Retrospetiva das principais intervenções do legislador europeu em matéria de turismo em 2023
São várias as iniciativas legislativas da União Europeia em matéria de turismo no ano anterior. Vamos passá-las em breve revista.
1) Primeiro semestre
Atendendo a que o Regulamento (UE) 2021/782, relativo aos direitos e obrigações dos passageiros dos serviços ferroviários, passou a ser aplicável em 7 de junho, a primeira iniciativa da Comissão ocorre logo em 18 de janeiro, visando criar o indispensável formulário normalizado para pedidos de reembolso ou de indemnização pelas empresas ferroviárias em caso de cancelamento ou atraso dos serviços ferroviários.
Segue-se, em 5 de abril, uma iniciativa para criar um formato comum para os documentos de viagem digitais de molde a facilitar as viagens, seguida por outra, em 31 de maio, sobre novas especificações para os serviços de informação relativos a viagens multimodais à escala da UE que culmina, em 29 de novembro, com uma proposta de Regulamento Delegado.
Em 27 de junho progride-se na área da proteção dos consumidores nos casos de cancelamento de voos, vinculando, após diálogo com a Comissão e autoridades nacionais, as maiores online travel agencies (Edreams ODIGEO, Etraveli Group e Kiwi.com) a proceder ao respetivo reembolso no prazo de 14 dias.
2) Segundo semestre
Em 28 de agosto, no âmbito do Programa a favor do mercado interno, foi divulgada outra fase do projeto Crisis Management and Governance in Tourism que visa melhorar a governação do ecossistema turístico da UE, tornando-o mais resiliente e melhor preparado para resistir, gerir e mitigar crises.
Uma Resolução do Parlamento Europeu sobre dimensões padronizadas para bagagem de mão, foi aprovada em 4 de outubro. Os deputados europeus fazem notar o que o Tribunal de Justiça da União Europeia já determinou que a bagagem de mão constitui um aspeto necessário do transporte de passageiros e, desde que cumpra os «requisitos razoáveis» em termos de peso e dimensões, o seu transporte não pode ser sujeito a um suplemento de preço. A principal preocupação dos passageiros reside na incoerência das políticas relativas à franquia de bagagem de mão entre as diferentes companhias aéreas, sendo que a liberdade tarifária não inclui o preço da bagagem de mão. Pelo que se impõe a harmonização a nível da UE dos requisitos relativos ao tamanho, peso e tipo de bagagem de mão e de check-in para todas as companhias aéreas que operam na União Europeia, o que aumentará a transparência e a proteção do consumidor.
Segue-se, em 17 de outubro, a adoção pela Comissão de uma proposta de revisão do quadro da Resolução Alternativa de Litígios de consumo (RAL), com uma importante aplicação no sector do turismo, através de duas propostas legislativas, a primeira alterando a atual Diretiva RAL (Diretiva 2013/11/UE), a segunda para revogar o Regulamento RLL (Diretiva 2009/22/CE), e ainda uma recomendação dirigida aos mercados em linha e às associações profissionais da UE que dispõem de um mecanismo de resolução de litígios bem como aos Estados-Membros.
A EU Ecolabel Tourist accommodation, visando assegurar que o alojamento certificado otimiza a gestão ambiental e de resíduos, reduz o consumo de energia, o consumo de água, as emissões dos transportes e o desperdício alimentar, regista em 18 de outubro mais um avanço.
Em 24 de Novembro, outra iniciativa da Comissão Europeia, o Painel de avaliação do turismo na UE, fornecendo uma panorâmica dos indicadores que são organizados no âmbito dos pilares das políticas ecológica, digital e socioeconómica do ecossistema do turismo europeu.
Duas propostas aguardadas com grande expectativa, são publicadas em 29 de novembro, uma relativa aos direitos dos passageiros do transporte aéreo com alterações, entre outros, no Regulamento (CE) 261/2004, a segunda relativa às viagens organizadas e serviços de viagens conexos, com várias mexidas na Diretiva (UE) 2015/2302.
