“A tecnologia [no setor do turismo] deve ser o facilitador e não a finalidade”
Presente em mais uma edição da BTL, o NEST leva à feira 30 startups que representam várias áreas de atuação e nas quais o Centro de Inovação do Turismo vê capacidades para participar no turismo. Roberto Antunes, diretor-executivo do NEST, admite que “a tecnologia [no setor do turismo] deve ser o facilitador e não a finalidade”.
Victor Jorge
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A menos de um mês do arranque da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL) 2023, o Publituris conversou com Roberto Antunes, diretor executivo do NEST – Centro de Inovação do Turismo, que salienta que o setor de turismo “sempre se destacou dos demais pelo uso e avanço de tecnologia”. Contudo, reconhece que “talvez muita da oferta precise de capitalizar sobre os predicados da digitalização”.
A tecnologia assumiu com a pandemia uma relevância extrema para o setor do turismo global, tendo-se verificado um aceleramento dos processos de digitalização. Em que estado estava o setor do turismo pré-pandemia e que evolução houve no que toca à tecnologia/digitalização no setor do turismo em Portugal?
O setor de turismo sempre se destacou dos demais pelo uso e avanço de tecnologia, nomeadamente, em dados e processos, que percorrem os sistemas de pesquisa, booking e aquisição de viagens e que concertam vários verticais, uma enorme complexidade que o turismo muito bem agiliza com base nas soluções tecnológicas.
Ademais o modo de funcionamento da indústria aeroportuária, transportes em geral, os sistemas de gestão de operações, a comunicação online, são práticas comuns e exemplos de como desde há tempos o setor é avançado na matéria.
O período da pandemia e o pós acaba por perpetuar uma necessidade de atender a novos níveis de serviço, garantia de saúde, segurança e sustentabilidade. E o turismo, sendo produto de emoções e sujeito às tendências dos consumidores, é permeável a estas mudanças, aliás, um dos primeiros a ser impactado e a ter de dar resposta. Este momento trouxe sim muitos novos requisitos e levou a uma evolução substancial. Suficiente? Talvez não, talvez muita da oferta precise de capitalizar sobre os predicados da digitalização. Mas respondeu e muito evoluiu.
A experiência deste “novo” turista passa também por esta maior experiência tecnológica/digital?
Não necessariamente. “Experiência digital” leva-me a entender que, por si, é algo desejado e não concordo. O novo turista almeja antes de mais, a condição de flexibilidade da sua vida pessoal e profissional, a conexão em tribos por temas de interesse, em responder à sustentabilidade e que as suas escolhas se repercutam em melhorias no ambiente e sociedade, em ter maior agilidade em criar os seus roteiros e poder alterar, em experiências imersivas na cultura em que se insere ainda que por curto prazo de tempo, em poder aprender algo. E aqui a tecnologia deve ser o facilitador e não a finalidade. Se me perguntar se os desejos e desafios de atender este “novo” turista levam-nos a um maior uso de tecnologias? Sim sem dúvida, as respostas digitais podem ajudar em todos estes aspetos.
O novo turista almeja antes de mais, a condição de flexibilidade da sua vida pessoal e profissional
De que forma pode, efetivamente, o setor do turismo melhorar a experiência do turista a nível tecnológico/digital?
Não necessariamente se deseja uma experiência tecnológica. Aliás, não é em si uma enorme motivação para viajar ou tema de lazer. Contudo, a experiência pode ser mais dinâmica e imersiva, permitir trabalhar vários sentidos em simultâneo, responder a interesses com informação, ser didático, tudo isto com base nas tecnologias de RA [Realidade Aumentada] / RV [Realidade Virtual]. Pode também conectar-se com a nossa existência em redes sociais e mundos chamados virtuais, mas que são reais pois impõem comportamentos que a nós se associam e onde até a transação acontece, como, por exemplo, os NFTs.
As experiências podem ter processos de mais simples, de pagamentos integrados, check ins e outs desmaterializados, marcações de visitas a museus, sabendo a audiência do espaço e sua disponibilidade, de plataformas de service que integram pontos de interesse com meios de transporte, onde se poupa tempo acima de tudo e mais sobra para fruir.
As tecnologias de domótica em alojamento podem ajudar a gerir os recursos energéticos. A inteligência artificial nos chats podem resolver muita coisa rapidamente. A robótica aplicada à restauração. As ciências de computação e dados que podem trazer inputs constantes para as tomadas de decisão e que muitas que podem ser automatizadas, deixando tempo para os gestores pensarem em como gerar maior satisfação, produtos mais valorizados e clientes fiéis. As respostas não acabam.
O Programa FIT 2.0 – Fostering Innovation in Tourism, do Turismo de Portugal visa desenvolver uma rede de incubadoras de empresas especialmente focadas no desenvolvimento de ideias e de modelos de negócio associados ao turismo. Que ideias já saíram deste programa para implementação no setor do turismo nacional?
