O turismo vai sofrer uma nova revolução, defendeu, em entrevista ao Publituris, Pedro Moita, pró-presidente, coordenador da licenciatura em direção e gestão hoteleira e coordenador da área científica de ciências da informação e informática da ESHTE (Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril). Se no início deste século, as tecnologias revolucionaram a atividade, se a distribuição turística, os operadores, as agências de viagens, a gestão hoteleira se reinventaram, se as companhias aéreas intermediaram grande parte do seu negócio, também a formação em turismo tem de acompanhar essas transformações, tendo Pedro Moita apontado que fatores como a inteligência artificial, e o data science, que trazem um panorama completamente novo para a nossa sociedade, “também vão ter muitas implicações no turismo. Este setor sempre esteve na ribalta do IT, e agora, com a indústria 4.0, com esta ciência dos dados, com a inteligência artificial, também o turismo vai ser charneira de muitos projetos de IT”.
Remodelação das licenciaturas
Tendo esta visão, o docente da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, instituição de ensino superior público, revelou ao Publituris que “já o ano passado submetemos à tutela uma proposta de remodelação das nossas licenciaturas, onde para além das componentes técnicas, juntar a componente prática aplicada, por isso temos os principais players do turismo connosco”.
Portanto “para além das atualizações normais de 10, 12 anos, que os planos de estudo já teriam, que já fazíamos nos conteúdos, e que agora repercutimos nas unidades curriculares, desde a gestão de comidas e bebidas, ao alojamento, à área de gestão de eventos, animação turística, à segurança alimentar, “colocámos este pormenor da indústria 4.0 e do data science, com grande destaque e relevo”.
Aí, quer nos mestrados, quer nas licenciaturas, a ESHTE está em processo de reformulação, já aprovado pelo Conselho Técnico-Científico da escola, e que aguarda agora a avaliação da Agência de Avaliação do Ensino Superior, no âmbito dos novos planos de estudo.
Em paralelo, “criámos há pouco tempo, eu e a minha equipa de IT da ESHTE, o Núcleo de Investigação Tecnológica em Turismo (NIT), e temos já várias candidaturas, uma aprovada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, o nosso primeiro projeto aprovado em termos científicos e de investigação, que é na área de Data Science e Inteligência Artificial aplicada à formação”.
“Já o ano passado submetemos à tutela uma proposta de remodelação das nossas licenciaturas, onde para além das componentes técnicas, juntar a componente prática aplicada, por isso temos os principais players do turismo connosco”
Além disso “contactámos já as agências regionais de turismo para projetos, basicamente, com muita Inteligência Artificial, com apps, chatbots, e aqui temos duas visões, quer a do turista, para melhorar a sua experiência do turista, quer a visão para melhorar a distribuição, a promoção do destino, do equipamento e do produto”, avançou o formador.
Pedro Moita concorda que “todos os equipamentos turísticos vão ter de se adaptar a esta nova realidade, não são só os players de serviços, como as agências de viagens e a hotelaria em que, por exemplo, os revenue management já começam a ser híbridos, com agentes de inteligência artificial a auxiliar, também os restantes equipamentos e destinos vão sofrer remodelações profundas porque, a forma como se vão prestar as experiências aos turistas nos destinos, nos eventos, nos equipamentos, vai evoluir consideravelmente”.
Assim, avançou que “este pacote de dados que temos, de estarmos sempre conectados, este Big Data, esta transformação fácil que a IA faz em modelos preditivos, em modelos de análise, vai ter implicações muito fortes”.
Igualmente, na componente imersiva “também estamos a trabalhar em alguns projetos”, deu conta, para apontar que, com realidade virtual e com experiências imersivas “acreditamos que podemos explodir com projetos muito interessantes para a experiência do turista. Hoje em dia, podemos ter asas com as experiências imersivas, permitindo que os nossos equipamentos fiquem com muito mais valor acrescentado para a experiência do turista, que pode ser colocado no centro da mensagem, ou seja, aquilo que aquele equipamento pretenda”.