2.1) Direitos dos passageiros do transporte aéreo
É introduzido um novo artigo 8a sobre os direitos reembolso para reservas através de um intermediário, caso típico de uma agência de viagens tradicional ou online. Quando os passageiros tenham reservado através de um intermediário o transportador tem uma série de obrigações, designadamente: a) fornecer informações claras ao passageiro sobre o processo de reembolso, b) garantir que o reembolso através do intermediário não terá quaisquer encargos, e ainda c) indicar que concorda em processar reembolsos através de intermediários.
Caso os intermediários tenham efetuado pagamentos às transportadoras, o processo de reembolso obriga a transportadora a reembolsar o intermediário no prazo de sete dias, numa única transação, pelo mesmo método utilizado para a reserva. No entanto, se o passageiro não receber o reembolso no prazo de 14 dias, a transportadora operadora terá sete dias após receber os dados de pagamento do passageiro para operar o reembolso diretamente.
De harmonia com o novo artigo 15a, as transportadoras devem estabelecer padrões de qualidade de serviço que incorporem pelo menos informações sobre atrasos ou cancelamentos de voos, tratamento de reclamações, limpeza do transporte e das instalações do terminal (como a qualidade do ar), adesão aos padrões da indústria sobre peso e dimensões da bagagem de mão e os resultados de pesquisas de satisfação do cliente.
Devem ainda as transportadoras monitorizar o seu desempenho em relação aos padrões de qualidade de serviço e publicar no seu site um relatório sobre o cumprimento a cada dois anos.
As entidades gestoras aeroportuárias devem estabelecer padrões de qualidade de serviço e fornecer acesso ao seu desempenho às autoridades públicas nacionais, mediante solicitação.
Será introduzido um formulário normalizado para indemnizações e reembolsos, a disponibilizar em todas as línguas da União, e um formato acessível às pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida (novo artigo 16aa). No entanto, as transportadoras operadoras e os intermediários não poderão rejeitar um pedido apenas com o fundamento de que um passageiro não utilizou tal formulário, o que equivale a dizer que não tem caracter obrigatório.
2.2) Viagens Organizadas
No art.º 1º adita-se que a diretiva passará a abranger para além das relações entre organizadores, retalhistas e viajantes certos aspetos dos contratos entre organizadores de viagens organizadas e os prestadores de serviços. Um desses aspecos, porventura o mais relevante, é logo esclarecido no art.º 2º, estabelecendo-se a aplicação do protetor quadro europeu, para além dos viajantes também abrange os direitos de reembolsos dos organizadores contra prestadores de serviços de viagem, designadamente companhias aéreas e hotéis, em caso de cancelamento ou da não prestação de um serviço que integre uma viagem organizada (art.º 2º, nº 1).
Entre os conceitos de viagem organizada e de serviços de viagem conexos surgem permutações que carecem de uma análise mais fina, por exemplo, uma nova categoria viagem organizada quando outros tipos de serviços de viagem são reservados dentro de 3 horas após o viajante concordar em pagar pelo primeiro serviço de viagem.
Na combinação de um serviço de viagem principal (alojamento, transporte ou rent-a-car) com um secundário (golfe, spa, espetáculo) explicita-se no artigo o que já decorria do preâmbulo, mais propriamente no considerando 18, que atingindo 25% corresponde à proporção significativa do valor da combinação.
Uma inovação significativa decorre de um novo artigo 5º-A no qual, excetuando os click trough-packages e as viagens organizadas reservadas menos de 28 dias antes do início, o organizador ou o retalhista não pode solicitar adiantamentos superiores a 25% do preço total do pacote e não solicitará o pagamento restante antes de 28 dias do início da viagem.
No entanto, o organizador ou, se for caso disso, o retalhista pode solicitar pagamentos iniciais mais elevados quando tal for necessário para garantir a organização e o desempenho do package holiday. Os adiantamentos podem cobrir pagamentos antecipados a prestadores de serviços incluídos no pacote e custos incorridos pelo organizador, ou, se for caso disso, pelo retalhista, especificamente em relação à organização e execução do pacote, na medida em que seja necessário para cobrir esses custos no momento de reserva.
