“A ideia de qualificar a experiência é hoje um objetivo global”
Em final de mandato, Pedro Machado, presidente da Turismo do Centro de Portugal, falou com o Publituris durante a FITUR 2023. Considerado “decisivo” para a região Centro, o mercado espanhol não é visto como concorrente, mas como um todo da Ibéria. A consolidação dar-se-á com o mercado doméstico, mas também com mercado emergentes e, fundamentalmente, com o crescimento dos EUA e a reabertura da Ásia. No final, é a “marca Centro de Portugal” que importa e que Pedro Machado deixa como legado.
Victor Jorge
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Depois de no início do ano ter afirmado que 2022 foi um ano “francamente positivo” para a região do Centro de Portugal, o Publituris esteve à conversa com Pedro Machado na FITUR 2023. O presidente da Turismo do Centro de Portugal admite que foi o mercado doméstico que permitiu recuperar para números de 2019, salientando que o grande desafio que a região tem frente passa pela “qualificação da experiência” e “consolidar aquilo que já foi feito”. De olhos postos em Espanha, mas não só, Pedro Machado frisa que o território “é absolutamente crítico” e considera ser fundamental “atrair mais investimento qualificado que nos permita manter esta leva de diferenciação da nossa oferta instalada”.
No início do ano fez um balanço relativamente a 2022 e perspetivou este ano de 2023, referindo que, relativamente ao ano passado, este foi “francamente positivo”. Os últimos dados do INE colocam a região do Centro basicamente senão acima dos números de 2019. Como atingiram estes números?
Primeiro, houve e há um trabalho de estruturação de produto que nos permite alargar a nossa oferta, sair dos produtos turísticos mais convencionais e, nalguns casos, com procura mais massificada para uma aposta crescente em novos segmentos, em novos nichos de mercado. Um turismo mais associado à natureza, um turismo mais ativo, mais ligado aos vinhos, mais ligado à arte urbana, mais ligado àquilo que, no fundo, são outras grandes tendências que o mercado nos está a pedir e que vem culminar um período de consolidação e confirmação daquilo que tinha sido a expectativa criada que era os espaços, destinos, marcas, territórios em que a segurança e a saúde são prioridade. E o Centro de Portugal tem essas características.
Responderam a uma tendência. Portanto, foram reativos ou também foram, de certa forma, proativos.
Reativos no que diz respeito à consolidação de produtos turísticos que já vínhamos a trabalhar e que estavam dentro do Plano Estratégico Nacional para o Turismo, o turismo de natureza, o turismo ativo. Proactivos na capacidade de podermos oferecer àqueles que queriam estes produtos complementaridades, o turismo religioso, a arte urbana, o enoturismo, o ecoturismo, que sabemos que são hoje prioridades absolutas para quem viaja, o Centro de Portugal tem essas características.
Em segundo lugar, consolidação e crescimento do mercado interno. Estas dormidas que citámos estarem em linha com 2019 e superar 2019, estão muito na consolidação do mercado nacional, do mercado doméstico. Ainda não recuperámos totalmente o mercado externo, nomeadamente o mercado de longa distância. Quando pensamos Fátima, cuja dependência substantiva da Coreia do Sul, da China, das Filipinas, da Tailândia, do Vietname, de todos esses países do Oriente, ainda não estão a reconquistados e, portanto, a consolidação e o crescimento faz-se, essencialmente, através do mercado interno, do crescimento e da sustentação do mercado interno e do alargamento para novos mercados. O caso dos Estados Unidos, o caso do Canadá, que têm hoje muito mais dormidas do que tinham em 2019, comparativamente, e que nos ajudam a compensar ainda a falta dos mercados brasileiro e dos mercados chineses.
O turismo massificado já não era e não é um problema em Portugal
A força do mercado doméstico
Os residentes tiveram melhor performance do que os não residentes?
O mercado doméstico cresce acima de 2019, é o mercado doméstico interno que nos permite recuperar 2019, e são mercados emergentes, mercados em crescimento como o caso dos Estados Unidos, do Canadá e outros que nos ajudam a recuperar o mercado internacional e a compensar ainda aquela não recuperação dos mercados asiáticos.
Mais quais são os mercados chave neste momento?
