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Opinião

Não nos SAFamos

Um “hub” é um aeroporto com um tráfego aéreo muito superior àquele que a sua região gera e necessita e isso acontece pela existência de uma ou mais companhias aéreas que o utilizam apenas para transferir pessoas de um avião para outro, como se daí se extraisse um benefício maior do que o prejuízo que essa atividade gera.

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Não nos SAFamos

Um “hub” é um aeroporto com um tráfego aéreo muito superior àquele que a sua região gera e necessita e isso acontece pela existência de uma ou mais companhias aéreas que o utilizam apenas para transferir pessoas de um avião para outro, como se daí se extraisse um benefício maior do que o prejuízo que essa atividade gera.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

Existem momentos na História em que somos julgados. Nós próprios e por quem mais amamos.

Aconteceu isso na minha família alemã no Natal de 1993. Sentados à mesa da Ceia e, saltando o silêncio a que a geração dos filhos se tinha habituado, os netos já em idade semi-adulta perguntaram nessa noite as razões do segredo que já se conhecia: “Avô, por que razão combateste ao lado dos nazis? Como foi possível não teres feito parte da resistência? Como é que achaste que aquilo estava certo?” As justificações do ex-soldado raso interrogado por quem menos esperava foram imensas e emotivas, mas para quem o escutava, quase cinquenta anos depois dos factos, continuavam a ser incompreensíveis. A juventude alemã – a dos anos 90 e a de agora certamente também – carrega o estigma de todo este passado recente e como é habitual nas crianças e adolescentes a pergunta mais frequente é: “porquê?”

À medida que vamos destruindo e contaminando habitats, paisagens, oceanos e o próprio ar, levando à extinção espécies animais e vegetais; à medida que cada um de nós integra à sua maneira toda uma cadeia de ações e pressões que causam e estimulam o desequilíbrio; à medida que não damos o menor sinal de resistência e que marchamos lado a lado com aquilo que manchará, em tantos aspetos, a sobrevivência da vida no planeta…se algum dia durante a nossa vida nos perguntarem “porquê?”, convém estarmos preparados para esse julgamento de quem nos está mais próximo. A verdade é que nunca mais houve um Natal “normal” a seguir a esse.

Aviões a hidrogénio – a Airbus arquivou os estudos sine die; aviões elétricos – as empresas que os desenvolvem estão a ficar sem dinheiro para prosseguir e para escalarem a produção e, para além disso, ainda falta a dura aprovação regulatória; e o SAF? O famoso Sustainable Aviation Fuel que a IATA prometeu, no inicio do século, chegar aos 10% do fuel utilizado mundialmente em 2017, hoje não representa sequer 1%… Perante a trajetória da aviação, com a previsão de duplicação do atual número de passageiros aéreos planetários daqui a 20 anos, mais valia termos ficado lá atrás nos anos do pós-guerra: aviões muito poluentes, é certo, mas com um tráfego aéreo reduzido que continha essa poluição a níveis totais muito inferiores aos que infligimos hoje e que piorará ainda mais nas próximas décadas porque não estamos a fazer rigorosamente nada para mudar. Toda esta mudança tem de ser muito mais apoiada e procurada por quem está dentro da indústria e por quem toma as decisões políticas. No caso aeronáutico português essa mudança poderia muito bem ser: não construir o “novo” aeroporto pensado nos anos 60 do século passado; promover Lisboa como um ponto de destino final e de partida de origem e não como um “hub” para o qual se necessita de um aeroporto e de uma companhia aérea de dimensões totalmente desproporcionais às necessidades de “incoming” e “outgoing” do nosso mercado. Um “hub” é um aeroporto com um tráfego aéreo muito superior àquele que a sua região gera e necessita e isso acontece pela existência de uma ou mais companhias aéreas que o utilizam apenas para transferir pessoas de um avião para outro, como se daí se extraisse um benefício maior do que o prejuízo que essa atividade gera. Precisamos investir parte desse dinheiro público em mobilidade ecológica ou habitação energeticamente auto-suficiente e já agora em investigação tecnológica escalável nessas duas áreas para citar apenas dois exemplos que decorrem da competência do ministério que tutela estes dossiers. Como, por culpa nossa, nada disto vai acontecer, preparem-se para as perguntas. Desta vez, não vamos assistir ao compasso de espera de uma geração bem comportada e calada. E, contrariamente ao que se diz por aí, nem sempre nos conseguimos SAFar.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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