“O segredo do digital está em agir e não reagir”
Falar, atualmente, do turismo, é falar em mais do que bem receber. O Publituris falou com Roberto Antunes, diretor-executivo do NEST, para perceber como é que a associação está a contribuir para o futuro do turismo em Portugal.
Victor Jorge
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De maio para cá, ficámos a conhecer o plano de ação “Reativar o Turismo | Construir o Futuro”, a campanha do Turismo de Portugal “#Tempo de Ser | #Time to Be”, o plano “Turismo +Sustentável 20-23” e, mais recentemente, o “Diagnóstico Sustentabilidade T+”, uma nova ferramenta de diagnóstico de sustentabilidade para as Pequenas e Médias Empresas (PME) do setor do turismo.
Todas estas iniciativas têm, além da questão económico-financeira, a digitalização e a sustentabilidade como suporte para o futuro do setor. Roberto Antunes, diretor-executivo do Centro de Inovação do Turismo, explica o papel do NEST.
De que forma é que o setor do turismo vinha a inovar no pré-pandemia e que alterações trouxe em termos de inovação no e para o turismo?
O período pré-pandémico estabelece, de certa forma, a definição do que é o NEST, como se vai compor, como é que se associa, em que áreas de deve focar, quais os parceiros e diferentes instrumentos.
Mas, então, o que encontrou?
Encontrei um setor com uma dinâmica que requeria, na verdade, evoluções, na altura já mais do que identificadas. Ou seja, já na altura percebeu-se que era importante trabalhar-se as bases, o entendimento dos básicos da própria base trabalhadora do setor do turismo, da utilização dos elementos digitais, a preparação das pessoas para a utilização de aplicações e, até de ferramentas simples do dia-a-dia.
Mas com a pandemia, que caminho se traçou?
Com a pandemia surgiu uma grande oportunidade de fazer do NEST um elemento participativo, agregador de valor para um momento extremamente difícil.
Partindo da premissa que a pandemia não foi boa para ninguém, pode dizer-se que funcionou como um acelerador do NEST.
Claramente que este contexto requeria uma maior aceleração em campos como a inovação e digitalização. Portanto, nessa matéria estávamos e estamos posicionados para contribuir e o momento criou muito maior abertura para a nossa participação.
Sentiu uma maior procura por inovação?
Não tinha comparativo, portanto o esperado era uma grande incógnita. Acho que não nos deixou e deixa de surpreender o quanto evoluímos.
A aceleração que houve do ponto de vista da apropriação da digitalização fez-nos evoluir num ano o equivalente a 10 anos.
“Há que entender que isto não deve ser tomado como uma espécie de ‘digitalização ao quilo’”
1 caminho com 2 focos
No plano de reativação para o turismo, apresentado em maio, existem dois focos muitos importantes: a digitalização e a sustentabilidade. O setor do turismo precisa, efetivamente, de digitalizar-se ou o que precisa é avançar e transformar-se tecnologicamente?
Existe um lado onde o setor não é incólume à dinâmica da economia como um todo e de uma economia que tem neste momento um modelo operativo que se baseia na sustentabilidade e na digitalização. É assim que competimos internacionalmente, que as economias crescem
Nessa perspetiva há, claramente, uma necessidade de aceleração transversal da economia de todos os setores económicos nestas questões, da qual o turismo faz parte.
Depois temos outras questões mais intrínsecas do turismo. O facto de sermos um setor absolutamente exposto internacionalmente, afeto às tendências e aos benchmarks que as pessoas têm de experiências e de utilização do digital nos seus países de origem, obviamente, cria expectativas sobre a sua experiência também em Portugal. Por outro lado, o facto de termos um setor que tem uma massa trabalhadora que precisa de grandes desenvolvimentos nesta matéria dita que existe muito trabalho pela frente.