Neste momento o Centro de Portugal tem no seu Top 5, Espanha e, por isso, a nossa aposta estruturada, consolidada na FITUR de Madrid, e, depois, num conjunto de ações que desenvolvemos ao longo do ano noutras feiras de Espanha. A seguir temos a França, não podemos escamotear que França, Espanha e Itália foram, durante muitos anos, os três mercados tradicionais. Em 2019, o Brasil destrona a Itália e passámos a ter Espanha, França, Brasil e depois a Itália. E em 2022 percebemos que há mercados que estão entre o quinto e o sexto lugar, como é o caso dos mercados dos Estados Unidos e de outros mercados. Portanto, significa que neste Top 5, hoje, podemos dizer que Espanha, França, Brasil, Estados Unidos, Itália são os nossos mercados prioritários.
E espera alguma flutuação ou variação para 2023?
Espero e por duas ordens de razão. Se virmos as projeções para 2023, temos na Europa dois países com crescimento francamente positivo: a Irlanda e a Noruega. Não são mercados muito decisivos para o Centro Portugal. Temos muitos mercados com crescimento até os 1%, onde estão a Espanha, a França, e temos mercados, como é o caso da Índia, com 6% de crescimento, ou caso da China, com 4% de projeção de evolução, que nos vão abrir portas novas. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso.
Portanto, a ideia de procurarmos hoje mercados de crescimento consolidados, mercados emergentes, apostarmos mais nos mercados emergentes como, por exemplo, o caso da China, têm uma forte relação com produtos como aqueles que nós temos, como é o turismo cultural e o turismo religioso.
Os desafios
Vou citá-lo novamente relativamente às perspetivas do ano turístico 2023, em que afirmou que “o tecido económico está em franca recuperação e a preparar-se devidamente para os desafios 2023”. Que desafios são esses?
Essencialmente, qualificação da experiência. É o grande desafio que temos pela frente, nós destino e os agentes económicos. A ideia de qualificar a experiência é hoje um objetivo global, porque qualificar a experiência significa sermos capazes de respeitar uma agenda que é incontornável da sustentabilidade, a eco agenda. Não é um desafio, é uma condição. Portanto, nós percebemos que, do ponto de vista da estruturação dos mercados e, sobretudo, da preferência dos consumidores, é decisivo destinos cuja experiência seja amiga do ambiente, que trabalhe a descarbonização, que diminua a pegada ecológica, que tenha a economia circular. Estes aspetos estão, hoje, na panóplia da preferência dos grandes mercados e dos mercados internacionais.
O segundo grande desafio é crescer em valor E crescer em valor significa que a qualificação da experiência deve, em primeiro lugar, satisfazer quem nos visita; em segundo lugar, somar, subir o valor pago para acabarmos também, de uma vez por todas, com aquela perceção que existe, que somos um país muito simpático, bom clima, boa gastronomia, grande hospitalidade, relativamente barato.
Nós vamos ter que deixar essa condição para termos uma economia verdadeiramente sustentável. Não é apenas sustentável do ponto de vista ambiental, também é do ponto de vista económico.
Qualificar a experiência e crescer em valor, esses são, para mim, os dois grandes desafios.
O território é absolutamente crítico
Em 2021 e 2022, foi possível ver, ouvir, ler várias, várias campanhas do Centro de Portugal. De certa forma, os resultados que o Turismo do Centro obteve, em 2022, foram fruto dessas campanhas?
Temos três indicadores fortes que nos permitem, nuns casos, podermos de alguma forma estimar o resultado, noutros casos, mensurar. Mensuramos nas dormidas reais, mensuramos nos rendimentos que temos e, objetivamente, o Centro de Portugal cresce em 2022. O país cresce, o Centro de Portugal também cresce, cresce substantivamente em rendimento, sobretudo.
Depois temos um crescimento da perceção da marca e essa perceção da marca é muito avaliada naquilo que são as preferências daqueles que escolhem o Centro Portugal para virem passar as suas férias. Vimos isso no mercado interno, vimos isso com novos mercados emergentes. Portanto, o que significa que nós, de alguma forma, o investimento que fizemos nas várias mensagens de campanhas ininterruptas. E aqui o Centro de Portugal, tem, diria, duas diferenças, grosso modo, comparativamente com aquilo que eu vejo noutras regiões. Nós estabilizamos o nosso processo de comunicação de 1 de janeiro a 31 de dezembro, ou seja, quando lançamos a primeira campanha a 1 de janeiro, já sabemos o que é que vamos fazer durante os 12 meses do ano e como é que vamos terminar o ano com as mesmas campanhas, havendo um fio condutor.
