram vários destinos vitivinícolas portugueses”, considera a responsável, que revela ainda ao Publituris outros projetos que a associação tem em carteira e que visam igualmente afirmar o enoturismo nacional.
A APENO lançou, a 18 de outubro, o Wine Tourism TV, o primeiro canal de televisão nacional dedicado ao enoturismo. Porque surgiu a ideia de lançar este canal?
A Wine Tourism TV foi pensada para internacionalizar o nosso enoturismo. A APENO – Associação Portuguesa de Enoturismo nasceu antes da pandemia, precisamente para nivelar por cima o enoturismo português.
Antigamente, o vinho português tinha uma conotação negativa por ser barato, havia algum preconceito e o enoturismo era colocado na mesma carruagem. Mas, a partir do momento em que o nosso vinho tem uma perceção de qualidade diferente, principalmente nos concursos internacionais, o enoturismo tinha de ir atrás.
Portanto, um dos principais objetivos da APENO é nivelar por cima o enoturismo português. Como tal, e como este é um setor que, apesar de tudo, precisa de muita organização e que não tem enquadramento, obviamente, tínhamos muita coisa para fazer, mas também tínhamos de começar a pensar nessa internacionalização.
A ideia do canal de televisão já nasceu com a associação, ou seja, desde o início que existia a ideia de lançar a Wine Tourism TV?
Não exatamente. A associação nasceu para organizar o setor porque é inacreditável que, sendo o enoturismo um dos pilares das políticas do turismo, não houvesse um enquadramento legal, nem um conceito legal para o enoturismo. Isso leva a grandes confusões, até porque o conceito do enoturismo não existia, assim como não existe legislação especifica em Portugal. Já existe legislação em Itália ou no México, mas não temos em Portugal, onde o enoturismo nem é considerado uma atividade económica.
Portanto, havia tanta coisa para organizar que, quando a associação nasceu, foi exatamente para regularizar o setor, para falar com o Governo e com as autoridades, abordando esta necessidade. Não nos parece possível que o Turismo de Portugal queira que o enoturismo seja um dos pilares do turismo mas, depois, nada esteja organizado.
Já chateámos toda a gente, porque esta problemática foi apresentada ao Turismo de Portugal, partidos políticos e até ao Presidente da República, e temos feito, realmente, alguns progressos. O governo já nos ouve de outra forma, já nos disse que a situação vai melhorar, apesar de não sabermos muito bem o que isso quer dizer.
O papel de uma associação não é só defender os interesses dos associados, é também promover o melhor possível esses mesmos associados e, como nós não temos enquadramento legal nem apoio do Estado, a única forma que tivemos de fazer esta promoção foi juntando-nos a empresas que nos ajudaram na construção do canal.
Se queremos que o enoturismo português seja tão bom como qualquer enoturismo a nível mundial, temos de o promover de forma profissional. Acredito que o canal vai ajudar muito à promoção
Qual tem sido a reação e feedback relativamente ao lançamento da Wine Tourism TV?
O feedback tem sido incrível. Fizemos alguns programas piloto e os nossos associados estão contentes com o resultado porque é um trabalho profissional. Se queremos que o enoturismo português seja tão bom como qualquer enoturismo a nível mundial, temos de o promover de forma profissional. Acredito que o canal vai ajudar muito à promoção.
E, apensar de não termos apoio estatal, trabalhamos com todas as comissões vitivinícolas nacionais, os institutos do vinho e com as ERT do turismo. Isso é importantíssimo porque demonstra que estas entidades estão connosco e todos enviaram vídeos das suas regiões, o que nos dá uma grande diversidade de conteúdos.
Estamos a trabalhar neste canal há mais de um ano e acredito que o seu potencial é incrível. Será algo também importante para que o Turismo Portugal, que é a única entidade que não trabalha connosco, e a quem nós apresentámos o projeto mas que não o considerou relevante, perceba o potencial disto. Não posso deixar de achar estranho que todos estejam a trabalhar connosco, menos o Turismo de Portugal, que tem um pilar da sua estratégia no enoturismo.
Em que consiste a programação da Wine Tourism TV?
Neste momento, será mais centrada nos nossos associados, queremos dar uma primazia aos associados. E até nos parece uma vantagem, uma vez que na nossa lista de associados temos os melhores enoturismos de Portugal. A APENO já representa, a nível vitivinícola, mais de 80% da produção nacional nos seus associados. Temos também garrafeiras e agências de viagens, ou seja, empresas do setor do turismo que trabalham o enoturismo. Isso também acontece com hotéis, nomeadamente os que se localizam em espaço rural, mas também nos urbanos que dão atenção ao enoturismo, uma vez que o enoturismo não é só praticado nos meios rurais, existe também nas cidades.
