Enoturismo: O papel na recuperação do turismo em Portugal
Atividades predominantemente ao ar livre e em territórios de baixa densidade são duas características inerente ao enoturismo que podem ter um forte contributo na recuperação turística no país. Os ‘players’ do setor estão confiantes na preponderância do papel que esta atividade terá nesse âmbito.
Raquel Relvas Neto
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Atividades predominantemente ao ar livre e em territórios de baixa densidade são duas características inerente ao enoturismo que podem ter um forte contributo na recuperação turística no país. Os ‘players’ do setor estão confiantes na preponderância do papel que esta atividade terá nesse âmbito.
Enoturismo, s.m. (de eno+turismo) Agregação de atividades turísticas que se centra na experiência motivada pela apreciação dos vinhos, associada às tradições e cultura locais. Não implica necessariamente dormida no local da atividade de enoturismo. Exemplos: prova de vinho; visita a uma adega; visita a uma vinha.
Esta é a definição do conceito de enoturismo que a Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO) defende. A associação, que representa todos os intervenientes da cadeia de valor do Enoturismo, dos setores vitivinícola e turístico bem como de outros setores económicos e entidades públicas com competências no desenvolvimento do território enoturístico, quer tornar o Enoturismo português uma referência mundial. Para tal, delineou uma estratégia fundamentada em cinco pilares. O primeiro tem a ver com a identidade que, como explica Maria João de Almeida, presidente da APENO, pretende construir “uma identidade para o Enoturismo, formalizando, sistematizando e certificando o setor em Portugal”. Segue-se o território, ou seja, “compreender e representar os agentes nacionais do Enoturismo, em toda a sua diversidade, valorizando as características territoriais, numa rede integrada de roteiros e experiências”. Também a oferta com o reconhecimento e promoção da inovação da oferta integrada de Enoturismo, desenvolvendo parcerias e divulgando as melhores práticas é o terceiro pilar da estratégia. “O quarto são as pessoas, queremos promover a formação aos agentes de Enoturismo em conhecimento técnico nas diversas áreas (vinho, hotelaria, turismo, gastronomia, cultura, história, etc)”, completa a responsável, que conclui com a inevitável promoção do setor. “Queremos criar uma marca para exploração do valor sinérgico das atividades associadas ao Enoturismo, com foco na divulgação nacional e internacional. Promover o Enoturismo português com base na valorização cruzada da oferta, junto de promotores de grande reputação”, descreve, salientando que a marca vai ajudar a criar procura para o Enoturismo, acompanhada pela criação e divulgando “ações criativas e inovadoras”.
Esta meta não é alheia à existência de vários desafios que influenciam o estado atual do Enoturismo do país. Segundo a presidente da APENO, “o Enoturismo em Portugal não se encontra regulado, não tem uma Classificação de Atividade Económica (CAE) própria, nem os profissionais de Enoturismo têm um enquadramento autónomo, não existem CIRS (Código de IRS) para os profissionais de enoturismo”. E complementa ainda que “associada à falta de regulamentação também ainda se verifica em Portugal uma falta de profissionalismo que impede o setor de progredir”, como seja a “falta de visão (estratégia e criatividade), pouca disponibilidade em receber, falta de formação do pessoal e comunicação eficiente”. Contudo, Maria João de Almeida considera que a evolução que o turismo experienciou nos últimos anos já se reflectiu numa melhoria, sobretudo com uma maior aposta de várias empresas no Enoturismo.
Para dinamizar a consciência em torno do Enoturismo, a APENO compromete-se a lançar várias iniciativas a partir deste mês de setembro. Ainda com algumas no “segredo dos deuses”, a associação está empenhada em dinamizar a oferta junto dos associados, apoiando projetos de Enoturismo, bem como a formação junto dos profissionais do setor. Previsto está também, e mais concretamente, o lançamento do Clube do Enoturismo que, explica, “funcionará como um elo de ligação entre a oferta e a procura” e irá promover viagens, provas de vinho, visitas a adegas, venda de vinho, entre outras atividades. A APENO encontra-se também a desenvolver várias parcerias estratégicas, que “nos vão apoiar, e que vão surpreender pela eficácia e a criatividade”.