Portanto, não estão à espera do resultado de uma campanha para começar outra?
Este ano a campanha tinha a assinatura “Um destino e tanto”, tanto mar, tanta natureza, tanta gastronomia, tanta saúde, tanto bem-estar, tanto para visitar. Portanto, nós somos coerentes e consistentes no nosso processo de comunicação, porque achamos que é esse o caminho. Em segundo lugar, porque isso permite dar previsibilidade também aos nossos operadores. A ideia de que os nossos operadores, os nossos empresários, os nossos responsáveis, os nossos stakeholders do turismo, sabem que têm, da parte da Turismo Centro de Portugal, uma previsibilidade sobre o planeamento dos eventos, o planeamento dos certames e um planeamento da comunicação.
E para 2023 está pensada alguma nova campanha?
Em 2023, queremos, naturalmente, consolidar aquilo que já foi feito. Esse é um processo ininterrupto que todos os anos seguimos e a equipa tem instruções muito claras para isso. O nosso processo de comunicação implica consolidação. Portanto, não temos saltos qualitativos na nossa comunicação, nem temos saltos qualitativos naquilo que é o discurso e narrativa da Turismo Centro de Portugal.
O que é que nós fazemos? Procuramos consolidar aquilo que já é conhecido e trazermos algumas novidades.
Quais as apostas para 2023 e porque viemos a Madrid e estaremos em Düsseldorf [feira BOOT]? Uma fortíssima aproximação ao produto Mar. A ideia de reforçarmos a nossa relação com o mar, a ideia das nossas rotas turísticas e as nossas estâncias náuticas terem aqui um papel de cumulativo em relação àquilo que é a oferta dos anos transatos. Arte, Cultura, Aveiro é cidade capital portuguesa da Cultura 2024. Nós vamos trazer camadas novas para aquele processo que consolidou em 2022 e que, consideramos nós, tem as condições necessárias para permitir continuar o crescimento em 2023.
Estruturar a oferta
Falou na estruturação da oferta, passando pelo turismo industrial, por exemplo, pelo ecoturismo, pelo enoturismo, turismo religioso, a arte urbana, entre outros. Sem essa (re)estruturação e essa diversificação seria possível ter recuperado da mesma forma em 2022?
É difícil de avaliar com base em projeções. Aquilo que nós sentimos é, ponto 1, o mercado espanhol. Nós sabemos que o mercado espanhol tem quatro grandes preferências sobre Portugal: a gastronomia e os vinhos, a nossa cultura e a nossa história, a nossa hospitalidade e a nossa natureza. É claríssimo para nós e para os espanhóis que estes quatro itens, estes quatro segmentos, estas quatro ofertas turísticas, são ofertas que consolidam o mercado espanhol. Mas o mercado asiático, por exemplo, a nossa relação com a Coreia do Sul, a nossa relação com a China, com a Tailândia, com o Vietname, com as Filipinas, é uma relação na área do turismo religioso.
Por isso, procuramos consolidar a nossa oferta em turismo religioso. Mas também sabemos, por exemplo, que os nómadas digitais e outros segmentos da procura hoje querem produtos diferentes. Aquilo que é, no fundo, o nosso expertise, partindo de uma boa base que a Turismo Centro de Portugal construiu o seu observatório dinâmico, é um observatório que liga os seis Institutos Politécnicos às três Universidades e muitas das empresas do Centro de Portugal, no sentido de perceber estas tendências, perceber as características de quem nos está a visitar e sermos capazes de responder a isso.
Mas o mercado está mais segmentado?
Do meu ponto de vista, sim. Nota se que nós hoje temos mais mercados de nicho. O turismo massificado já não era e não é um problema em Portugal. Acho que é uma falsa questão. Discutir Portugal como um destino de turismo massificado é uma falsa questão. Existem, de facto, destinos que têm uma fortíssima procura muito associada, por exemplo, ao turismo das city breaks, ao turismo urbano nalguns pontos do país, mas esmagadoramente não é essa a tendência de Portugal. Portugal tem muito para crescer.
