Conversas à Mesa: “Tenho um sonho, que seria abrir um pequeno hotel rural”
Leia o Conversas à Mesa de Fernando Bandres, director operacional da Soltrópico.
Carina Monteiro
Enoturismo no Centro de Portugal em análise
ESHTE regista aumento de 25% em estágios internacionais
easyJet abre primeira rota desde o Reino Unido para Cabo Verde em março de 2025
Marrocos pretende ser destino preferencial tanto para turistas como para investidores
Do “Green Washing” ao “Green Hushing”
Dicas práticas para elevar a experiência do hóspede
Porto Business School e NOVA IMS lançam novo programa executivo “Business Analytics in Tourism”
Travelplan já vende a Gâmbia a sua novidade verão 2025
Receitas turísticas sobem 8,9% em setembro e têm aumento superior a mil milhões de euros face à pré-pandemia
Atout France e Business France vão ser uma só a partir do próximo ano
Fernando Bandrés já é mais português do que espanhol. O actual director operacional da Soltrópico chegou a Portugal em 1999 e nunca mais largou o País, que sente como sua casa.
Fernando Bandrés nasceu em 1970 na Gran Canária, por força das circunstâncias. O pai, militar, vivia no Saara Ocidental, antiga colónia espanhola. Quando as mulheres engravidavam vinham ter os filhos a Las Palmas. E assim foi com a mãe de Fernando Bandrés. Viveu no Saara Ocidental até aos seis anos. Com a Marcha Verde, em 1976, Espanha retirou-se do território e a família viu-se obrigada a retornar ao país. Desse tempo, tem muito poucas recordações, apenas a de que deixou muitos brinquedos para trás. Até aos 10 anos, ele a família, por força da profissão do pai, viveram em vários locais. Fernando morou em Forteventura, nas Canárias, em Málaga, Córdoba, Madrid, Valladolid e Lugo. Lugo, na Galiza, foi a cidade onde viveu mais tempo, dos 10 aos 18 anos.
Quando o pai tinha de mudar de cidade a meio do ano escolar, ele, a mãe e as irmãs ficavam até ao final do ano lectivo. Só se juntavam depois.
Como resultado desta vida de nómada, as origens da família são dispersas: a irmã mais velha é madrilena, a mais nova é galega, o pai é aragonês e a mãe andaluza.
Em criança, Fernando Bandrés era “muito traquina” e dava “bastantes” dores de cabeça aos pais. “Nunca fui grande aluno, nunca chumbei, mas era muito preguiçoso”, recorda. Até que na faculdade tudo mudou porque começou a estudar aquilo que realmente gostava, Turismo.
“Lembro-me que os meus pais me obrigavam a ficar no quarto a estudar, fazia de tudo, excepto estudar. Tinha uns soldados de plástico, punha-os perto da lâmpada para ficarem moles, e a minha mãe entrava no quarto e sentia o cheiro do plástico”, ri-se.
Na verdade, Fernando queria ser piloto. “Adoro aviões, mas na altura era muito complicado entrar, ou tinha muita capacidade financeira para pagar o curso privado, ou então através do exército. Mas aí tínhamos que ser praticamente um ‘super man’. Eu tinha miopia”. Decidiu, então, estudar Turismo. “Pensei que seria uma profissão bastante versátil a nível curricular”, explica, e também porque o curso era de três anos. “Mais uma vez o Fernando preguiçoso falou mais alto”, ironiza.
Entrou na faculdade de Saragoça em 1988, nessa altura a família já se tinha mudado para a cidade.
Começou a ter contacto com o mundo laboral cedo. O primeiro emprego, aquele em que recebeu dinheiro por fazer alguma coisa, foi num curso de Verão que fez em Jersey, nas Ilhas do Canal, no Canal da Mancha. Tinha 15 anos. Os pais deram-lhe dinheiro que ele gastou numa semana. Tinha duas opções: ou pedia mais dinheiro, mas ia levar um raspanete, ou falava com o director do campo que lhe arranjou um emprego, como empregado de mesa num bar da praia.
