“O Turismo salvou o Porto, quem disser o contrário está a mentir com os dentes todos”
Ricardo Valente, vereador de Economia, Comércio e Turismo da Câmara Municipal do Porto, recebeu o Publituris nos Paços do Concelho e falou sobre os projetos e futuro da cidade e região.
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Ricardo Valente, vereador de Economia, Comércio e Turismo da Câmara Municipal do Porto, recebeu o Publituris nos Paços do Concelho e falou sobre os projetos e futuro da cidade e região.
O Porto tem acompanhado o bom momento do Turismo em Portugal. Como caracteriza o atual momento turístico da cidade do Porto?
Julgo que tem sido um momento de reconhecimento da qualidade do destino, numa altura bastante desafiante do ponto de vista turístico. Como se tem vindo a mostrar nas estatísticas, o melhor momento das taxas de crescimento passou. Hoje o destino Portugal cresce a taxas muito inferiores às que cresceu durante, 2014, 2015, 2016. Isto é evidente, mas o destino Porto e Norte tem tido capacidade de, num momento desafiante, continuar a apresentar taxas de crescimento muito interessantes, não só a nível de dormidas, mas mais significativo no que concerne aos proveitos. É um ponto importante, que é a capacidade que o destino tem tido de requalificar o tipo de turista que vem à cidade e à região. É fundamental, por duas perspectivas: por um lado a questão do que é a diversificação. A cidade está hoje muito menos dependente do tradicional ‘city-break’, do turista que vem cá passar o fim-de-semana. A cidade está também com um peso relativamente relevante do ponto de vista dos turistas não europeus, que são tipicamente turistas com estadas muito mais elevadas, que deixam muito mais dinheiro na cidade.
O momento é desafiante, mas o Porto tem sido capaz de passar bem esse momento e conquistar novos mercados, o que é excelente. O impacto que se deu no sul do país do ponto de vista do turismo alemão, britânico, holandês, que é muito sensível ao preço, é algo que a nós nos passa incólume.
Que mercados têm crescido?
O mercado norte-americano cresceu bastante, o canadiano, o brasileiro, o mercado japonês, da Coreia do Sul, o australiano. E isso é muito bom na nossa perspectiva de desenvolvimento de cidade e desenvolvimento regional.
A cidade tem colocado algumas regras na abertura de novas unidades hoteleiras e Alojamentos Locais, por exemplo, que possam afetar a autenticidade do destino. Como é feita esta gestão sustentável do destino?
A sustentabilidade, na minha perspetiva, é a capacidade de um negócio se manter são por um longo período de tempo. O turismo em cidade é algo relativamente novo. Era tipicamente um turismo de excursão. Hoje, é um turismo de usufruto e de experiência, e resulta de uma enorme revolução, diria fundamental, que é a democratização do transporte aéreo. Esta veio fazer com que as cidades passassem a ser focos enormes do ponto de vista de experiência turística. Julgo que os desafios que temos são os de fazer com que a cidade nunca perca o seu carácter multifuncional.
Esse é o nosso principal desiderato, a cidade tem de ser multifuncional, tem se ser agradável para quem visita, trabalha, estuda e para quem mora. Evidentemente, isto implica regular. Sou absoluto crente na liberdade, sou um liberal por definição, mas não sou um anarquista, é uma coisa bastante diferente. A liberdade tem que ser gerida, no sentido em que ela não pode interferir na liberdade de outrem. Quando estamos a falar da liberdade de alguém, é sempre a liberdade do conjunto, da comunidade. Somos muito apologistas da regulação preventiva. Ou seja, o Porto criou regulamentos próprios para os autocarros turísticos, regulou os tuk tuks na cidade. O Porto não tem trotinetes, que é moda em todo o lado. O Porto não permite, porque a cidade é nossa. Não somos nada apologistas daquela ideia de que porque é moda temos agora de permitir que as pessoas cheguem cá e usem a cidade. Não. Nós vamos ter trotinetes eléctricas e bicicletas eléctricas, vamos ter os meios eléctricos de transporte, uma mobilidade mais inteligente, mas devidamente regulada com base num concurso público internacional. A nossa lógica é que tem que haver um concurso, as pessoas têm de pagar para usar a cidade, para ter aqui os seus meios e a cidade decide os circuitos, onde é que ficam as trotinetes e as ‘dockstations’.