Assim, começam a surgir as necessidades mais intrínsecas do próprio setor, o que é o conhecimento das pessoas como um todo, trabalhar muito o desenvolvimento das próprias empresas no repensar de modelos de negócio que consigam trazer muito maior sustentabilidade e competitividade.
Diria que, não há uma regra especifica que deve ser cumprida. Não estamos a falar de um setor onde se deve aplicar uma regra para uma digitalização a 100% a troco de qualquer coisa. Não, temos de ser muito inteligentes e saber para o que serve a tecnologia e a digitalização.
A tecnologia serve para uma facilitação, sobretudo, de operações, desmaterialização de imensos processos e a digitalização permite-nos, acima de tudo, ser extremamente inteligentes na forma como gerir a oferta para se adequar à procura, na forma como vamos gerir as operações para que haja trabalho em grupo, como chegar ao nosso target, a forma inteligente como chegamos a esse target, o momento, o tema, a peça que faz sentido.
Ou seja, o importante não é ter dados, é, fundamentalmente, saber o que fazer com eles, como tirar partido deles, canalizá-los, e, fundamentalmente, entender que não são estanques e que todos os dias somos “inundados” com mais dados. As empresas do turismo em Portugal estão capacitadas para tirar partido desses dados?
Em primeiro lugar, há que entender que isto não deve ser tomado como uma espécie de “digitalização ao quilo”. Ou seja, é importante ter uma adequação à estrutura e estratégia do negócio.
Portanto, não é uma questão de quantidade, é uma questão de inteligência de como e onde é que os dados me ajudarão.
Primeiro, estratégia de negócio, o que quero oferecer, como quero posicionar-me e diferenciar-me da minha concorrência, quem são as pessoas que sirvo, que gostos têm, porque me vão valorizar. A digitalização entra em tudo isto como um ‘enabler’, um facilitador, algo que me permite falar melhor com as pessoas, captar a informação para utilizá-la adequadamente. A digitalização não é um fim, é um meio. Às vezes entramos um pouco num efeito espiral e parece que a digitalização se sobrepõe à própria estratégia. É preciso perceber que o negócio só terá sucesso, se responder a uma necessidade, independentemente, de como é entregue, se física ou digitalmente.
Agora quer-se aplicar o digital, sem pensar numa estratégia para a sua aplicação?
Exatamente. Há tempos num webinar aconteceu isso com um participante que indicou que já tinha feito um grande investimento com uma aplicação digital, mas que os seus consumidores e clientes não utilizavam. Ora, aqui registou um avanço no digital, sem ter percebido bem para que servia.
Por isso, é preciso conhecer exatamente quem é o nosso cliente e como é que nos posicionamos, ou melhor, como nos queremos posicionar.
Há que ter o cuidado de adaptarmo-nos a cada momento, cada cliente, cada consumidor, cada local, cada procura, necessidade e exigência. Não é só digitalizar e já está. Há que perceber para que queremos o digital.
O bem-estar, a vontade, a felicidade, o tempo para nós e família, o aprofundar do conhecimento, continuam a ser as razões de motivação quer o mundo se digitalize ou não.
“É difícil compor uma oferta certeira, olhando para o nosso umbigo e para aquilo que gostamos. Tem de se olhar para fora”
Partilha de conhecimento
O NEST desenvolveu quatro Think Tanks – Restauração e Gastronomia; Hospitalidade; Atividades Turísticas; Pontos de Interesse. A que conclusões chegaram? Eram essas as esperadas?
Os objetivos eram, na prática, criar um formato que permitisse auscultar o próprio setor, muito mais atempado e rápido e que se conseguissem depurar, através de participantes experts na matéria, muito conhecedores destes verticais, todas as necessidades e o status quo, além de trabalhar, através da metodologia de design thinking, alguns direcionais para respostas, não trazendo já as soluções, mas fazendo exercícios que combinam targets específicos de consumidores. Conhecer os espaços ou momentos que o próprio setor proporciona, como o quarto, o momento do pequeno-almoço, pensar em famílias e pessoas individuais, criar o pensamento de quais são as necessidades e oportunidades que podem e devem trabalhar.