Sempre trabalhou para ter independência financeira. Durante a faculdade teve vários trabalhos. Trabalhou como guia, aos fins-de-semana levava grupos de terceira idade de Saragoça para Benidorme e vice-versa. Trabalhou como carteiro do Pai Natal, no El Corte Inglés, nas épocas de Natal. No último ano da faculdade entrou nas Viagens Politours, em Saragoça. Depois foi para as Viagens El Corte Inglés, em 1992. Vendia viagens ao balcão. “Foi uma escola óptima, era um balcão com imenso tráfego de pessoas, tinha um balcão específico para os bilhetes de comboio, de avião e para os hotéis. Íamos rodando pelos diversos balcões”, conta.
Em 1993, cumpriu nove meses de serviço militar e de seguida teve uma proposta para dirigir um hotel na Gâmbia. “Na altura, achei que a experiência em África iria ser interessante e significava um crescimento na carreira”, recorda. Mas nem tudo foi fácil. Após um golpe de Estado no país, Fernando Bandrés foi obrigado a regressar a Espanha e descobriu da pior maneira que quem o tinha contratado não tinha tratado do visto. Teve que sair do país com um visto ilegal. “Foi uma experiência surreal, agora rio-me, mas, na altura, passei as passas do Algarve”.
Quando regressou a Espanha, estava decidido a continuar a carreira fora do país, desta vez numa grande cidade. Escolheu Londres, onde trabalhou primeiro como empregado de mesa de um restaurante e depois como recepcionista de hotel. O seu regresso a Saragoça deu-se porque o pai adoeceu e quis estar mais perto da família.
Globalia
De regresso a Saragoça, respondeu a um anúncio de trabalho para a agência de viagens Halcon, do Grupo Globalia. Não levou muito tempo a que daí fosse para o operador turístico Sol y Playa (actual Travelplan) em Saragoça. Começava assim um percurso de quase 20 anos na Travelplan. Em 1999, depois de já ter falado com chefe sobre a sua vontade de sair de Saragoça, – o pai já tinha falecido -, surge a oportunidade de vir para Portugal. “Na altura, a Globalia tinha acabado de abrir em Portugal. O director da Traveplan em Portugal pôs baixa e fizeram-me a proposta de o substituir temporariamente”, lembra.
Fernando Bandrés foi logo bem acolhido. “A nível pessoal só tenho coisas boas a dizer. Os portugueses sabem acolher bem, nunca me senti estrangeiro ou sozinho cá. Sempre tive pessoas preocupadas comigo”, afirma.
Quanto aos negócios, recorda o momento: “Chegámos mais tarde que os outros operadores espanhóis, mas chegámos num momento em que havia uma grande expectativa dos clientes portugueses em relação às empresas espanholas, especialmente da Halcon. A Travelplan era completamente desconhecida pelo consumidor final. Nessa altura, a Globalia estava a vender as Caraíbas a preços impensáveis. Foi a democratização das viagens de Portugal e Espanha.”
Acabou por ficar em Portugal mais anos do que provavelmente pensaria e explica porquê: “Porque pensei sempre que era temporário. Depois, a nível profissional, foi uma aprendizagem constante e nunca senti a necessidade de mudar”. Destes mais de 15 anos à frente da Travelplan em Portugal, recorda um momento complicado. Aquele em que a Globalia decidiu fechar os call centers em Portugal e levá-los para Espanha entre 2008 e 2010. “Foi por uma questão de corte de custos e a evolução da Internet não justificava ter tantos centros abertos. Na minha opinião, seria importante deixar esta estrutura de vendas em Portugal”.
