De natureza inter e multidisciplinar, a nova pós-graduação da Universidade NOVA de Lisboa, iniciado no ano letivo 2024-2025, pretende ser uma resposta concreta às necessidades de qualificação no setor de turismo e hospitalidade, integrando uma abordagem fundamental para a formação de líderes inovadores e preparados para enfrentar os desafios e as oportunidades do futuro. Eurico Cabrita, sub-diretor para a Inovação e Investigação da NOVA FCT e cientista químico, admite que “os grandes desafios do turismo não são diferentes dos grandes desafios da atual sociedade”.
A Universidade NOVA de Lisboa lançou, neste ano letivo 2024/2025, uma nova Pós-Graduação “Leading Tourism & Hospitality”. No que consiste esta pós-graduação, que valor acrescentado traz para quem a frequenta e depois a transpõe para o setor e para o seu dia-a-dia profissional?
Em primeiro lugar, esta pós-graduação não surge do nada. A Universidade Nova já trabalha o setor do turismo há algum tempo de uma maneira coordenada. O que é que isto significa? Significa que foi formada na Universidade Nova uma plataforma de turismo e hospitalidade. Representando o turismo cerca de 17% do PIB nacional, trata-se, efetivamente, de um setor muito importante. E a Universidade pensou ou começou a pensar esta área e à partida pode parecer estranho, mas de facto os desafios do turismo nos dias de hoje são verdadeiramente multidisciplinares.
Sendo uma Universidade com tantas unidades orgânicas e cobrindo todas as áreas do saber, o que pensámos foi ter uma visão integrada do turismo, contribuindo para ajudar ao desenvolvimento do turismo, mas de uma maneira integrada. Ou seja, todos nós, de alguma maneira, nas unidades orgânicas da universidade, desde a economia ao direito, da medicina às ciências de tecnologia, trabalhamos o setor do turismo, em alguns casos diretamente, em outros casos mais indiretamente.
Temos, inclusive, na IMS (Information Management School) e na SBE (School of Business and Economics), cursos específicos e dedicados a determinadas áreas do turismo, mais ligados ao marketing, à parte digital ou ao negócio.
Esta experiência acumulada, associada a uma questão de oportunidade, já que esta pós-graduação é apoiada por um PRR – Tourism International Academy (TIA) -,deu-nos capacidade financeira, porque também é importante, de estruturar esta oferta, ou seja, olhar para todas as unidades orgânicas e permitir construir uma oferta curricular para capacitação na área do turismo. Em cada uma das unidades orgânicas, e a partir dessa experiência, percebemos que temos muito potencial, muito saber acumulado e, reunindo alguns parceiros-, sentimos que o setor precisava desta capacitação.
Além disso, como universidade que trabalha diversas áreas, percebemos que os grandes desafios do turismo não são diferentes dos grandes desafios da atual sociedade, ou seja, a sustentabilidade, o digital, os recursos humanos, o marketing, entre outros, e a gestão de uma incerteza que nos acompanha. Quando me refiro a incerteza, é o risco de uma maneira geral, que podem ser as alterações climáticas, uma guerra, ou seja, a imprevisibilidade que se vive hoje em diversos setores, com o turismo incluído.
E, portanto, ao colocar especialistas nesta pós-graduação, a mais-valia que vamos trazer é para gestores médios do turismo, dar-lhes uma capacidade de pensar estes temas de uma maneira transversal, porque sabemos que o turismo tem grandes desafios, mas também tem um grande potencial transformador.
O mundo está em permanente mudança e queremos preparar as pessoas, os profissionais da melhor maneira.
Os grandes desafios do turismo não são diferentes dos grandes desafios da atual sociedade
Cadeia para melhores práticas
Mas falou em os parceiros. Portanto ouviram o setor e quando o ouviram, o que é que o setor vos disse?
O setor identificou três áreas – sustentabilidade, digital e incerteza – como importantes. São grandes áreas temáticas que, hoje em dia, nos preocupam a todos, em todas as áreas. Numa área com a importância económica do turismo, ainda mais.
O setor do turismo funciona muito bem, é extremamente competitivo. Portugal não atinge este nível de competitividade internacional se não fôssemos bons e se não tivéssemos bons decisores. O que significa que os nossos decisores, ou seja, quem pensa o turismo em Portugal, têm tido esta capacidade de perceber, de entender, de estudar e de se preparar. E o que estamos a fazer é dar esta contribuição para preparar ainda mais e melhor quem trabalha no setor do turismo.