A nossa lógica é muito o princípio de que a sustentabilidade numa cidade é garantir o mínimo de conflito possível. Costumo dizer isto muitas vezes, gerir uma cidade é gerir um grande condomínio. Sabemos que gerir um condomínio é gerir conflitos e o nosso principal papel é procurar atenuar ao máximo os conflitos que existem entre os diferentes usuários da cidade e, por isso, temos que ser muito preventivos nestas questões e somos muito apologistas de uma regulação bastante forte do ponto de vista destas novas tendências, mas que não podem hipotecar aquilo que é a vida na cidade.
Mas há aqui uma relação muito sensível com as entidades privadas?
Não há nada que seja sensível desde que as regras sejam claras. Trabalhei no sector privado, sei muito bem o que é o sector privado, hoje estou no sector público e julgo que é clara a relação entre sector público e privado. O sector público regula, tem que criar a ordem, criar as leis, tem de ser direto e transparente, tem que assegurar que toda a gente tem direito a participar e este é o papel do agente público. A partir daí é fácil, porque basta cumprir as regras, a lei e darmos condições iguais a toda a gente. Julgo que as pessoas aceitam isto, entendem. Não podemos hipotecar o potencial da cidade dizendo “a cidade precisa de trotinetes”. Não, as trotinetes é que precisam da cidade. O poder negocial está do lado da cidade, não está do lado das trotinetes. A cidade não precisa de trotinetes, porque ninguém vai para uma cidade porque tem trotinetes. É ao contrário, as pessoas, que têm trotinetes, têm de se sujeitar às regras da cidade.
Hotelaria
Quantos projetos estão em desenvolvimento na cidade do Porto?
Neste momento, temos em processo de licenciamento na câmara 55 hotéis para 5465 camas. Temos sete unidades de apartamentos turísticos para 633 camas. Depois temos dois turismos de habitação. Estamos a falar em aumentar a capacidade em 6098 camas. É importante dizer que deste total de novas camas de hotéis, 34% são cinco estrelas, 45% são quatro estrelas, estamos a falar de 80% concentrados num segmento muito alto do ponto de vista de qualidade de oferta hoteleira.
Que tipo de projectos hoteleiros a autarquia gostava de ter na cidade?
A autarquia não tem poder de ter gosto. Se olharmos para estes projetos que temos licenciado são o típico projeto que existe na cidade do Porto. Estamos a falar de 55 unidades hoteleiras para 5460 camas, isto dá perto de 100 camas, dá uma média de 50 quartos por unidade. Isto é a típica situação na cidade do Porto: o hotel está no centro histórico e vai reabilitar um edifício antigo, portanto, não tem grande capacidade estrutural de ter uma dimensão muito grande.
Não temos nada contra, mas estamos a procurar vender a cidade de maneira diferente. Consideramos que a cidade do Porto, com aquilo que é a nossa visão do ponto de vista multifuncional, precisa de ter, por exemplo, ‘business tourism’, e de facto tem todas as condições. Com o pavilhão Rosa Mota, passamos a ter um equipamento que nos vai permitir entrar num campeonato bastante diferente. A Alfândega do Porto é um equipamento fabuloso e tem ganho uma série de prémios como melhor equipamento da Europa, mas com uma dimensão muito limitada, recebe no máximo 1500 pessoas num congresso. Quando chegamos ao Pavilhão Rosa Mota, ao agora Super Bock Arena, encontramos um equipamento com capacidade que pode chegar às 6 mil pessoas num congresso. Considero que isto abre uma frente diferente em termos de cidade. A nossa leitura é que vai ser possível a cidade ter uma oferta hoteleira de muito maior dimensão e que esta oferta pode acontecer na parte ocidental, seja na Boavista, Ramalde ou também no meio da cidade – Ramalde-Paranhos, ou até na parte oriental da cidade, em Campanhã. Será possível passarmos a ter unidades de muito maior dimensão, em zonas diferentes da cidade.
Que outros projetos relevantes estão em desenvolvimento na cidade para torná-la mais atrativa do ponto de vista turístico?