Além dos nossos associados, temos uma programação específica feita pela APENO, com um programa chamado “O Mundo do Enoturismo” e as Wine Tourism Talks, ou seja, conversas sobre enoturismo, em que falamos com pessoas não só do setor, a exemplo de personalidades famosas, que já visitaram adegas e gostam desta área.
Temos ainda um noticiário semanal, apoiado pela inteligência artificial porque vamos fazer esse noticiário com um avatar, que se vai chamar Daniel Garcia, escolhemos este nome porque é um nome que também existe em inglês.
Mas o objetivo é apostar nas CVR, nas ERT e nos produtores que queiram algum programa porque temos uma equipa altamente preparada.
Objetivo: internacionalizar o mais possível
O canal vai estar disponível apenas em português?
Vai estar disponível em português, mas toda a programação aparece em inglês. Não fazia sentido, apesar de um dos nossos mercados principais ser o Brasil, que o canal estivesse disponível apenas em português. Queremos internacionalizar o mais possível e, como tal, tínhamos de disponibilizar os conteúdos em inglês.
O enoturismo pode ser um catalisador para que os estrangeiros descubram outros destinos portugueses
Quais são os mercados que a APENO pretende atingir com este canal?
Temos dados muito específicos sobre os mercados. Neste momento, os nossos principais mercados são os EUA, que representam 19,2%, e o Brasil, com 16,1%. Mas, depois, temos países como o Canadá, Itália, França e Espanha, que são fortíssimos na internacionalização e que também são possíveis espectadores dos nossos programas, porque são países fortes no enoturismo e aos quais queremos mostrar a nossa oferta.
Por outro lado, este é um projeto pioneiro, somos o primeiro canal de enoturismo do mundo. Não conheço outro projeto semelhante e devo dizer que, antes de avançarmos, fizemos uma investigação alargadíssima, até junto das delegações do AICEP, para saber se havia algum canal do género e não existe. É algo pioneiro, queria que tivéssemos sido o primeiro país a ter legislação para o enoturismo e não fomos, mas somos pioneiros com o lançamento da Wine Tourism TV.
Como é que o canal é financiado, por parte da associação e dos associados, ou existem apoios de fundos comunitários, por exemplo?
Não tivemos hipótese de concorrer a nada porque não existe nenhum fundo para a promoção ou internacionalização do enoturismo. Há do vinho, mas não do enoturismo.
Portanto, ficámos muito tristes e pensámos que não iríamos conseguir avançar com o projeto, mas, embora a APENO seja uma associação sem fins lucrativos, não somos uma associação com uma visão não lucrativa. Temos de ter uma visão empresarial do setor porque se não tivermos essa visão, os nossos associados não ganham.
Portanto, reunimos com empresas e com os associados, onde dissemos que tínhamos um projeto importante para a internacionalização e visto que não tínhamos a capacidade de recolher apoios públicos, nem de concorrer a nenhum fundo comunitário, foi com a ajuda das empresas que avançámos. Já gastámos cerca de 100 mil euros ao longo destes últimos meses, tudo com o trabalho e investimento das empresas.
Setor estratégico ou nem por isso?
Qual é a opinião da APENO sobre a estratégia nacional para o enoturismo e a forma como o Turismo de Portugal tem vindo a promover a oferta?
Achamos importantíssimo que exista uma estratégia e, aliás, ficámos muito felizes por perceber que o enoturismo estava incluído nessa estratégia.
Não estamos, em absoluto, contra o Turismo de Portugal, queremos trabalhar com o Turismo de Portugal e achamos que é muito importante dar as mãos ao Turismo de Portugal, porque já damos as mãos a todas as outras entidades.
Queremos trabalhar com o Turismo de Portugal mas não entendemos porque é que o Turismo de Portugal não se aliou a este projeto. É muito estranho, principalmente a partir do momento em que o enoturismo passou a ser um pilar estratégico, que o Turismo de Portugal não apoie a única associação dedicada ao enoturismo do país.
A APENO tem alguma justificação para essa falta de apoio?
