O último ‘hub’ do deserto
A afirmação da Royal Air Maroc como a 4ª maior companhia africana e a sua ascenção global através da adesão à aliança oneworld, está a transformar Casablanca num hub aéreo de referência, a escassos 500 quilómetros de Lisboa, mais perto do que Madrid.
![Pedro Castro](https://backoffice.publituris.pt/app/uploads/2022/02/Pedro_Castro-120x120.jpg)
Mesmo aqui ao lado, mas sempre encoberto por aquela névoa do sebastianismo que nos separa há séculos, Marrocos surge cada vez mais como um ponto de convergência da aviação mundial. A afirmação da Royal Air Maroc como a 4.ª maior companhia africana e a sua ascensão global através da adesão à aliança oneworld, está a transformar Casablanca num hub aéreo de referência, a escassos 500 quilómetros de Lisboa, mais perto do que Madrid.
A decisão estratégica da Ryanair no sentido de aumentar a sua operação em Marrocos em mais de 20% este Verão – inclusivamente recorrendo a aviões anteriormente baseados na Madeira e nos Açores – juntamente com a decisão governamental de abrir as rotas domésticas transversais à concorrência é o reflexo de um novo ambiente jurídico-comercial favorável ao setor aeronáutico que se pretende robusto e diverso para acolher o Copa do Mundo de 2030. Já no que toca à companhia de bandeira, a Royal Air Maroc, o foco é cada vez mais na operação à partida de Casablanca que não é nem capital, nem ponto turístico relevante do país. Com uma posição geográfica privilegiada e uma política agressiva de preços, aliada a uma generosa franquia de bagagem de porão incluída em todas as suas tarifas intercontinentais, a Royal Air Maroc já conquistou uma fatia significativa do mercado de Portugal para Bissau, Cabo Verde e Angola com apenas uma breve escala e troca de avião no aeroporto Mohammed V. Os planos ambiciosos da Royal Air Maroc incluem a intenção de quadruplicar a sua frota até 2030 com um concurso público para aquisição de novas aeronaves lançado no início de abril. Com uma frota de 200 aviões prevista para a próxima década, a companhia pretende colocar Marrocos no xadrez mundial do continente com a maior desproporção entre população e passageiros aéreos, mas para isso acontecer os acordos aéreos bilaterais com vários países africanos terão de ser flexibilizados. Os políticos marroquinos consideram estratégico utilizar a Royal Air Maroc para aproveitar a localização geográfica única (?) do país na bissetriz de vários continentes, com um mercado turístico fervilhante, num país seguro e com ótimo tempo o ano todo. Para além dos tradicionais voos para a Europa e América do Norte, este aumento de frota permitirá à companhia iniciar voos para a Ásia e para a América do Sul. Tudo isto soa demasiado familiar para nós, portugueses, porque, à falta de imaginação, vários são os países e governantes que pretendem transformar as suas infraestruturas em placas giratórias mundiais da economia de transporte. As contas ao valor acrescentado desse investimento e à probabilidade de obter resultados líquidos positivos far-se-ão muito depois e já nenhum destes decisores estará cá para prestar contas ou assumir responsabilidades. Apesar de tudo, a política pública de Marrocos vai distribuindo as “fichas” desta sua estratégia: já tem uma linha de comboio de alta velocidade desde 2018, aposta nas ligações diretas sem passar por hub entre cidades secundárias dentro do país e entre estas e os mercados emissores mais importantes e planeia construir uma ligação ferroviária com Espanha (e com a Europa) através de um túnel marítimo…antes de 2030. É em toda esta intermodalidade e variedade de cenários alternativos com vários agentes económicos dedicados a diferentes áreas do mesmo negócio que certamente residirá a garantia de sucesso…pelo menos, parcial: algo, no meio de tudo isto, funcionará.
E se no final da história – depois de termos salvo a TAP, depois de termos construído um mega aeroporto transcontinental e os seus caros acessos – nos disserem que, afinal, Lisboa não é a última Coca-Cola do deserto?! Nem falo de Madrid…é que se há alguém que conhece bem o deserto, são os marroquinos.
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