A cidade está a tornar-se bastante ativa. Temos um conjunto de grandes projetos em curso. O Mercado de Bolhão é o nosso projeto mais emblemático do ponto de vista do que reconfigura a aposta do município no centro de cidade, garantindo um equipamento completamente abandonado, ostracizado, sem rumo nos últimos 20 anos da cidade do Porto. Vamos investir 35 milhões de euros no Mercado do Bolhão. Não é um projeto de fazermos um centro comercial no mercado, mas de mantermos exatamente o caráter do mercado de frescos e legumes da cidade do Porto e com uma área de retalho na sua parte exterior. Este é um projeto muito relevante para voltarmos a ter habitantes no centro da cidade, com uma requalificação muito importante de um equipamento fundamental.
Um projeto relevante do ponto de vista da cidade é terminar o terminal de Campanhã, fundamental para a mobilidade da cidade, para requalificar e criar um hub de transportes, entre metro, comboio e autocarros em Campanhã.
Temos também o projeto de reabilitação do matadouro municipal, junto ao Estádio do Dragão. É um projeto multifuncional com escritórios, uma parte museológica, residências para artistas e um pequeno auditório. É um projeto lindíssimo, que foi a concurso, do arquiteto japonês Kengo Kuma e, no fundo, é fazermos na parte oriental da cidade, o que se fez com a Casa da Música na parte ocidental. Um projeto arquitectónico emblemático com um arquiteto de referência mundial. Estes são os investimentos materiais.
Mas basta olhar para a cidade hoje, o nosso projeto é renascer o Porto. Apresentámos recentemente um
estudo com a Ernest & Young relativamente ao ‘slow’ de investimento e, de facto, o turismo já não é o setor mais importante na cidade. Aquela ideia de que o Porto é só turismo, é um mito. O Porto hoje tem uma força económica incrível, porque é um hub tecnológico relevantíssimo do ponto de vista do país e europeu. O maior investimento é nas áreas do ICT (Information and Communication Techonologies, em inglês) com enorme criação de emprego, muitos jovens na cidade, muitas empresas a virem para o centro da cidade. A cidade é hoje uma cidade aprazível numa lógica multifuncional, seja para turismo, trabalhar ou para estudar.
Relativamente à taxa turística da cidade, de que forma esta está a ser aplicada?
Ao contrário de Lisboa, que utiliza a taxa turística para um Fundo de Desenvolvimento Turístico, que auto-alimenta o turismo, nós temos uma lógica diferente. Temos um conceito de sustentabilidade, de turismo sustentado. A nossa questão foi que a taxa turística tem de servir para mitigar a chamada pegada turística, que tem a ver com o impacto que isto cria na cidade, de limpeza, de património, de segurança até. A taxa turística – que não pode ser consignada, ela é uma taxa, entra no nosso orçamento – tem permitido fazer várias coisas. Por um lado, dar mais meios e mais investimento à área de ambiente do ponto de vista da limpeza de cidade. Tem-nos permitido também a entrega de carros para a Polícia de Segurança Pública (PSP), uma vez que o Estado central não tem dinheiro, por isso o município do Porto vai entregar dez automóveis à PSP para assegurar a segurança da cidade, que para nós é fundamental. Este sentimento de segurança é fundamental para um destino que é turístico.
A cidade do Porto investe a taxa turística em tudo aquilo que seja para fazer duas coisas: para que a experiência turística seja o melhor possível; e, em segundo lugar, para que a cidade tenha a capacidade de lidar com um aumento de pressão do número de pessoas que utilizam a cidade.
Captação de rotas
Recentemente, abriu a rota Porto-Dubai com a Emirates, o que é que ainda está previsto nesta área para o Porto?
É um trabalho que não podemos falar muito, por razões óbvias. É um mercado extremamente concorrencial. Diria que a vinda da Emirates é histórica, por várias razões. Em primeiro lugar, Portugal é minúsculo e a Emirates faz duas ligações diretas para cidades que estão a 45 minutos de distância. Numa altura em que a aviação passa por momentos muito complicados, onde poucas linhas são abertas, muito pelo contrário, são fechadas, a Emirates faz uma ligação quatro vezes por semana Porto-Dubai. Julgo que isto é um reconhecimento claro daquilo que é a qualidade do destino Porto.