O que é que me parece? Quando nós hoje olhamos para as três gerações que em 2030 vão ter 50 anos, a geração X, a geração Y, a geração Z, estas gerações têm preferências distintas daquelas que nós oferecemos nos últimos 20 anos. Estas gerações estão disponíveis para alterar o seu destino de férias se a proposta de valor for amiga do ambiente. Estão disponíveis para gastar menos na viagem e mais no destino. Estão disponíveis para terem experiências mais imersivas nas culturas locais. A questão da ética, a questão da inovação são novos problemas que existem ou novas aspirações, novas expectativas. E é para aí que nós temos que conduzir o nosso saber fazer.
E o destino tem de redefinir a estratégia para se aproximar dessas tendências?
Claramente, mas há um trabalho que não está feito, que está a ser feito, não está acabado, e que passa muito por um conjunto de novos parceiros que estão ligados à causa do turismo. Quando olhamos para as comunidades intermunicipais, os municípios e outras associações de desenvolvimento que estão hoje viradas para o turismo, percebemos que é preciso este trabalho de estruturação e, sobretudo, desta agenda global chegue também à base do território. O território é absolutamente crítico. Primeiro, porque os recursos são finitos. Segundo, porque há mais entidades e há mais organismos a fazerem promoção. E terceiro, porque nós sabemos que o cliente final importa pouco quem faz essa promoção, importa muito que tipo de produto lhe que está a ser oferecido e o disposto que está a pagar. E por isso, este trabalho tem de ser.
Quando falou das perspetivas para 2023 também falou num “novo” produtos para a Turismo do Centro de Portugal: o golfe. Está a assumir uma tendência cada vez maior?
O golfe tem duas variáveis particularmente importantes. Por um lado, há investimentos a consolidar no Centro de Portugal. Normalmente, a nossa oferta de golfe está muito concentrada na nossa região Oeste, sobretudo os campos que estão em Torres Vedras, Óbidos, mas depois também um episódio que temos em Viseu e, portanto, estes campos de golfe são, de facto, uma oferta do Centro de Portugal.
Os campos de golfe estão em crescimento, em consolidação e estão, segundo os dados que recolhemos, por exemplo, na preferência de muitos jogadores em 2023, mais do que tínhamos em 2022. À data de hoje [19 de janeiro], temos nas perspetivas de reserva de 2023 face ao período homólogo, mais reservas, o que significa que os jogadores de golfe do centro da Europa do norte da Europa estão a fugir do perímetro da insegurança e estão a procurar destinos a Sul.
E há sazonalidade nessa procura?
Sim, ainda há sazonalidade que precisamos de combater. Aliás, estaremos com a Federação de Golfe Espanhola, num evento aqui em Madrid, a reforçar a nossa ligação aos campos de golfe do Oeste, exatamente puxando e dinamizando aquilo que é uma oferta que tem tudo para crescer, porque está muito em linha com aquilo que são todas as apetências dos novos consumidores.
Espanha, mas não só
Na FITUR foi apresentada a primeira Estratégia do Turismo Transfronteiriço 2022-2024 entre Portugal e Espanha. De que forma é que a Turismo Centro de Portugal pode beneficiar desta estratégia?
Há três níveis, desde logo naquilo que é um trabalho que temos vindo a desenvolver. Começámos em 2017, a primeira apresentação na FITUR, era ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, quando lançámos o primeiro projeto de cooperação transfronteiriça Centro de Portugal, Alentejo, Extremadura. Desse projeto, desenvolvemos um conjunto significativo de ações em mercados ibérico e em mercados internacionais.
Segundo, porque esta agenda da cooperação transfronteiriça vai-nos permitir alargar este leque. Trabalhámos com o Alentejo e com a Extremadura, trabalhámos com o Porto e Norte e com a Castilha Leão e, eventualmente, também com a Galiza. Quer do ponto de vista de projetos POCTEP, quer de projetos como o NAPOCTEP, quer o que já fizemos com as Rotas Napoleónicas ou o que estamos a lançar para 2023, por exemplo, com as Rotas Gastronómicas de Carlos V.