A pós-graduação foi pensada dessa maneira, muito com base na experiência, da formação que tínhamos feito neste último ano e conseguimos identificar professores de todas as unidades orgânicas para esta unidade curricular. Portanto, aqui a multidisciplinaridade é extremamente importante e também temos pessoas do setor, profissionais que vêm com casos de estudo para quem entra nesta pós-graduação também ouvir quem está verdadeiramente no terreno e quem está a trabalhar o turismo nas mais variadas vertentes.
Tentamos fazer este cruzamento do que se está a fazer na universidade, quais são as previsões de futuro em determinadas áreas e para onde é que o setor aponta, e ligar depois com pessoas que estão no terreno.
A pós-graduação está estruturada em dois semestres e depois tem um projeto, em função dos interesses específicos, uns podem estar mais ligados ao património, outros podem estar mais ligados ao marketing outros à sustentabilidade.
Mas trata-se de uma pós-graduação para quem já está a exercer uma profissão no setor e procura um upskill ou ainda não está no mercado do trabalho?
Diria que temos a ambição de servir os dois públicos. Para quem já está no setor do turismo, isto é uma preparação para o futuro e para aquilo que achamos que é o presente.
É um futuro quase imediato?
Exato, é um futuro imediato. Para quem acabou e pretende entrar nesta área é muito interessante perceber quais são os desafios. É entrar a perceber, ou seja, quais são os desafios para os próximos anos neste setor, em muitas áreas distintas. Temos a noção que estamos a fazer uma formação com um espetro alargado, mas depois temos formações específicas nas nossas unidades orgânicas. Se alguém se quiser especializar mais no Direito, no Marketing Digital, Gestão pode encontrar essas especializações nas nossas unidades orgânicas.
Não vai sair daqui um gestor em turismo, não é essa a nossa intenção, já que a formação é de largo espetro, permitindo a quem já está no setor fazer um refresh, fazer uma atualização, perceber quais são as tendências e quais são as implicações dos fenómenos que estamos a viver atualmente.
Por exemplo, a parte do digital é algo que está a revolucionar o setor. Mas há mais, por exemplo, como é que a revolução dos materiais de construção pode levar a que eu torne o meu empreendimento mais sustentável, ou adquirir uma capacidade de pensar uma logística que pode fazer com que se tenha uma pegada de CO2 mais baixa.
Portanto, é de facto transformar o turismo, é pegar em todo esse conhecimento, os desafios que nos são colocados no presente e que vão, de certeza, ser agravados no futuro. O turismo está a crescer praticamente em todo o lado e não diria que esta formação passa por, não digo encontrar as soluções porque isso significaria que deixaríamos de ter esse problema, mas por encontrar as melhores práticas para minimizar os efeitos.
E, acima de tudo, um dos grandes objetivos é, uma vez que o mundo é cada vez mais complexo e interdependente, percebermos que, quando atuamos num problema, temos de pensar como é que as coisas estão interligadas.
É explicar a cadeia?
Correto. Ao montar um empreendimento turístico num local, há toda uma cadeia de eventos que não estão propriamente só relacionados com o setor do turismo, mas que têm implicações na sociedade.
Há, de facto, alguns desequilíbrios que têm de voltar a ser equilibrados o mais rapidamente possível na questão multidisciplinar. No fundo, a pós-graduação espelha um pouco aquilo que serão as melhores práticas para o problema do turismo e a maneira como o turismo tem de evoluir tendo em conta esta interdependência entre várias áreas e, principalmente, para gestores médios que têm de tomar decisões é importante eles estarem conscientes da implicação que tudo tem ou poderá ter.
Um bom gestor tem de estar consciente de todos os desafios, mesmo que não esteja propriamente consciente da solução, mas sabe que terá de recorrer a um especialista de determinada área para resolver o problema ou pelo menos minimizá-lo.
Portugal não atinge este nível de competitividade internacional se não fôssemos bons e se não tivéssemos bons decisores
Falou na digitalização do setor do turismo. Esta vai, por exemplo, deixar o turismo mais desumano. Ou seja, as decisões vão passar a ser mais digitais e menos humanas?
Por trás da máquina está sempre o humano. Neste momento o que temos é uma capacidade de tratar dados. Agora falamos muito em Inteligência Artificial, mas a palavra inteligência induz-nos em erro, já que o que temos é a capacidade de tratar muitos dados e obter muita informação. A decisão não é da máquina, não devemos deixar a decisão para a máquina.