Nos reembolsos avulta a responsabilidade do organizador e do retalhista. Um dos elementos que deverá constar do contrato de viagem organizada é o que o organizador é responsável por quaisquer reembolsos devido à rescisão ou alteração de um contrato, bem como o reformulado Anexo I com informação mais completa e acessível.
As causas de rescisão do contrato de viagem organizada são ampliadas, designadamente no nº 2 do art.º 12º também se consideram as ocorridas no local de residência ou de partida do viajante ou que perturbem a viagem até ao destino, sempre que tais circunstâncias afetem a execução do package.
Além disso, é aditado um novo artigo 3º-A. Alertas oficiais contra viagens para um determinado destino emitidos pelas autoridades do Estado-Membro de partida ou de residência do viajante ou do país de destino, ou o facto de os viajantes estarem sujeitos a restrições graves no destino de viagem ou no Estado-Membro de residência ou partida após o regresso da viagem ou férias, são elementos importantes a ter em conta na avaliação da justificação de uma rescisão do contrato com base no n.º 2 e no n.º 3, alínea b).
No nº 4 adita-se que o organizador efetuará os reembolsos independentemente de o viajante os solicitar especificamente.
Sempre que os Estados-Membros introduzam ou mantenham mecanismos destinados a garantir que os reembolsos aos viajantes sejam efetuados dentro do prazo estabelecido no primeiro parágrafo, após a rescisão dos contratos de viagens organizadas em conformidade com os n.ºs 2 e 3, informarão a Comissão e o órgão central pontos de contacto dos outros Estados-Membros, referidos no artigo 18.º, n.º 2, sobre esses mecanismos. Qualquer cofinanciamento de tais mecanismos pelos Estados-Membros só é possível em circunstâncias excecionais e devidamente justificadas e está condicionado à aprovação ao abrigo das disposições da União em matéria de auxílios estatais.
Aos vouchers é consagrado um novo artigo 12.º-A, disciplinando pormenorizadamente a matéria.
2.3) Outras iniciativas do segundo semestre
Em 30 de Novembro foi publicada a periódica Lista de segurança aérea da UE, desdobrada em dois anexos, o A que inclui todas as companhias aéreas proibidas de operar na Europa e o B relativo às que estão proibidas de operar sob determinadas condições.
Em 6 de dezembro a proposta de alteração da Diretiva UE 2015 /637 relativa a medidas de coordenação e cooperação para facilitar a proteção consular dos cidadãos da União não representados em países terceiros e da Diretiva 2019/997 que cria um título de viagem provisório da UE. Os cidadãos da União que viajem ou residam num país terceiro cujo Estado-Membro de nacionalidade não seja representado por uma embaixada ou consulado têm direito à proteção das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer outro Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado-Membro Estado. Este direito de cidadania da União, estabelecido pelo Tratado de Maastricht, está consagrado nos artigos 20.º, n.º 2, alínea c), e 23.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e no artigo 46º Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Dentre um conjunto significativo de alterações destaca-se um novo artigo sob a resposta a crises determinando que a União e os Estados-Membros cooperarão estreitamente para garantir uma assistência eficiente aos cidadãos não representados. Sempre que possível, informar-se-ão mutuamente, em tempo útil, sobre as capacidades de evacuação disponíveis, inclusive no caso de operações que utilizem meios militares.
Mesmo no final do ano, a decisão de execução da Comissão de 21 de Dezembro relativa ao Programa a favor do Mercado Interno para 2024-27, estabelecendo a promoção de produtos turísticos transeuropeus em países terceiros, a levar a cabo primacialmente através da European Travel Commission (ETC), reforçando a imagem da Europa como um destino turístico seguro apesar da guerra na Ucrânia. Continuando a apoiar recuperação do turismo em toda a EU, designadamente a nível regional, manter a quota do turismo da UE no mercado mundial, dispersar melhor e diversificar (em termos geográficos e sazonais) os fluxos de viajantes, atendendo às aspirações dos residentes. Através da Direção-Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME (GROW) prevê-se um plano para a integração do clima e da biodiversidade o qual deverá contribuir para um turismo mais sustentável/responsável, bem como ofertas turísticas diversificadas, tentando equilibrar a sazonalidade e induzindo o slow tourism.