“Queremos criar uma marca para exploração do valor sinérgico das atividades associadas ao Enoturismo, com foco na divulgação nacional e internacional”, Maria João de Almeida, presidente da APENO
Outra das prioridades da associação é conhecer melhor o mercado e a respetiva procura. Para tal, vai ser realizado um estudo aprofundado sobre Enoturismo no presente ano, pois, indica Maria João de Almeida, “não existem números concretos que especifiquem com detalhe o setor do Enoturismo”. Porém, segundo estimativas retiradas de estudos académicos e empresariais dedicados ao enoturismo, “o enoturista é mais do que um consumidor de vinhos, é também alguém que se interessa pela produção, cultura e tradições locais. É através do Enoturismo que vai conhecer a riqueza turística de Portugal, contribuindo assim para as receitas do turismo nacional”, releva a presidente da APENO. As estimativas existentes apontam ainda que a “maioria dos enoturistas pertence a uma classe social média alta, com bom poder de compra e com nível de formação elevado”, o que leva a concluir que o gasto médio do enoturista é 20% a 40% superior ao turista normal.
Influência na retoma
O atual contexto pandémico pode motivar um crescimento da procura no setor, tendo em conta as características inerentes associadas ao Enoturismo. Mas qual o papel do Enoturismo e a relevância deste na recuperação do turismo em Portugal no período pós-pandémico? Maria João de Almeida responde: “A pandemia está e vai provocar alterações na procura turística. Vai ser uma procura turística de nicho, temática e repartida ao longo do ano. O turista vai procurar novas ofertas turísticas, em regiões menos povoadas, evitando grandes aglomerados e repartidas durante o ano evitando assim grandes concentrações de pessoas. O Enoturismo proporciona uma oferta turística com essas caraterísticas e esse facto é muito importante para a recuperação e sustentabilidade do turismo”. Assim, defende, o país tem de apostar num “turismo de qualidade” e “durante todo o ano”, sendo neste âmbito que o Enoturismo pode “funcionar como um catalisador”.
Esta opinião da presidente da associação é partilhada com vários ‘players’ no mercado, que também sustentam a relevância que o Enoturismo terá na retoma. Alexandre Relvas, CEO da Casa Relvas, no Alentejo, considera que o Enoturismo, “por normalmente estar situado fora dos grandes centros urbanos, ter mais atividades ao ar livre e ser uma atividade bastante controlada, pode fazer com que o turista se sinta mais confortável”. Mas deixa um alerta: “Tirando o Douro, não há nenhuma região em que o Enoturismo seja a atividade turística principal, pelo que necessitamos de um aumento do turismo para que o Enoturismo volte a crescer também”.
Na opinião de Maria Manuel Ramos, directora de Turismo da Sogevinus, “as tendências de viagem mostram que existe um aumento de procura por destinos de natureza, em zonas tradicionalmente menos turísticas, o que pode constituir uma oportunidade para a valorização de novos destinos, nomeadamente no interior do país, e para a criação de novos produtos e novas ofertas estruturadas”. Assim, e tendo em conta que os turistas procuram “um maior contacto com a natureza e atividades que lhes permitam “desligar” das suas rotinas e fazer um “detox” urbano”, a responsável considera que o Enoturismo reúne “todas as condições para se afirmar como um produto de sucesso, com a mais-valia de dar igualmente a conhecer os saberes e sabores de uma região: juntamente com os vinhos, é possível promover a gastronomia local e dar acesso a experiências autênticas que permitam o contacto com as comunidades, a história, a cultura e as tradições locais. Este é um fator-chave capaz de potenciar a valorização e a diferenciação do turismo nacional”.
o Enoturismo reúne “todas as condições para se afirmar como um produto de sucesso, com a mais-valia de dar igualmente a conhecer os saberes e sabores de uma região”, Maria Manuel Ramos, SOGEVINUS
Esta também é uma posição defendida por Elsa Couto, diretora de comunicação da Quinta de Ventozelo, na região do Douro. “O Enoturismo tem, com certeza, um papel fundamental na recuperação”, afirma, e justifica que, se por um lado, “permite a deslocalização de turistas das regiões com maior densidade – como as grandes cidades Lisboa, Porto ou Algarve, contribuindo para o desenvolvimento local e regional”, por outro lado, tem um forte contributo no combate à sazonalidade, além das parcerias que estabelece impactarem toda a cadeia de valor do turismo.