Não sei, penso que nos podíamos ajudar uns aos outros mas não podemos deixar de dizer que não há qualquer relação e não entendemos porquê, uma vez que somos pessoas profissionais, que leva isto muito a sério e que quer realmente ver o enoturismo a ser desenvolvido. E, lá está, a representação dos nossos associados é de cerca de 80% do universo do enoturismo nacional, sem falar no próprio setor do turismo. Temos, por exemplo, a Abreu, que é uma das maiores agências de viagens do país, a trabalhar connosco. As maiores garrafeiras também estão a trabalhar connosco, assim como os restaurantes. O que é que falta? Falta o Turismo de Portugal.
O Turismo de Portugal faz as suas escolhas, agora, nós não podemos mais ficar calados. É até inacreditável que o Turismo de Portugal tenha formado um conselho estratégico para o enoturismo sem incluir a APENO, que é a única associação do país a dedicar-se ao enoturismo. Mas, o mais curioso, é que esse conselho estratégico, que foi formado há cerca de dois anos, reuniu apenas uma ou duas vezes. É algo inacreditável.
Não estamos aqui para dar alfinetadas a ninguém, queremos trabalhar com todos, mas a verdade é que há imenso tempo que temos vindo a apresentar iniciativas e a concorrer a projetos que foram chumbados, e nunca conseguimos trabalhar com o Turismo de Portugal. Portanto, para termos voz, temos de reclamar e, se a associação está a ter sucesso, é porque estamos a desempenhar bem o nosso papel.
Não posso deixar de dizer que é muito estranho, principalmente a partir do momento em que o enoturismo passou a ser um pilar estratégico, que o Turismo de Portugal não apoie a única associação exclusivamente dedicada ao enoturismo do país
Relativamente à promoção do enoturismo, que outros projetos tem a APENO em carteira, além da televisão, para promover a oferta nacional?
Temos muita coisa, lá está, dentro das nossas possibilidades. Por exemplo, ainda não conseguimos avançar com a revista. Temos a Wine Tourism Magazine pronta, só que ainda não conseguimos divulgar isso.
Atualmente, vivemos num mundo de vídeos, a procura por vídeos está cada vez a aumentar mais e o que estamos a fazer é a seguir essa tendência. A nossa revista também não é uma revista qualquer, é uma revista de autor, trimestral e que é dirigida a assinantes. E devo dizer que este projeto também tem recebido um bom feedback, toda a gente gosta do projeto a nível gráfico e a nível de conteúdos mas ficou um pouco para trás também porque ainda não tivemos a possibilidade de financiar o site, porque será uma revista que também tem a vertente online. Agora com o canal de televisão, quem sabe se até será possível inserir a revista no Wine Tourism TV.
Neste momento, temos uma newsletter nacional que chega aos associados e, com o lançamento da Wine Tourism TV, vamos começar a anunciar não só notícias dos nossos associados, como as coisas que a APENO faz, as festas e os eventos, para que os jornalistas internacionais possam ter acesso a esses conteúdos.
Temos trabalhado com algumas ERT que nos têm ajudado ao nível dos jornalistas internacionais e agora queremos começar a trazer esses jornalistas internacionais para cá, em colaboração com as ARPT que trabalham o setor a nível internacional.
E temos estado ainda, através da Wine Tourism TV, em contacto com empresas de media e transportes para estarmos presentes nos ecrãs dos meios de transporte. Por exemplo, os comboios têm televisão e queremos que esses ecrãs comecem a passar a Wine Tourism TV. Temos feito vários contactos para alargar a divulgação deste canal.
Motivo para atrair novos turistas
Como está a procura pelo enoturismo nacional?
Os principais mercados são o americano e o brasileiro, assim como são para o turismo em geral. A questão é que temos apenas estudos de oferta e procura, não temos nenhum de quantificação, ou seja, não sabemos quanto é que vale o enoturismo, nem sabemos, entre os turistas que vêm a Portugal, quantos vão para o enoturismo.
Seria importante que conseguíssemos quantificar o setor mas só temos valores do investimento estrangeiro e, em 2024, estima-se um investimento estrangeiro de cerca de oito mil milhões de euros em Portugal, podendo o investimento no enoturismo representar 10%. Numa perspectiva a três anos, pensamos ser possível atingir os mil milhões de euros. Estes valores mostram o grande potencial do enoturismo.
Até que ponto o enoturismo pode ser um trunfo para atrair para Portugal turistas de mercados que são, aos dias de hoje, ainda pouco representativos?
Sem dúvida que o enoturismo pode ter esse papel. Fora questões de religião, todos os mercados são possíveis, principalmente o chinês, seria fantástico atrair os chineses, os indianos e todos os mercados impensáveis.