Sempre perto dos players
Voltando à formação propriamente dita, o pró-presidente da ESHTE destacou que “temos o nosso PRR a funcionar, com várias parcerias, em que vamos tentando também suprir necessidades do mercado, nas áreas de alimentos e bebidas, de eventos, da hotelaria, do turismo cultural, bem como uma nova pós-graduação nessa área, subsidiada pelo PRR”.
Daí que, Pedro Moita acredita que a formação turística tem de evoluir. “Não será bem uma mudança radical, mas tem de evoluir. Não haverá mutação, pelo menos a curto prazo, mas a inteligência artificial vai trazer implicações. O turismo evoluiu sempre muito e se nós, no ensino, não o fizermos, não chegamos lá”.
Observou que a nível médio, o Turismo de Portugal, nas suas escolas, tem feito um bom trabalho, tem preparado bem os seus profissionais para a atividade técnica, mais do serviço hoteleiro e da restauração, do que propriamente noutras áreas, mas tem também tocado nessas.
“A formação turística tem de evoluir. Não será bem uma mudança radical, mas tem de evoluir. Não haverá grande mutação, pelo menos a curto prazo, mas a inteligência artificial vai trazer implicações. O turismo evoluiu sempre muito e se nós, no ensino, não o fizermos, não chegamos lá”
A nível do ensino superior, referiu que “o nosso trabalho é um pouco mais complexo, porque os nossos docentes têm, não só de dominar a área técnica, como igualmente de saber gerir, saber aprender, saber evoluir, saber estudar, de resolver problemas, e nós procuramos muito isso. O nosso ensino procura muito isso, e temos de evoluir sem dúvida alguma, porque se não estivermos perto dos players, se não os formos ouvindo, se não fizermos parcerias, corremos o risco de os alunos saírem das faculdades para o mercado de e pensarem que agora é que vão aprender a atividade real, e que até então tinham estado num ginásio mental, que também é importante, mas não chega”, reconheceu, sublinhando que “a ideia é que saibam pensar, liderar, gerir equipas, que saibam pesquisar/investigar”. Portanto, “se a nossa formação fosse meramente softwares e componentes técnicas, estava obsoleta ao fim de poucos anos, e não valiam nada no mercado”.
Ainda em termos de ensino, “acho que vai haver uma forte revolução porque começam a aparecer também algumas ferramentas muito interessantes que vão permitir revolucionar o nosso modelo, mas também requer que o aluno do ensino superior mude um bocado a sua perspectiva, deixando apenas de chegar lá, ouvir o que temos para dar e estudar o que mandamos, sem se pré-preparar para a aula. Portanto, às vezes, se calhar, temos de começar a treiná-los também no secundário e a pré-prepará-los para este tipo de abordagens”.
Tornar a Escola interessante
Se o ensino evoluiu, a própria escola também o deve fazer, defendeu Pedro Moita, para apontar que “nós temos de agarrar nestas ferramentas e saber transformar-se para que própria escola seja interessante, e acho que estamos a fazê-lo, e estou a falar de Portugal inteiro. Em geral, as universidades portuguesas e os institutos politécnicos estão a conseguir ir acompanhando esta evolução”.
Sendo um formador há muito anos, o coordenador da licenciatura em direção e gestão hoteleira e coordenador da área científica de ciências da informação e informática da ESHTE consegue dar-nos, igualmente, a perspectiva do aluno, e porque escolhe um curso de turismo. “Há alguns que vêm porque já conhecem a realidade da profissão, aqueles cujos pais ou familiares têm negócios turísticos ou trabalham no turismo, esses já têm de facto esse gosto e procuram-nos nesse sentido. Há depois os outros que consideram o turismo “sexy”, atrativo e optam por este tipo de formação, mas existem ainda os que não sabem porque escolheram esta área. No entanto, de um modo geral reagem bem e temos muito poucas desistências por mudança de área, e quando chegam ao ciclo dos mestrados muitos deles optam por se especializar na área que gostaram mais”.
E a própria ESHTE mantem, no geral, uma estreita relação com os seus ex-alunos, embora muitos deles estejam lá fora, o que, no entanto, “não impede, hoje em dia, com as tecnologias, que façamos alguns contactos, disse Pedro Moita.