Já Luís Serrano Mira, coproprietário da Herdade das Servas e Casa da Tapada, ambas no Alentejo, reforça a atratividade do Enoturismo. “O Enoturismo é um produto que incrementa a atratividade de um destino, devendo por isso ter um papel preponderante na recuperação do turismo em Portugal”, defende. E detalha analiticamente: “Numa análise macro, o Enoturismo é claramente um fator diferenciador, uma vez que não temos produção de vinho em todo o Mundo. Mesmo nas regiões que produzem vinho, muitas não dispõem de infraestruturas para receber turistas, nem possuem uma história e tradição riquíssima como é a de Portugal. Por um prisma micro, o Enoturismo, quando bem trabalhado, é um excelente meio de promoção de produtos locais (especialmente tudo o que esteja relacionado com gastronomia, artesanato e hotelaria)”.
Vera Magalhães, diretora de Enoturismo Grupo João Portugal Ramos Vinhos, também defende que o Enoturismo “possui uma capacidade de atração de turistas e gera valor para os territórios de menor densidade populacional, e ao longo de todo o ano, o que por si só já é um enorme contributo: a diversificação da oferta turística em territórios rurais e, na sua grande maioria das vezes, conseguido através de projetos com grande aposta na sustentabilidade”. No que diz respeito ao negócio do vinho em si, a responsável considera que as vantagens são inerentes, desde “a venda direta do produto, a promoção e fidelização à marca, feedback direto sobre os produtos, aumento de potenciais consumidores, alargamento a novos segmentos de mercado, novas parcerias e novas fontes de rendimento”. Mas importa não descurar o efeito que o Enoturismo tem nas comunidades locais, proporcionando “uma maior empregabilidade, aumento do número de visitantes na região, desenvolvimento de uma nova imagem de destino, atração de novos investimentos, novas infraestruturas e revitalização das atividades económicas tradicionais”.
O impacto nas comunidades locais é algo que a presidente da APENO frisa também: “O Enoturismo pode contribuir para atrair turismo de uma forma continuada e ao longo de todo o ano para o interior e territórios rurais, porque nesses territórios temos empresas a desenvolver atividades de Enoturismo de qualidade. Pode assim contribuir para a criação de postos de trabalho diretos e indiretos e contribuir para a fixação de pessoas nesses territórios. Existindo procura por esses destinos e tipo de turismo, o investidor pode sentir-se atraído a investir e a criar empresas que pratiquem atividades de Enoturismo nesses territórios e mais uma vez criação de postos de trabalho e fixação de pessoas”.
A “qualidade extrema” nos vários recantos do país onde se produz vinho e se alia este à gastronomia, partilhando esta relação com quem visita, é a carta principal indicada pela Quinta da Aveleda, que julga que, só por si, “enaltece a experiência, fideliza e serve de mote para uma promoção “boca a boca” muito eficaz”. “As atividades de Enoturismo são fator de diferenciação com relevância”, refere fonte da quinta.
É exatamente a diferenciação que Luísa Rebelo, General Manager e Proprietária de Torre de Palma, considera que deve ser a aposta dos players no Enoturismo para, ao fim de contas, apoiar a retoma do turismo em Portugal. “Consideramos que Portugal e todos os agentes de Enoturismo devem apostar na diferenciação pela qualidade e inovação das suas propostas, na sustentabilidade social, económica e ambiental, como fazemos em Torre de Palma”.
“Consideramos que Portugal e todos os agentes de Enoturismo devem apostar na diferenciação pela qualidade e inovação das suas propostas, na sustentabilidade social, económica e ambiental”, Luísa Rebelo, Torre de Palma
Para as Caves de Vila Nova de Gaia e Quinta das Carvalhas, o Enoturismo “não é um turismo forçosamente de massas, estando implantado em ambiente rural, pelo que se enquadra perfeitamente nos ambientes que são mais procurados nesta fase da pandemia”. Apesar de ser ainda um nicho de mercado, os responsáveis consideram que é “muito representativo e com um forte valor acrescentado”, pelo que “terá um papel muito importante a desempenhar na recuperação”.
O contributo para espalhar os fluxos turísticos ao longo de todo o território e de ter atividades acessíveis ao longo de todo o ano, ajudando no combate à sazonalidade, são as principais mais-valias do Enoturismo nestes tempos pandémicos e não só.
O contributo do Enoturismo para o desenvolvimento rural e para a integração social e económica estará exatamente em debate a 9 e 10 de setembro, em Reguengos de Monsaraz, no Alentejo. A Organização Mundial do Turismo (OMT) vai realizar a quinta edição da Conferência Global da OMT sobre Enoturismo. Sobre o evento, o secretário-geral da OMT, Zurab Pololikashvili, declarou ser “mais importante do que nunca apoiar os setores do turismo e de vinhos”.