As pessoas que gostam de vinho podem ser atraídas pela qualidade do nosso vinho. É isso queremos fazer com esta questão da comunicação e até me espanta como é que não se pensou mais cedo na promoção digital, porque, virtualmente, podemos dar a conhecer as quintas e as atividades que temos a esses mercados.
Se pensarmos na Hungria, por exemplo, um país com ótimos vinhos mas que não representa um grande mercado em Portugal, o enoturismo pode ser uma oportunidade, porque um húngaro que seja impactado por esta promoção, via web, vai descobrir que Portugal tem coisas tão interessantes como Itália, África do Sul ou França. Por vezes as pessoas pensam nesses países porque, da nossa parte, não houve um esforço de comunicação que pudesse chamá-los para Portugal. Se começarmos a aparecer em vídeos, na internet, vamos começar a captar esses turistas inesperados.
Atualmente, temos a web para facilitar a promoção, principalmente quando a procura de vídeos está a crescer. Em Portugal, a procura de vídeos ‘over top’, que são distribuídos pela internet, atingiu, em 2023, 5,4 milhões de visualizações. Por outro lado, o Advertising Video On Demand (AVOD), em 2023, apresentou proveitos de 29 milhões de euros. Ou seja, nota-se um aumento da procura desses conteúdos e também se estima um crescimento de 8% até 2027. Os anunciantes olham para este crescimento e começam a perceber que o vídeo também é um bom meio de anunciar.
Em que medida pode o enoturismo contribuir para desenvolver novos destinos nacionais, uma vez que os estrangeiros, por norma, conhecem o Douro e o Alentejo, mas podem não ter ideia de que há quintas e vinhos por todo o país?
Sem dúvida. Geralmente, quando algum jornalista estrangeiro vem a Portugal, tentamos mostrar aquilo que pensamos que lhe vai interessar, que são as regiões mais visíveis, como o Douro, que a nível internacional é o mais visível, e o Alentejo, que a nível nacional é o mais visível mas que tem vindo a ganhar também projeção internacional, assim como a região dos vinhos verdes.
Mas se dissermos a esses turistas que, no resto do país também há vinhos incríveis, podemos dar a conhecer projetos fantásticos e que se localizam em regiões que ninguém imaginaria. Estou a pensar, por exemplo, na Azores Wine Company, onde as pessoas chegam e descobrem uma adega fantástica, assim como é a Madeira Wine Company. Apesar dos mais conhecidos serem os licorosos, a Madeira também tem vinhos de mesa fantásticos e com um perfil completamente diferenciador porque têm uma salinidade que a vinha absorve. Isto é incrível e é muito giro as pessoas verem essas coisas através do vinho e do enoturismo.
Portanto, sim, o enoturismo pode ser um catalisador para que os estrangeiros descubram outros destinos portugueses.
Em 2024, estima-se um investimento estrangeiro de cerca de oito mil milhões de euros em Portugal, podendo o investimento no enoturismo representar 10%. Numa perspectiva a três anos, pensamos ser possível atingir os mil milhões de euros. Estes valores mostram o grande potencial do enoturismo
Para terminar, queria saber quantos associados tem a APENO atualmente, esse número tem vindo a subir, a descer ou tem-se mantido?
Lançámos a associação um mês antes da pandemia e, por isso, foi difícil arrancar com o projeto e receámos não ter associados, mas a verdade é que, até ao final de 2020, já tínhamos cerca de 20 associados. Isso só prova a necessidade que o setor tinha de ser organizado. Entretanto, fomos crescendo e, neste momento, temos 140 associados, é um número muito bom e que tem vindo sempre em crescendo.
Há imensas vantagens para as empresas associadas da APENO, oferecemos aconselhamento legal e profissional, e todos aqueles serviços que são sempre vantajosos para os associados. A APENO fornece os meios e as armas para que os associados possam trabalhar mas são os produtores que têm de estruturar a oferta e apresenta-la aos canais certos. Por isso, houve empresas que entraram e depois saíram, porque estavam à espera de fazer negócio fácil e não é para isso que uma associação serve. Estamos aqui para encontrar os meios mais viáveis para as pessoas poderem trabalhar, mas se o trabalho de casa não for feito, não podemos fazer milagres.
Portanto, o número de associados tem vindo sempre a crescer e a verdade é que, nos três primeiros anos, ninguém desistiu, as entradas foram sempre mais do que as saídas.