Terceiro, porque há uma agenda, que é uma agenda que o turismo não pode ficar alheado quando pensamos a mobilidade e a acessibilidade que vai ser trabalhada nesta conferência, no nosso caso, do IC 31, é particularmente critica a nossa ligação com Moraleja. Há uma agenda do ciclo da água. Lembrar que o Douro e o Tejo nascem em Espanha e tem implicações com aquilo que é a nossa relação com Espanha num produto essencial que é a água. E Portugal, em 2021 e 2022, sofreu muito com a questão da gestão do ciclo da água. E há uma agenda da sustentabilidade dos destinos que é incontornável.
Portanto, a mobilidade, seja ao nível da ferrovia, ao nível daquilo que é a rodovia, a agenda da sustentabilidade que passa pelo ciclo da água e tem de passar, por exemplo, pela questão da gestão da floresta ou, eventualmente, o reforço da cooperação, são três eixos que estão nesta agenda da cooperação transfronteiriça.
Nós temos essa boa experiência. Lembro-me que em 2018, no nosso Fórum do Turismo Interno, o primeiro-ministro, já António Costa, veio da Feira Ibérica da Guarda diretamente para Leiria encerrar o nosso “Ver Portugal” onde já tínhamos a participação da Extremadura e de Castilha e Leão no nosso fórum. Portanto, é um trabalho de proximidade por duas ordens de razão. Primeiro, a Ibéria é um mercado muito próximo que permite usufruir de uma procura interna consolidada e substantiva ao longo dos 12 meses do ano. 10 milhões de portugueses com perto de 50 milhões de espanhóis dá um mercado extraordinário. Se somarmos os estrangeiros que entram na Península Ibérica, falamos da maior placa turística do mundo. Falamos em quase 200 milhões de consumidores.
Falta-nos continuar um caminho de consolidação e de reforço da captação de investimento
Há que trabalhar mais esse conceito ibérico e não tanto Portugal e Espanha?
Do meu ponto de vista, sim. Nós fazemo-lo com esta cooperação transfronteiriça trabalhamos muito o conceito “dois países, três regiões, um destino”.
Neste momento, acho que nada pode impedir, não é isso que nos vai, digamos, minimizar nem nos vai debilitar na nossa estratégia. Desde logo, na disputa do mercado interno, do mercado doméstico, 10 milhões de portugueses contra 50 milhões de espanhóis, teremos de ter sempre saldo positivo para Portugal.
Que importância tem o mercado espanhol?
Decisivo. O primeiro mercado absoluto para o Centro de Portugal, mais de um milhão de dormidas, turismo ao longo do ano, turismo de proximidade, turismo de valorização do interior.
E sentem um crescente interesse por parte dos operadores espanhóis relativamente ao Centro de Portugal?
É muito notório porque hoje, quando pensamos em viajar ou pensamos em fazer viagens de curta distância, Portugal é a escolha óbvia dos espanhóis. Não só o Centro, o Alentejo, Porto e Norte, também Lisboa, seguramente, e o Algarve. Nós somos países vizinhos, temos contiguidade geográfica, temos afinidade cultural, temos compreensão linguística e temos depois produto turístico. O que significa que somos o destino óbvio dos espanhóis.
Há outro fator importante a ter em conta que é Portugal deixar de ser conhecido como um destino barato. No entanto, esta conjuntura de crise económica, inflação, está a levar a um aumento de preços por parte de todos os stakeholders. Teme que isso possa prejudicar a perceção do destino Portugal ou é uma coisa que tem de acontecer e é percetível globalmente?
É conjuntural e, portanto, infelizmente para nós e para o mundo, não é apenas Portugal que está hoje limitado a ter que se confrontar com uma inflação galopante, com um problema de segurança internacional e com um cuidado acrescido no que diz respeito às medidas de precaução em relação à saúde. É global. Portanto, o mundo sabe que é assim e, por isso, Portugal continua, do meu ponto de vista, comparativamente bem posicionado e, do ponto de vista daquilo que são os preços que pratica, muito em conta com aquilo que é o poder de compra das outras economias. Quando há pouco falámos das previsões e vemos uma Índia a crescer 6%, uma China a crescer 4% e uns Estados Unidos a crescer 1%, sentimos que são economias muito fortes.