Ao ter mais informação, também posso aproveitar para tomar a decisão mais informada, abre-nos mais oportunidades. Eventualmente, poderei ter novos produtos, ter capacidade de gerir as coisas de outra maneira.
Por exemplo, porque havemos de ter tantas pessoas a tentar ir ao mesmo tempo para um museu ou para uma atração turística se posso ter em tempo real informação e gerir esses fluxos da forma mais correta e eficiente? Isto pode ser aplicado a tudo. Podemos criar experiências que estão muito mais vocacionadas para aquilo que é o gosto pessoal de cada pessoa. Como disse, há todo um leque de oportunidades também para criar novos produtos.
Até porque este leque de oportunidades de criar novos produtos também pode ser vista como uma questão geracional?
Também. A segmentação no turismo sempre existiu e vai continuar a existir e as ferramentas digitais vão permitir ainda mais nichos, explorar mais nichos, porque permitem-nos quase criar o produto que é um turismo quase para uma pessoa. Ou seja, a personalização da experiência máxima e a digitalização traz-nos essas oportunidades, O facto de poder ir ao chatGPT e pedir para me fazer um itinerário retirou completamente as agências de viagens e isso é uma das preocupações.
Mas isso significa que as agências de viagens ficam sem negócio?
Não, não vão ficar sem negócio. As agências de viagens vão é utilizar a Inteligência Artificial para criar novas experiências.
Ainda relativamente aos parceiros – Turismo Portugal, Pestana Hotel Group, Details Hospitality, Sports and Leisure, AHP e APAVT – que importância tem a envolvência destes para esta formação? Não falta aqui uma TAP ou uma rent-a-car?
Os que mencionou são os parceiros oficiais, desde o primeiro momento. O que não quer dizer que depois, nas várias unidades curriculares, não venham, e virão com certeza, mais parceiros. É evidente que vamos ter pessoas também de outros setores. Mas os parceiros oficiais pensaram a estrutura da pós-graduação connosco e quais seriam os temas mais importantes, funcionando um pouco como consultores.
Contudo, depois, ligados às unidades curriculares específicas, cada coordenador tem a liberdade para construir a sua unidade curricular.
Os grandes problemas, os grandes desafios que temos no setor do turismo são os desafios que a sociedade enfrenta atualmente como um todo e a resposta vai vir da ciência e da tecnologia
Turismo multidisciplinar
O professor é cientista químico e subdiretor para a inovação e investigação da nova FCT. Esta formação científica que possui demonstra um pouco a necessidade de o turismo ser cada vez mais multidisciplinar.
Vou dar uma resposta à cientista que é: a ciência é que tem a solução para tudo. É da ciência e da tecnologia que têm vindo as grandes soluções para os grandes desafios da humanidade. Portanto, os grandes problemas, os grandes desafios que temos no setor do turismo são os desafios que a sociedade enfrenta atualmente como um todo e a resposta vai vir da ciência e da tecnologia.
Há alguns desafios e transformações que se vão notando. A importância da tecnologia, a questão das comunidades locais, do turismo agregar mais valor. Apontou as alterações climáticas, da inovação, da análise de dados, ou seja, de não só tê-los, mas de utilizá-los. Esta pós-graduação pode olhar para o futuro a quantos anos?
Essa é uma pergunta difícil de resposta, porque o que nos prova o momento histórico em que vivemos é que tudo pode mudar de uma maneira quase imprevisível em muito pouco tempo.
Temos guerras que pensávamos que já não podiam existir, tivemos uma pandemia. A nossa intenção seria pensar a cinco ou 10 anos, mas acho que não somos capazes de o fazer no mundo em que vivemos hoje. Agora, o que conseguimos fazer é preparar pessoas para lidarem com essa incerteza, de estarem mais bem capacitadas para lidarem com a imprevisibilidade, ter mecanismos para lidar com os dados, para perceber como é que se analisam, para perceber tendências e para saber como reagir a tudo isso.
No fundo, aquilo que queremos é capacitar as pessoas, de alguma maneira, para estarem preparadas para a resiliência e para a imprevisibilidade.
Estes últimos anos o que nos ensinaram é, de facto, que temos de estar preparados para a incerteza?
Exatamente. E o fator humano continua a ser extremamente importante, desde que se saiba utilizar todas as ferramentas.
Estamos numa universidade. Que papel podem e fundamentalmente devem desempenhar as instituições de ensino na formação e na especialização dos profissionais do setor do turismo?
As universidades são centros de criação de conhecimento e investigação. Numa faculdade de ciências e tecnologia, como esta, muitas vezes até criamos coisas novas.