O docente ressalvou que os alunos que passaram por esta instituição de ensino superior “têm muita procura, completam a sua formação e depois voam, porque se calhar formamos bem, apesar de haver muita coisa a melhorar”, reconheceu, mas “acho que o produto é bom, daí terem muitas portas abertas no mercado de trabalho”. Do ponto de vista dos estágios, que são obrigatórios, também “os nossos alunos estagiam nas melhores instituições e, depois têm uma grande facilidade de evolução para as chefias intermédias e direção de cadeias hoteleiras no estrangeiro”.
“Temos o nosso PRR a funcionar, com várias parcerias, em que vamos tentando também suprir necessidades do mercado nas áreas de alimentos e bebidas, de eventos, da hotelaria, do turismo cultural, bem como uma nova pós-graduação nessa área, subsidiada pelo PRR”
Fuga de talentos… como colmatar!
Igualmente, como formador, como é que vê essa questão da escassez de mão de obra e de retenção de talentos. Como é que esta situação pode ser resolvida? O docente considera que “a imigração tem-nos ajudado, principalmente na restauração e hotelaria, mas precisamos de dar formação a essas pessoas, porque corremos o risco de perder a qualidade e excelência que caracteriza o destino Portugal”.
Adiantou que “não compete diretamente à ESHTE dar essa formação média, não é a nossa praia, uma vez que nós temos de dar as competências de um licenciado ou de um mestre, mas fazemo-la quando nos pedem, no âmbito dos projetos aplicados que já referi”.
Pedro Moita avança que essa formação aos migrantes não deve ser só técnica, mas do próprio português, bem como na área de atendimento e acolhimento, fatores que muitas vezes divergem dos nossos porque são culturas distintas.
“Em termos de ensino superior, a fuga de talentos é preocupante. As chefias intermédias e os diretores começam a ser bem valorizados, mas depois, eles próprios, também não implementam políticas corretas em relação aos seus subordinados, e isto não dá muita estabilidade a estes jovens que, como é óbvio, não saem das universidades diretamente para diretores gerais”, confidenciou, sem esquecer de mencionar que, por exemplo, “se formos ver os RevPars e os ADRs da hotelaria, têm subido de forma exponencial nos últimos anos, e as taxas de ocupação são boas, não se percebe muito bem que não se consiga conquistar estas pessoas”.
A ESHTS também tem tido um papel importante a nível internacional. O docente revela que “temos muitas parcerias, os nossos cursos são todos certificados pela ONU Turismo, bem como vários projetos com instituições de ensino superior estrangeiras, muitos alunos a fazer Erasmus no exterior ou a estagiarem lá fora em muitas unidades hoteleiras, ou seja, cerca de 20% dos nossos alunos fazem estágio internacional”.
Mas, continuou: “Onde ainda não estamos como queríamos é na captação de alunos internacionais, porque, neste momento, arranjar casa no Estoril ou em Cascais, é muito difícil, e daí termos vários candidatos que depois acabam por desistir, aliás, também alunos nacionais de outros pontos do país, pois muitos referem que não conseguem o alojamento, e a ESHTE não dispõe nas suas instalações”.
Refira-se que na base da criação do ESHTE, que foi no âmbito do Inftur e do Ministério da Economia, o Turismo de Portugal é o dono dessas instalações e isso “limitou-nos no nosso PRR. O nosso PRR só pode ser formativo, enquanto outras faculdades, como a Nova, conseguiram investir em alojamento para alunos, nós não porque não somos os donos”. Mesmo assim, “temos um projeto de novas instalações para sermos os proprietários”.
Na opinião de Pedro Moita, “o PRR foi um bom projeto de alojamento estudantil, e que abriu muitas hipóteses às faculdades, mas nós não nos podemos candidatar por aí, o que é pena porque somos a única instituição de ensino superior 100% dedicada a turismo e todos os nossos professores se preocupam por turismo, querem ser sempre um pouco especialistas, vão aos fóruns e investigam esta área, porque nós só temos cursos e formação para turismo, mas paralelamente não conseguimos responder a uma necessidade que temos, que é de construir alojamento próprio para os nossos alunos”, concluiu.