Segundo, cada vez mais um turismo alavancado num poder de compra com maior esperança de vida, o turismo sénior, e com mais elevado poder de compra. O que significa que, sendo nós como somos, um destino privilegiado pela hospitalidade, pelo clima, pela gastronomia, estamos cada vez mais em linha com um dos segmentos do futuro. O “Sénior Tourism”, no fundo, a idade dos nossos turistas, por força de uma longevidade daquilo que é hoje a constatação da vida humana, por força de essa longevidade apontar para segmentos de mercado que estão na reforma e que têm, digamos, amealhado e acumulado ao longo da sua vida, poder de compra, isso faz com que Portugal continue a ser procurado.
Um Centro ligado
Falou, também, num aspeto basilar para o sucesso do turismo em Portugal que é a conectividade. As ligações existentes, neste momento, são suficientes para suportar o crescimento do turismo na região Centro?
Nós beneficiamos daquilo que são duas portas de entrada, os aeroportos do Porto e de Lisboa, e de uma ligação rodoviária através da Espanha e da França para a Europa e para o mundo. Temos hoje consciência que há companhias aéreas, ainda agora há companhias que estão a viajar para Telavive, que vão abrir dois voos semanais para o Porto, vêm muito em linha de conta com também um dos nossos produtos, que é o turismo judaico, o turismo religioso. Acredito que a data de hoje existe oferta suficiente para podermos continuar este trabalho de crescimento. Admito que, com as projeções que são publicadas, que o nosso Aeroporto Internacional de Lisboa tenha limitações no curto prazo. Julgo que é possível ainda explorar mais e melhor o nosso Aeroporto Sá Carneiro, que serve a nossa região Centro.
Agora, não podemos escamotear a ligação rodoviária e muito particularmente a ferrovia. Diria que Portugal, nesta sua ambição de um país pequeno, que aposta numa agenda da sustentabilidade, do meu ponto de vista, o investimento que está a fazer e a projeção em relação aquilo que é o aeroportuário deveria considerar em complemento, não em alternativa, em complemento, a possibilidade do desenvolvimento de uma estratégia europeia da ferrovia assente na mobilidade suave.
Os três grandes problemas estruturais estadia média, sazonalidade e rendimento são indicadores onde ainda temos muito trabalho para fazer
Quais são os maiores receios no que toca ao turismo global e, particularmente, ao turismo no Centro de Portugal?
Claramente, aquilo que são hoje os três “fantasmas da sala”. Falamos na questão da segurança e no facto de uma guerra estúpida como aquela que assistimos se prolongar no tempo.
Já se deixou de pensar na pandemia?
A pandemia, tínhamos deixado de pensar, percebemos agora com aquilo que aconteceu com a Itália, que está a acontecer com a Espanha em relação à China, não nos deve descansar. Por isso, sim, há um novo normal, sim, temos de nos habituar a viver de acordo com aquilo que são as boas regras em relação àquilo que é a prevenção e o adequado tratamento que temos que dar ao processo da pandemia. Mas não está afastada de todo.
Somada uma inflação galopante, mas a ser verdade que o Banco Central Europeu, a partir do primeiro semestre, baixe as taxas de juro, julgo que assistiremos a condições favoráveis.
O que é que falta à Turismo do Centro fazer?
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. Falta-nos continuar um caminho de consolidação e de reforço da captação de investimento. Isto é, nós temos hoje extraordinárias condições, precisamos de atrair mais investimento qualificado que nos permita manter esta leva de diferenciação da nossa oferta instalada.
Falta-nos, de facto, tratar uma questão crítica que nos tem assolado nos últimos anos, os grandes incêndios de 2017 e 2022.
O Centro de Portugal ficou “manchado”?
Diria que ficou marcado, porque um processo de recuperação, por exemplo, da Serra da Estrela 2022 demora meses, senão um ou dois anos até, pelo menos, o coberto vegetal disfarçar aquela realidade cinzenta e negra que lá temos. Falta haver na política pública, de facto, medidas efetivas e que passam pelo cadastro da floresta, pela gestão da silvicultura, pela gestão do ciclo da água e muitos outros.
