Greenwashing: as recentes condenações da KLM e da TUI
Os tribunais e os reguladores apontam a necessidade de evidenciar as medidas para a descarbonização, devendo a publicidade das empresas observar padrões rigorosos de precisão, clareza e transparência de molde a não enganar os consumidores. Não basta afirmar, há que demonstrar.
- Justiça climática
Sustentabilidade e proteção do clima são matérias que deixam rapidamente o campo do marketing para serem objeto do escrutínio dos tribunais, com as associações de cidadãos a impulsionarem sucessivas ações judiciais.
No âmbito das ações climáticas, pontifica a histórica decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em 9 de abril, referida em anterior artigo do Publituris. Uma associação de mulheres idosas pelo clima (KlimaSeniorinnen), perante as consequências do aquecimento global para a saúde e condições de vida, especialmente para os mais idosos, obteve a condenação da Suíça mercê da inação estatal no domínio climático. Em causa, o não cumprimento as obrigações positivas decorrentes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, maxime o seu artigo 8.º (respeito pela viva privada e familiar) apresentando a legislação helvética lacunas graves, designadamente a incapacidade das autoridades suíças em quantificarem, mediante um orçamento de carbono ou por outra forma, os limites nacionais aplicáveis às emissões de gases com efeito de estufa (GEE).
Para além desta icónica ação climática, certamente precursora de muitas outras, até porque os juízes de Estrasburgo não deixaram de apontar o importante papel que os tribunais têm a desempenhar neste importante domínio, importa também atentar em duas ações em matéria de greenwashing, ou seja, a apresentação de produtos ou serviços como amigos do ambiente, mediante alegações exageradas ou enganosas, explorando as preocupações ambientais do público consumidor.
- KLM
A primeira ação, envolvendo a KLM, conheceu o seu epílogo em 20 de março último, a segunda, ainda suscetível de recurso, o resultado foi conhecido nos primeiros dias de agosto condenando a TUI Cruises (uma joint-venture da TUI com a Royal Caribbean).
A indústria aérea sob pressão para reduzir as suas fortes emissões e contribuir para um combate efetivo às alterações climáticas, adotou diversas iniciativas no domínio da sustentabilidade. Surgiram, porém, preocupações sobre a autenticidade de afirmações produzidas nesse domínio que motivaram intervenção judicial, neste caso impulsionada pela associação ClientEarth.
O Tribunal Distrital de Amesterdão considerou que as afirmações ambientais da KLM, como a “criação de um futuro mais sustentável” e a promoção do seu “compromisso com os objetivos climáticos do Acordo de Paris”, bem como permitir aos clientes “compensar” o impacto climático dos seus voos, eram enganadoras e, consequentemente, ilegais. O tribunal considerou que a “KLM pinta um quadro demasiado otimista” sobre as medidas que está a tomar para reduzir as suas emissões, como a utilização de mais biocombustíveis ou a plantação de árvores só que “estas medidas apenas diminuem marginalmente os impactos ambientais e dão a ideia errada de que voar com a KLM é sustentável”.
A decisão constitui um precedente jurídico significativo na aviação internacional logo numa altura em que os reguladores estão a examinar mais de perto as afirmações ambientais, servindo de referência para as companhias aéreas relativamente ao que podem afirmar publicamente sobre os seus esforços para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.
Pouco tempo depois, no início de maio, a Comissão Europeia, perante as insistentes denúncias do Bureau Européen des Unions de Consommateurs (BEUC), que agrupa as maiores associações de consumidores, dentre as quais a DECO, iniciou uma investigação em matéria de greenwashing, abrangendo 20 companhias aéreas.
- TUI Cruises
A decisão do Tribunal Regional de Hamburgo, de 9 de agosto de 2024, decorre de uma injunção, nos termos do direito da concorrência, apresentada por uma associação de consumidores contra a TUI Cruises. Em causa, alegada publicidade enganosa, decorrente da meta anunciada no seu site “Operação de Cruzeiro Descarbonizado 2050 (Net-Zero)” no âmbito da sua estratégia de sustentabilidade, surgia a afirmação de que até 2050, operaria cruzeiros descarbonizados. No entender da associação isso consubstanciava um engano, porquanto a empresa não forneceu detalhes suficientes sobre como iria conseguir tal objetivo, particularmente no que diz respeito à utilização continuada de GNL, um combustível fóssil, e à falta de informações claras sobre as medidas compensatórias.
Embora o tribunal não o refira, trata-se de uma iniciativa que remonta a 2022, sob a égide da respetiva associação, a Cruise Lines Internacional Association (CLIA), traduzida no compromisso em 2050 a indústria dos cruzeiros ser Net-Zero, ou seja, qualquer emissão de GEE ser compensada por ações que removem uma quantidade equivalente de carbono da atmosfera.
O tribunal considerou que tal publicidade era enganosa pela circunstância de o cronograma apresentado pela TUI não fornecer detalhes suficientes sobre como realisticamente alcançaria o declarado objetivo de descarbonização até 2050, sobretudo em termos de medidas compensatórias e da utilização de GNL renovável (E-LNG) em vez de GNL fóssil. Consequentemente a campanha não podia prosseguir nesses moldes, a menos que a empresa forneça detalhes mais claros sobre como pretende atingir o objetivo, sobretudo o papel das medidas compensatórias.
Os juízes de Hamburgo consideraram que a referida publicidade poderia induzir os consumidores em erro, criando a impressão de que o objetivo da TUI de uma operação de cruzeiro descarbonizada até 2050 seria alcançado sem a contínua necessidade de medidas compensatórias. Enfatizaram, ainda, que as afirmações ambientais nos anúncios devem observar rigorosos padrões de precisão, clareza e transparência para evitar enganar os consumidores.
Alertam os juízes para a ambiguidade dos termos “descarbonizado” e “Net-Zero” que podem levar os consumidores a acreditar que as operações da TUI estariam completamente isentas de emissões de carbono até 2050, sem necessidade de quaisquer medidas compensatórias. Com efeito, daqueles termos podem resultar diferentes realidades: a prevenção completa das emissões de CO2 ou um resultado equilibrado obtido através de medidas compensatórias.