O silêncio dos culpados
Reforçando o seu papel de metrópole negligente, o poder central nunca se importou com o que realmente se passa no Algarve.
Em 2013, numa entrevista de apresentação do filme “O Mordomo da Casa Branca”, perguntavam a Oprah Winfrey se alguma vez tinha sido chamada de “preta” (“nigger” em inglês). Hoje em dia, o racismo não se exprime apenas assim e para o exemplificar, Oprah relatou, pela primeira vez, o incidente que vivenciou numa loja de luxo em Zurique, na Suíça, onde não foi reconhecida. Oprah, que estava na cidade para o casamento de Tina Turner, entrou numa boutique de luxo e pediu para ver uma mala de senhora que valia cerca de 38 mil dólares. A funcionária da loja recusou-se a mostrar-lhe aquela bolsa alegando que era “demasiado cara” para ela.
O episódio ficou conhecido como o momento “Pretty Woman” de Oprah numa clara alusão à situação retratada naquele filme dos anos 90 em que Julia Roberts foi discriminada numa boutique de Beverly Hills. Até então desconhecido das autoridades, o relato deste episódio gerou uma enorme repercussão mediática e institucional. A direção do Turismo da Suiça, do Turismo de Zurique, a presidente da câmara de Zurique e a própria loja, todos vieram expressar as suas mais profundas desculpas pelo ocorrido. O caso levantou debates sobre o racismo institucional e destacou a importância de identificar as formas subtis e menos óbvias como ele se exprime na nossa sociedade. Nenhuma entidade se esquivou à responsabilidade de discutir e enfrentar este tema.
O aeroporto de Faro foi inaugurado em 1965 e rapidamente se tornou no segundo mais importante do país. Só a partir desse momento é que se começou a desenvolver verdadeiramente o turismo no Algarve, uma região agrícola e piscatória, até então considerada demasiado difícil de aceder pelos turistas. Já sem as suas colónias, o poder de Lisboa trocou a ditadura pela democracia, mas não abdicou do seu caráter centralizante e empobrecedor das regiões que considera subalternas e transformou o Algarve numa montra para captar divisas dos turistas. Reforçando o seu papel de metrópole negligente, o poder central nunca se importou com o que realmente se passa no Algarve.
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Em 2022, na mais recente manifestação de ausência de qualquer política pública e como prova de um poder político entregue à economia do turismo e dos seus agentes, a ex-Secretária de Estado do Turismo anunciou ir buscar 50 mil trabalhadores para o turismo a países como Marrocos, Cabo Verde e Brasil. Se o Banco de Portugal nos diz que o turismo representa uma fatia considerável do nosso produto interno bruto e que nos traz “riqueza”, já o INE aponta o Algarve, a região mais turística de Portugal, como uma das mais pobres para quem lá reside. Sinal de que a riqueza do turismo, se estiver a ser efetivamente criada, não está a ser retida na região, nem na sua população. Este é, na realidade, um dos maiores dilemas do turismo e por isso é que a intervenção pública é tão essencial para equilibrar o seu impacto.
Perante isto, o voto de protesto dos Algarvios – tradicionalmente orientado para a esquerda radical que, por alguma razão, é bem tolerada e até considerada “nobre” em Portugal – este ano aterrou no Chega. Se a história de Oprah Winfrey foi considerada uma tragédia, será que a triplicação dos votos no Chega em apenas dois anos no Algarve é apenas uma estatística? Se medirmos pela reação das entidades turísticas de Portugal, todas parecem ter seguido a metodologia estalinista. Nem uma palavra. Imagino só o ambiente hostil entre trabalhadores do turismo de diferentes origens no Algarve e como isso se refletirá sobre os turistas este Verão, em particular os Britânicos de origem paquistanesa, os Franceses de origem magrebina ou Holandeses do Suriname. No dia seguinte às eleições, qual era então a grande preocupação da Confederação do Turismo de Portugal, da AHP, entre outros? O “novo” aeroporto de Lisboa, claro! Com a mesma receita Algarvia, pretende-se forrar cada prédio da capital com hotéis e lojas de souvenir, transformar cada jovem em rececionista ou motorista de tuk tuk e tornar o país numa grande pista de aviação transcontinental – como se a ambição dos outros países fosse a de ver os “seus” passageiros voarem “via Lisboa”.
Onde é que esta gente quer CHEGAr?!