Essas são duas componentes da política pública que precisamos de continuar a trabalhar. Obviamente, eu não diria que nos falta, neste caso, é continuarmos a ter a confiança dos empresários, a resiliência e a confiança dos empresários para fazer desta região aquilo que ela já é hoje, uma aposta certa para o mercado nacional e o seu caminho de crescimento nos mercados internacionais.
Numa recente entrevista com o ministro do Turismo da Jordânia, este admitiu na forte possibilidade de se deslocar a Fátima no segundo semestre de 2023, para, de certa forma, iniciar uma colaboração mais estreita entre a região do Centro, de Fátima com a Jordânia. Como é que olha para este facto?
Fátima não foi durante muitos anos, nomeadamente pelo Turismo de Portugal, interpretada como um dos nossos produtos e marcas de grande afirmação internacional. Fátima tem hoje manifestações físicas e culturais em dezenas de países espalhados pelo Oriente e pelo Ocidente. A Coreia do Sul tem 25 milhões de católicos, a sua relação é claramente com Fátima. Os brasileiros têm uma relação extraordinária com Fátima. Por isso, é muito natural, até fruto até do trabalho que temos vindo a realizar, os workshops do Turismo Religioso de Fátima, de fevereiro-março, já são, pela nona vez, o maior workshop europeu de turismo religioso.
Percebe-se que é um segmento de mercado que está em crescimento e é, por isso, gratificante e simultaneamente desafiante que o senhor ministro da Jordânia tenha feito esta afirmação, porque vem, no fundo, ao encontro daquilo que durante anos fizemos sozinhos, que agora fazemos em conjunto e que também é uma aposta de Portugal.
Pelas contas, acaba o mandato este ano. Olhando para trás, o que é que deveria ter feito que não fez e o que é que fez que não deveria ter feito?
Ainda não é tempo de balanço, mas podemos tirar já algumas ilações. O que devia ter feito, julgo que fiz. Eventualmente, podia ter feito mais e melhor do que aquilo que eu já consegui fazer. E isso está expresso hoje numa consciência de marca que o Centro de Portugal é e que à data não era, nos números que temos vindo a atingir, seja no número de dormidas de proveitos, seja na estatística, seja na consciência da marca. Portanto, aquilo que eu devia ter feito e consegui fazer foi criar uma verdadeira consciência de marca Centro de Portugal, para dentro e para fora. Para dentro, para os agentes, para os stakeholders, para os operadores turísticos, para perceberem que estavam e estão numa região que está em crescimento, que se pode afirmar inter-pares e nalguns casos até pode ser uma região de referência do ponto de vista do mercado doméstico e do mercado internacional.
Segundo, fiz e podíamos fazer ainda mais ainda, nesta aproximação em relação aos agentes públicos que hoje tratam o turismo. A questão da ligação das comunidades intermunicipais, a questão dos municípios e dos agentes económicos, nós construímos, em 2014, o primeiro grande projeto financiado em fundos europeus chamado “Produtos Turísticos Integrados” que fez com que a região pudesse aceitar e tratar aquilo que é política pública com os interesses económicos privados e daí resultar uma equação positiva.
O que é que ainda não fui capaz de fazer e, provavelmente, não serei capaz de o concretizar? Eventualmente, sermos uma região que, do ponto de vista, sobretudo internacional, sobretudo ao nível daquilo que são os grandes mercados, à exceção de alguns segmentos de mercado, possa hoje almejar amanhã ter uma rentabilidade maior. Falta-nos aumentar o preço do rendimento, o nosso RevPAR, falta-nos conseguir ultrapassar uma sazonalidade que ainda hoje é marcante no Centro de Portugal, falta-nos aumentar uma estadia média que ainda hoje é possível melhorarmos no Centro de Portugal.
Para mim, os três grandes problemas estruturais estadia média, sazonalidade e rendimento são indicadores onde ainda temos muito trabalho para fazer.
Na recente edição do WTM Londres, o secretário-geral da OMT, considerava que os responsáveis, tanto nacionais como locais, tanto privados como públicos do turismo devem deixar um legado. Qual é o legado deixado por Pedro Machado?
A marca Centro de Portugal!