Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: o histórico contributo das mulheres seniores suíças para o combate às alterações climáticas
Nada será como antes, abrindo-se doravante a possibilidade de, para além do próprio TEDH, os tribunais nacionais e o TJUE, desempenharem um papel ativo e determinante no combate às alterações climáticas de molde que Estados e empresas cumpram efetivamente os seus deveres neste crucial domínio para o futuro da humanidade.
1) Introdução: o crescendo de ações climáticas
Nos últimos anos temos assistido a um aumento dos processos judiciais relacionados com as alterações climáticas, através dos quais cidadãos e ou ONGs visam que os tribunais forcem os governos e empresas a desenvolverem ações mais eficazes para proteger o clima.
Esses processos climáticos têm decorrido fundamentalmente perante os tribunais nacionais. O do Tribunal Constitucional Federal Alemão, em 2021, e o do fazendeiro peruano Saul Lliuya contra a gigante de energia alemã RWE são porventura dois dos exemplos mais significativos.
No plano supranacional, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) não inovou como tem feito noutros domínios, frustrando as expectativas ao rejeitar um processo encabeçado pelo português Armando Carvalho visando o pacote climático da UE, alinhando no tradicional diapasão da ausência de prejuízo individual. Os juízes do Luxemburgo apesar de reconheceram que as alterações climáticas afetam os europeus, não reconheceu às 10 famílias da agricultura e turismo que integram o processo (para além de Portugal, França, Itália, Alemanha, Roménia, Quénia, Fiji e Suécia) que sofram consequências diretas e individuais que legitimem o processo judicial.
O passo gigante foi assim dado, não pelos juízes do Luxemburgo, mas pelos de Estrasburgo, no passado dia 9 de abril, como veremos de seguida.
2) Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH): o pioneiro acórdão KlimaSeniorinnen
2.1) Os antecedentes
Foi amplamente noticiada nas últimas semanas, inclusivamente nas televisões, a apresentação de uma queixa, por seis jovens portugueses, ao TEDH, com fundamento em inação de 32 países, dentre os quais Portugal, na luta contra o aquecimento global, a qual porém não teve sucesso.
No entanto, também em 9 de abril, o TEDH condenou, de forma pioneira, a Suíça, acolhendo a queixa da associação suíça Verein KlimaSeniorinnen Schweiz que processou o seu país de origem por medidas insuficientes contra as mudanças climáticas. As requerentes alegaram que as autoridades suíças, apesar das obrigações que lhes são impostas pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, abreviadamente CEDH), não estão a tomar medidas suficientes para mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Na audiência em Estrasburgo, apoiadas pela Greenpeace, a associação de mulheres seniores para a proteção climática (KlimaSeniorinnen), com 2.500 membros em toda a Suíça e uma idade média de 73 anos, argumentaram com a idade avançada dos seus membros, o que as coloca particularmente em risco face às mudanças climáticas, com implicações na sua saúde e condições de vida, maxime em razão das ondas de calor extremas. Em conjunto com a associação KlimaSeniorinnen, quatro dos seus membros, todas elas mulheres com mais de 80 anos, também entraram com processos individuais.
Não foi, porém, a primeira vez que as seniores do clima se bateram nos tribunais. Com efeito, em 25 de novembro 2016, haviam recorrido ao Conselho Federal e a outras autoridades suíças com a tutela do ambiente e energia, exigindo mais medidas de proteção climática, invocando inclusivamente o recentíssimo Acordo de Paris sobre alterações climáticas (COP 21), adotado a 12 de dezembro de 2015, sobretudo a sua meta para controlo do aumento da temperatura bem abaixo de 2ºC em relação à época pré-industrial, e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5°C.
No entanto, a autoridade estatal não aceitou os seus argumentos porquanto nem as mulheres nem o governo eram responsáveis na matéria. Elas não podiam reivindicar direitos em nome da sociedade e, além disso, o seu objetivo não estava focado apenas na Suíça, antes no desenvolvimento do clima mundial, sobre o qual não tinham influência. Pelo que em 25 de abril de 2017, o Département fédéral de l’environnement, des transports, de l’énergie et de la communication (DETEC) declarou a ação improcedente, pela circunstância de as requerentes prosseguirem um interesse público geral, não sendo afetadas nos seus direitos e não podendo, assim, serem consideradas como vítimas.
Posteriormente, em 2018, o Tribunal Administrativo Federal suíço rejeitou uma ação movida pelas seniores do clima, com o fundamento de que as mulheres com mais de 75 anos não são a única categoria de população afetada pelas mudanças climáticas e ainda pela circunstância de não terem provado que os seus direitos foram atingidos de forma diferente da população em geral.