Considero que, do ponto de vista de linhas, temos uma sorte, ou não, um mérito enorme, de termos um aeroporto que é ‘state of the art’ em termos de infraestruturas. Foi sempre a nossa guerra, na altura com a TAP, sempre dissemos o mesmo, Portugal tinha e tem uma sorte enorme de ter a capacidade de ter um aeroporto perto de Lisboa com a capacidade que o do Porto tem. Durante muito tempo, a TAP achava que a entrada no país era feita por Lisboa, com as consequências que estão à vista de todos. O aeroporto de Lisboa é considerado o pior do mundo em termos de pontualidade e do Porto também é o oitavo pior do mundo em pontualidade. O Porto não está melhor do que Lisboa, mas Portugal está neste ranking desastroso do ponto de vista de pontualidade e isso tem uma culpa, que se chama TAP. A TAP não conseguiu perceber a visão do país e deixou-se acantonar num conjunto do interesse próprio, que não percebo qual é. Dito isto, o aeroporto do Porto é muitíssimo bem gerido, tem uma qualidade enorme, estamos com perto de 12 milhões de passageiros transportados no ano passado. Temos a capacidade de chegar aos 20 milhões, temos muita margem para crescer, com as novas obras no ‘taxi way’ vamos conseguir aumentar em 66% as frequências de aterragem no aeroporto, o que permite maior eficiência do ponto de vista do aeroporto, o que é relevante.
Estamos muito otimistas, porque hoje o Porto já não é o hub da Ryanair, não estamos completamente dependentes da Ryanair, o aeroporto conseguiu diversificar toda a sua panóplia de companhias e é extremamente importante. É com estes reconhecimentos que a Emirates faz, e outras que certamente farão, abrindo linhas diretas para o Porto, que se demonstra a qualidade do destino.
Mas estão previstas novas rotas?
Estamos sempre a lutar por ir buscar destinos. O nosso foco é claramente o transcontinental, porque também consideramos que é preciso gerir o destino numa lógica de médio, longo prazo. O mundo tem que se abrir ao Oriente, estamos no Atlântico e consideramos que as linhas do Oriente são fundamentais e por isso é que esta linha para o Dubai é estratégica e fundamental, tal como a linha da Turkish Airlines para Istambul. Consideramos que as ligações intercontinentais para o Porto são importantíssimas. Esta é a nossa aposta estratégica do ponto de vista de linhas, que são linhas que nos liguem a outros continentes.
Futuro
Que objetivos a Câmara Municipal tem delineados para o futuro do Turismo na cidade?
A nossa visão é clara. O turismo foi fundamental para a cidade. O Turismo salvou a cidade do Porto, quem disser o contrário está a mentir com os dentes todos. O turismo não expulsou ninguém da cidade do Porto, não há turistas a mais, há é portuenses a menos. Estamos sempre do lado do turismo.
Consideramos que o Porto é por definição uma cidade livre, é um porto, entram e saem pessoas, é normal, ninguém tem um porto fechado, murado. Somos a cidade das pontes e adoramos receber. Somos uma cidade que reconhece no turismo algo muito positivo, queremos é agora qualificar a oferta turística da cidade. Queremos fazer com que o turismo tenha diferentes segmentos, trazendo o turismo de negócios para a cidade e queremos que os fluxos se diversifiquem.
Queremos trabalhar muito mais numa lógica de região também. Estamos a trabalhar num novo modelo de ligação entre a Associação de Turismo do Porto e a Entidade Regional porque consideramos que a promoção, seja interna ou externa, tem que ter uma estratégia comum. Não entendemos como é que temos duas entidades que depois não têm uma lógica estratégica comum. Esse foi um dos nossos desideratos, o Porto apoiou claramente a candidatura do Luís Pedro Martins para a Entidade Regional, consideramos que estão reunidas as condições para que haja uma aproximação clara do ponto de vista das duas entidades. E também é público que consideramos que isto tem de passar por uma estratégia comum, portanto uma cabeça comum nas duas entidades.
O Luís Pedro Martins poderá assumir as duas entidades?
Claro, essa é a nossa questão. O Porto considera que não faz sentido o Porto ser presidente da promoção externa. Entendemos que os outros municípios da região têm também que assumir responsabilidades do ponto de vista orçamental. O Porto é um destino relevantíssimo, é uma marca importantíssima, como é evidente, e a região tem de ser inteligente para tirar partido da marca Porto, mas temos que ter uma estratégia regional e transversal do ponto de vista do território. Isso beneficia-nos a todos, também beneficia o Porto dentro da nossa estratégia de qualificação, de maior permanência das pessoas na região, de termos uma economia local mais forte. Os desideratos do ponto de vista estratégico são estes.