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Opinião

Resvés Campo de Ourique

No “outlook” para o segundo semestre de 2024, o comunicado da TAP não faz qualquer menção à doação de 343 milhões de euros que receberá do Orçamento de Estado a 20 de dezembro de 2024. Se a empresa está a dar lucro e se a sua tesouraria está estável, este montante tem mesmo de ser pago?

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Resvés Campo de Ourique

No “outlook” para o segundo semestre de 2024, o comunicado da TAP não faz qualquer menção à doação de 343 milhões de euros que receberá do Orçamento de Estado a 20 de dezembro de 2024. Se a empresa está a dar lucro e se a sua tesouraria está estável, este montante tem mesmo de ser pago?

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

400 mil euros – este é o lucro comunicado pela TAP relativamente ao primeiro semestre do ano. Comparando com os resultados do primeiro semestre de 2023, caiu 98%, ficando reduzido ao preço de um T1…em Campo de Ourique? Esta comparação ilustra bem a realidade financeira que a TAP enfrenta atualmente. Mas este semestre foi atribulado para a aviação global, com resultados bastante dispares. Os problemas na Boeing afetaram as contas das companhias americanas; a desvalorização do real prejudicou as companhias brasileiras; a Ryanair perdeu quase 50% de lucro no segundo trimestre; a easyJet regressou aos lucros graças à sua unidade de operação turística (easyJet holidays); o grupo Air France-KLM perdeu 30% do lucro; a Lufthansa registou prejuízos e lançou-se num programa de reestruturação, enquanto o grupo IAG conseguiu manter a sua trajetória. Perante este panorama, os resultados da TAP, embora modestos, são um alívio para os contribuintes. Mas vale a pena compreender melhor as entrelinhas. O grande motor de crescimento da companhia foi o negócio da Manutenção & Engenharia, com um aumento de receita na ordem dos 37%. Neste ponto, fica a dúvida: será que a TAP começou a utilizar mais os seus próprios serviços internos em vez de contratar outros mais caros no estrangeiro? Em caso afirmativo, isso pode indicar a intenção de otimizar os recursos internos como forma de reduzir os custos. No que toca à tarifa média, e contrariamente ao que se passou com os seus voos intercontinentais, esta aumentou nos voos europeus da TAP, contrariando a tendência nalgumas congéneres. Não se explica se esse aumento se deve à tarifa em si ou ao aumento das vendas de serviços nesses voos (upgrades, bagagem, comida, bebida, assento, etc.). Em todo o caso, a falta de slots em Lisboa e o peso dos voos europeus nas contas da companhia – representam cerca de 70% da operação – explicam a forma como a TAP se consegue manter competitiva na capital, ao contrário dos seus voos europeus à partida de Faro ou do Porto, onde perdeu a batalha. Isto significa, na prática, que num aeroporto sem restrições, esta TAP provavelmente teria problemas acrescidos. Isto significa também que os lisboetas (e quem viaja para Lisboa) pagam mais caro pelos seus bilhetes de avião. Por último, este comunicado reconhece, enfim, que o maior problema dos custos operacionais não eram os salários, mas sim a má gestão operacional anterior, caracterizada por muitos atrasos, irregularidades e compensações. O uso descontrolado de alugueres ACMI (Aircraft, Crew, Maintenance, and Insurance) durante a gestão de Christine Ourmières-Widmer também inflacionou os custos. É evidente que era aqui – e não nos salários – que se deveria ter começado a corrigir no pós-pandemia, o que revela falhas graves da gestão anterior que preferiu diabolizar a sua força humana.

Para o segundo semestre de 2024, prevê-se que a pressão sobre a tarifa média continuará, em particular no longo curso com as companhias aéreas europeias a redirecionarem a sua capacidade da Ásia para as Américas, de Israel/Líbano/Jordânia para o Sul da Europa e para Cabo Verde, como é o caso da estreia dos voos da easyJet para o Sal à partida de Lisboa e do Porto. Por outro lado, e apesar do impacto negativo do Real nas contas da empresa, a TAP decidiu apostar ainda mais no mercado brasileiro com a abertura de duas novas rotas – uma muito longa para Florianópolis e outra para Manaus que envolve uma escala com uma ocupação parcial do avião a 50% da sua capacidade – altamente dependentes das vendas lá, ou seja, mais vendas em Reais e maior exposição à volatilidade cambial dessa moeda…os contribuintes portugueses terão de esperar para ver qual o resultado deste investimento de risco.

Chegados aqui, não será certamente este lucro – marginal, circunstancial e em constante mutação – que influenciará um processo tão complexo como o da privatização. Os acionistas dos grandes grupos aeronáuticos têm outras preocupações para além do lucro. Por exemplo, a Alitalia teve de falir e renascer como ITA Airways para ser comprada pela Lufthansa porque era impossível chegar a bom termo com o Estado italiano; já a SAS, uma companhia cronicamente problemática, foi adquirida pelo grupo Air France-KLM graças às garantias jurídicas e institucionais dos países escandinavos que oferecem um ambiente estável e favorável para os investidores. A instrumentalização partidária permanente da TAP para negociatas, armadilhas e ambições eleitoralistas, as incertezas estratégicas governativas e a falta de um ambiente regulatório estável em Portugal é aquilo que mais penalizará o preço ou aquilo que afastará potenciais interessados na TAP. Voltando ao nosso T1 em Campo de Ourique, alguém o compraria se o vendedor nos proibisse mudar a decoração ou fazer obras? O mais provável seria desistirmos da compra ou pedirmos um desconto significativo…ou procurarmos outro T1 num bairro vizinho. No caso da aviação, a Air Europa, uma companhia privada espanhola muito idêntica à TAP, está à venda – com muito menos restrições do que a TAP e com acionistas que pensam como tal.

No “outlook” para o segundo semestre de 2024, o comunicado da TAP não faz qualquer menção à doação de 343 milhões de euros que receberá do Orçamento de Estado a 20 de dezembro de 2024. Se a empresa está a dar lucro e se a sua tesouraria está estável, este montante tem mesmo de ser pago? Para quê? Afinal, onde estão as “cativações” quando mais precisamos delas?! Uma resposta que terá de aguardar por um próximo relatório da IGF.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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