Quanto aos momentos bons, “foram muitos”. “Fomos queimando etapas”, afirma, recordando alguns episódios: “Quando tivemos oportunidade de entrar no longo curso em voos directos de Portugal, houve um fechar de fileiras dos operadores portugueses para defenderam o seu mercado. Depois conseguimos entrar em operações, algumas delas até partilhadas com os operadores portugueses. Quando a Air Europa começou a voar entre Lisboa e Madrid e Porto-Madrid, isso deu-nos uma oportunidade de crescimento do produto, da operação”.
Soltrópico
Em 2016, Fernando Bandrés saiu da Globalia por “um conjunto de circunstâncias a nível pessoal e profissional”, explica. “A nível profissional, senti necessidade de abraçar novos desafios. Comecei aos poucos a perceber que já não desfrutava de acordar e ir trabalhar e isso, motivado com algumas questões pessoais, fizeram-me pensar o que queria fazer da minha vida. A minha primeira decisão era sair e tirar um ano sabático, aproveitar para estudar”. Mas não foi isso que aconteceu.
Fernando Bandrés foi convidado para director operacional do operador português Soltrópico. Aceitou o convite por vários motivos, conta. “Houve uma empatia com o Tiago Raiano. Pensar que trabalhava numa empresa com 15 mil empregados e entrar numa empresa onde o tipo de diálogo que se tem com a administração é tão próximo fez uma grande diferença. Mas também por ser um operador de referência no mercado português”. Entrou em Novembro de 2016 na Soltrópico.
Questionado sobre o futuro, Fernando Bandrés reconhece que “a minha carreira está numa fase de transformação e adaptação e isso está muito ligado aquilo que eu sou pessoalmente”. “Vejo-me ainda alguns anos na Newtour, mas não me vejo a reformar-me fazendo aquilo que faço agora. Tenho um sonho, que seria abrir um pequeno hotel rural”, conta. “Seria uma pequena quinta biológica com um hotel no Alentejo com sete, oito quartos. Gostaria de passar os últimos dez, doze anos da minha vida profissional num sítio relativamente calmo”, completa.
Por ter uma rotina profissional acelerada, que hoje em dia divide com aulas de certificação internacional de Coaching, formação que está a frequentar, Fernando Bandrés tenta descontrair nos fins-de-semana. Adora praia, qualquer uma portuguesa, tanto de Verão, como de Inverno. “Vou desde a Baixa até Belém de bicicleta, apanho o barco até à Trafaria depois vou pela costa até à Fonte da Telha. Sou maluco por praia. Talvez porque vivi muito tempo em Saragoça, que é uma cidade interior e muito quente no Verão”. Nas férias, gosta apenas de marcar o bilhete de avião, a primeira e a segunda noite e depois partir à descoberta. Há dois, três anos teve “as melhores férias” de sempre, alugou uma autocaravana e percorreu a Costa Vicentina até ao Algarve e depois Huelva e Cadiz. “Adorei a sensação de liberdade de levar a casa às costas”.
Fernando Bandrés já foi, como o próprio afirma, um “control freak”. “Nunca tive mãos a medir no que respeita ao trabalho, dava tudo e exigia tudo, hoje em dia sou uma pessoa mais ponderada nesse sentido, tem de haver um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”.
Afirma gostar de trabalhar em equipa. “Penso que o sucesso baseia-se em construir um espírito de equipa que funcione bem. Tento ser um bom colega de trabalho”, responde quando lhe peço para se definir enquanto colega. Fernando Bandrés não é muito diferente na vida pessoal. Divertido e amigo do seu amigo. “Quando estamos longe, e eu sempre estive longe, damos bastante valor às relações pessoais, aqui tive de construir a minha família, os meus amigos podem contar sempre comigo”.
Também tem uma forma de estar na vida: “Tento sempre fazer isto, tanto na vida pessoal como profissional, que é tratar os outros como eu gostaria de ser tratado. Se temos essa filosofia de vida raramente nos enganamos”.
*Conversas à Mesa realizado no Real Cozinha Restaurante-Bar, em Lisboa, e publicado a 23 de Junho de 2017.