O FIT visa dinamizar a rede nacional de incubadoras e aceleradoras desde 2016 e tanto quanto sei mobilizou em 18 ações ou programas anuais mais de 1.400 startups ou empreendedores até à data. Foram já implementados 75 pilotos. Muitas das ideias que por este processo passaram são hoje operações de negócio muito robustas como por exemplo da Hijiffy, Luggit, Infraspeak, Guestcentric, doinn, HomeIt, Xplora, TryPortugal, XLR8 entre muitas outras.
Num recente artigo sobre tecnologia publicado no jornal Publituris, um dos entrevistados referia que “o grande desafio para os próximos anos passa pela criação de valor através da facilitação da experiência de compra nas viagens, quando comparada com a mesma experiência que o consumidor sente ao comprar online um par de sapatos, uma peça de roupa ou uma refeição”. O caminho passa por esta descomplicação de processos para o turista?
O envolvimento na compra de uma viagem ou experiência de turismo é infinitamente maior que a compra de sapatos. A expectativa que reside numa viagem é enorme, é o momento de recompensa, de extravasão, de novas amizades, de energia para outras coisas da vida. O tempo de pesquisa, as questões que se levantam, são muitas mais do que um tamanho de roupa pode responder e de como me fica.
Já estive num momento a correr em plena Serra da Estrela e a ouvir Spotify e fui impactado no momento certo por uma mensagem do nosso turismo
Contudo, esta jornada, desde o considerar a possibilidade, a compra, a visita e depois o pós-visita, precisa de ser nutrido e facilitado na medida em que responde com assertividade às preocupações de segurança, conforto, interesse entre outros. É um processo que tem de estar em constante melhoria e explorar, se possível, o que o turista quer e ou precisa, antes mesmo que este se dê conta.
O marketing digital é, igualmente, apontado como essencial para a promoção internacional do destino Portugal. Que atividades devem ser tidas em conta neste aspeto?
Sou expectador do trabalho do Turismo de Portugal nesta matéria. Um trabalho cheio de insight, dados, escolha de meios muito atuais e eficazes, se considerarmos o sucesso que o turismo tem. Trabalham como poucos o marketing digital e omnichannel, com mensagens adequadas a várias audiências. Já estive num momento a correr em plena Serra da Estrela e a ouvir Spotify e fui impactado no momento certo por uma mensagem do nosso turismo. Todos ouvimos falar do momento do Times Square no final do ano, faz-se aqui do melhor nesta matéria, no mundo.
A tecnologia fará com que tenhamos um turismo cada vez mais contactless?
Penso que sim. Mais contactless, mais imersivo e que valoriza o fator humano.
Estes avanços tecnológicos/digitais poderão criar uma sensação de desumanização do e no turismo?
Deixámos de ir ao banco para transferir dinheiro, mas porque nessa questão em particular, a interação humana é pouco relevante. Neste caso, o que preciso é cumprir um compromisso ou obrigação que é pagar algo a alguém. Não somos reféns nem da tecnologia nem do futuro. Eu não vou querer estar a almoçar em Sesimbra e pedir um prato de peixe a um robot. O turismo ainda é especial pelas pessoas que conhecemos, os sentidos que se apuram e estimulam, as memórias que se criam. Acho que não vai mudar.
O NEST estará presente na BTL 2023. Que importância tem esta presença e que iniciativas irão apresentar durante os dias do evento?
Estaremos mais um ano na BTL, com cerca de 30 startups, por nós selecionadas e em conjunto com Turismo de Portugal e Portugal Ventures. Representam várias áreas de atuação em matéria empresarial e revemos no seu produto e equipas a capacidade para participar no turismo. Queremos muito que o setor as conheça.
O turismo ainda é especial pelas pessoas que conhecemos, os sentidos que se apuram e estimulam, as memórias que se criam
A implementação destas soluções tecnológicas faz-se muito à base de startups que querem ver as suas inovações “descobertas” e implementadas no mercado?
Também. É em adição às empresas tecnológicas, ou seja, grandes empresas com ofertas muito robustas e referências de mercado. As startups acabam por dar entrada com muitas soluções especificas e pensadas para nichos concretos. Algumas vingam e outras (poucas) ganham escala e algumas vezes viram então grandes empresas. Alguns, unicórnios.
Finalmente, Portugal está bem encaminhado para ser um destino digital?
Claro que está! Temos talento, ecossistema e muitas soluções que de Portugal se gerem ou até produzem para o resto do mundo. Mas podemos e devemos mais. Uma cultura de gestão mais profissional levará à digitalização como resposta a propósito, a crescimento e lucratividade. Será inevitável.