Por isso, o que temos de fazer? É colocar todo esse conhecimento e aplicá-lo a um ou vários setores. A obrigação da universidade é realmente criar conhecimento, mas depois utilizá-lo para deixar o mundo melhor. Assim, parece uma afirmação quase esotérica, mas o assunto é sério.
O que acontece muitas vezes, senão na maioria das vezes, é que o conhecimento é criado na universidade e fica na universidade. Existe, está lá, mas não é utilizado.
Mas não é utilizado porquê? Porque não se vai à procura, porque não se dá a conhecer, porque não é procurado?
Este não é um problema exclusivo da academia portuguesa, é um problema da academia em geral. Esta relação da academia com a sociedade sempre foi uma relação difícil. Mas basta recuar um pouco, não muito, para perceber que o conhecimento científico, quando a sociedade precisou da academia, ela esteve presente e a investigação científica apareceu com uma ou várias soluções. É uma relação que tem os seus altos e baixos.
Dou-lhe um exemplo, no Departamento de Engenharia do Ambiente, temos pessoas que trabalham muito em sustentabilidade, que editaram um livro sobre a sustentabilidade em empreendimentos turísticos. Por isso, quando se coloca este conhecimento em prol de uma determinada causa, vêm-se coisas muito úteis.
O papel da universidade é criar conhecimento e tem o papel de fazer uma translação deste conhecimento para os problemas reais.
O fator humano continua a ser extremamente importante, desde que se saiba utilizar todas as ferramentas
E poderão surgir daqui outras pós-graduações ou outras formações mais específicas ligadas ao turismo, ligadas à hospitalidade, à mobilidade, mas mais específicas?
Elas já existem, de alguma maneira no universo da Nova e de uma forma muito diversificada, desde a gastronomia, tratamento de dados, marketing, gestão, direito, etc..
Se tivéssemos uma bola de cristal e pudéssemos olhar para daqui a cinco ou 10 anos, quais os skills que apontaria necessários ter no universo do turismo?
Tudo o que tem a ver com a sustentabilidade nos próximos anos vai ser fundamental. E a sustentabilidade aqui tem tantas implicações, porque vai ter implicações a nível da gestão, do normal dia-a-dia, implicações legais, porque a legislação vai mudar. Ou seja, a sustentabilidade tem implicações e ramifica-se.
O importante, depois, é ter a noção correta de como aplicar a sustentabilidade. O que digo é que os profissionais na indústria do turismo terão em tudo o que é sustentabilidade um enorme desafio e vão ter de olhar a sério este tema.
Mas falando em sustentabilidade, as soluções têm de ser, de alguma forma, impostas por lei, e não tanto por transformação da mentalidade das pessoas, do tal fator humano?
Penso que terá de acontecer pelas duas vias. Mas claro que a maneira mais rápida é sempre se for imposta por lei. Diria até, na emergência em que vivemos no planeta, provavelmente terá mesmo de ser esse o caminho.
Se queremos que isto tudo seja sustentável, a sustentabilidade só se atinge plenamente se mudarmos as mentalidades, mas terá de ser natural. Só assim se conseguirá ter sucesso.
As novas gerações, por exemplo, veem esta questão da sustentabilidade de uma forma completamente diferente e para os mais jovens a sustentabilidade é algo já natural seja nas viagens, na gastronomia, no alojamento. É uma geração que está mais alerta para esta questão, está mais informada e atua de forma mais rápida.
Mas, no fundo, tem de ser fácil ser-se sustentável. Ou facilitamos ou não teremos sucesso.
E do lado dos turistas?
Os turistas são a outra parte da equação. Inclusivamente temos uma unidade curricular a pensar nisso. Como é que o setor do turismo e os agentes e operadores turísticos poderão, eles próprios, ser intervenientes na mudança na mentalidade do turista.
Nesse aspeto, vamos mais ao campo da psicologia, mas é reconhecido que há realmente um papel que o turista irá desempenhar.
Se olharmos para os nossos parceiros, o Turismo Portugal tem a responsabilidade de informar o turista, o grupo Pestana, o maior grupo hoteleiro em Portugal, também tem de informar o seu hóspede, que é turista. Temos uma AHP, uma associação que não é um grupo hoteleiro, mas que o represente e, portanto, também tem a sua responsabilidade, tal como uma APAVT que, junto das agências, também tem de informar os operadores para dar essa informação ao turista.
É evidente que não vamos mudar a mentalidade de uma pessoa no período em que está a fazer turismo.