Por fim, dois anos depois, o Supremo Tribunal Federal suíço considerou que não ocorreu relativamente às requerentes uma violação do art.º 8º CEDH.
2.2) A histórica decisão com base nos artigos 8º e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)
O veredicto do TEDH é, assim, histórico em dois aspetos. Em primeiro lugar, como se referiu, os litígios têm ocorrido, sem sucesso, principalmente perante os tribunais nacionais. Em segundo lugar, no plano supranacional embora o TJUE – alguma curiosidade como vai reagir a partir de agora – tenha rejeitado um processo relativo ao pacote climático da UE de 2018 como inadmissível, também não existia até agora uma decisão do TEDH sobre um processo climático na sua plenitude, ou seja, relativamente à questão de fundo, a saber, se a CEDH acolhe a matéria das alterações climáticas.
Aconteceu agora, apoiando-se do art.º 8º da CEDH, aprovada em Roma, em 1950, que sob a epígrafe “Direito ao respeito pela vida privada e familiar” estatui no nº 1: “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.”
Em tribunal pleno, o TEDH, decidindo por uma esmagadora maioria (16 votos contra um), pronunciou-se a favor das “seniores do clima” constatando que o governo suíço não tomou medidas suficientes de proteção climática, o que violou o direito à vida privada e familiar previsto na art.º 8º da CEDH, que consagra o direito a uma proteção efetiva, através das autoridades do Estado, contra os efeitos nefastos e graves da mudança climática sobre a vida, a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida.
Consideram os juízes de Estrasburgo que a Suíça violou as “obrigações positivas” que a CEDH lhe impõe em matéria de mudanças climáticas, apresentando um quadro regulamentar com graves deficiências, designadamente a incapacidade de quantificar, através de um orçamento de carbono ou de outra forma, os limites nacionais aplicáveis às emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e não atingindo as suas metas anteriores de redução das emissões de GEE.
Segundo o TEDH, a natureza específica das alterações climáticas constitui uma preocupação comum da humanidade, sendo que a necessidade de repartir os encargos entre gerações tornam necessário conceder às associações legitimidade para intentar ações na matéria.
Sintomaticamente o TEDH vê a proteção climática como a base dos direitos humanos, considerando que existem “evidências suficientemente confiáveis” de que as mudanças climáticas causadas pelo homem existem e representam uma séria ameaça aos direitos humanos, devendo por isso ser limitado o aquecimento global a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. No entanto, os esforços globais desenvolvidos até agora não foram suficientes para o conseguir, o que constitui um pesado fardo que as gerações futuras, em particular, terão de suportar.
Segundo o TEDH o direito à vida privada previsto no art.º 8º CEDH garante igualmente o direito a uma proteção efetiva contra os graves efeitos das alterações climáticas nas suas vidas, saúde, bem-estar e qualidade de vida. Os juízes consideram a preservação dos recursos naturais como a base para a realização dos direitos humanos. Tal implica a obrigação de as partes contratantes da CEDH tomarem medidas adequadas para atenuar os efeitos das alterações climáticas, implicando que os Estados estabelecessem metas e calendários específicos como parte de um conjunto nacional de regras.
O TEDH vislumbra um “papel fundamental” dos tribunais na luta pela proteção climática e no que diz respeito à Suíça, considerou então que existiam “lacunas críticas” no quadro jurídico nacional, incluindo o facto de as autoridades suíças não terem estabelecido limites nacionais de emissão de gases com efeito de estufa quantificado por um orçamento de CO2. Além disso, o país não atingiu suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa no passado.
Embora tenha afastado liminarmente estudar o caso à luz do art. 2º da CEDH que consagra o direito à vida, o TEDH também considerou, agora por unanimidade, o direito a um processo equitativo nos termos do art.º 6º, nº 1 CEDH, uma vez que os órgãos jurisdicionais suíços tinham julgado inadmissíveis as ações das seniores do clima sem fundamentarem suficientemente que não havia necessidade de examinar o fundo da causa, não tendo em conta os incontroversos dados científicos relativos às alterações climáticas e não levando a sério as ações.
Em suma, os tribunais não levaram em conta as “evidências científicas convincentes das mudanças climáticas”. O Plenário do TEDH enfatizou, assim, o “papel fundamental” que os tribunais desempenham na batalha legal por mais proteção climática, pelo que o acesso à justiça é particularmente importante neste domínio.