Depois, com base nisso, elaborar relatórios que ficassem disponíveis publica e gratuitamente para incentivar a que inovadores, startups, empreendedores, adequem a sua oferta e possuam um ponto de partida.
Além disso, criar ferramentas para que se tornasse mais fluido o entendimento das necessidades por via destas metodologias que alguém possa pegar com alguma confiança e dar-lhes seguimentos e não ter de fazer, ele próprio, essa descoberta.
No fundo, ser facilitadores?
Exatamente. Facilitadores e aceleradores. No passado estas coisas eram feitas com fundamental research, acesso a estudos de consultoria, muito dificilmente públicos e gratuitos. Agora há maior partilha, as pessoas querem, de facto, ajudar na participação destes conhecimentos, na utilização de processos que sejam criativos e que possam construir os primeiros patamares para depois alguém poder trabalhar a inovação e disseminá-los de forma democrática e acessível.
Mas foram surpreendidos de alguma forma, nas conclusões a que chegaram nestes Think Tanks?
De todos eles surgiram questões interessantes. Mas variam entre eles os pontos fulcrais, como as fontes de digitalização, questões de marketing, interação com o próprio turista no local. Havia feelings, mas não existia muito conhecimento e estes Thinks Tanks permitiram-nos ter uma visão muito mais assertiva sobre o elencar dessas oportunidades.
A questão da sustentabilidade?
Absolutamente. Os clientes hoje escolhem muitas vezes o seu destino e hotel em função precisamente dessa preocupação sustentável.
Olha-se cada vez menos para o preço?
Existem estatísticas do Google muito interessantes relacionadas com o turismo e que indicam a procura por “barato” ou por “melhor”. Se há 10 anos as pessoas procuravam pela viagem mais barata, hoje o que procuram é o que melhor atende e qualifica a sua motivação, a viagem e experiência que querem ter.
Portanto, hoje não é a viagem mais barata que a pessoa procura, mas sim a melhor viagem.
Isto tudo está relacionada com esta transformação de paradigmas, das novas gerações, dos Millennials, da geração Z.
E passou a existir um outro ou novo olhar para o espaço concorrencial interno e externo?
Absolutamente. O turismo é um setor que nos permite ter este olhar e leva-nos a ter de estar a par do entendimento e das evoluções que acontecem em todo o mundo. Claro que temos de olhar, mais cuidadosamente, para os nossos principais destinos emissores.
É difícil compor uma oferta certeira, olhando para o nosso umbigo e para aquilo que gostamos. Tem de se olhar para fora.
“A pandemia acelerou [a digitalização], mas, de facto, o trilho pelo qual se teria de caminhar estava absolutamente identificado”
Mas a grande preocupação não está no turismo interno, mas sim no externo?
Sim, claro. Se até 2019, a balança era de 70% externo e 30% interno, o facto é que teremos de olhar para o turismo interno como um pilar futuro, até porque foi o que nos salvaguardou e salvou nestes tempos difíceis.
E aí o fator digital é fundamental? Quer dizer, na forma, ou melhor, nas novas e diferentes formas como se chega e comunica com o público?
Sim, foi e é crucial. O advento das low-cost foi uma grande oportunidade para os city-breaks. De repente, já não era só o Algarve, era Lisboa, depois o Porto, a Madeira, os Açores, o interior.
Houve um trabalho enorme na diversificação da nossa oferta para os diferentes públicos. Há públicos na Europa que não estão nada interessados na praia, querem cultura, os rios, as lagoas, a natureza.
Conhecer e customizar
E o que é que os nossos concorrentes estão a fazer no campo da inovação, do digital, na tecnologia. Há algo que está a ser feito que se diferencia?
Posso dizer que do ponto de vista da estruturação da estratégia, somos líderes. Na forma como se orquestra dentro desta nação a visão estratégica, a criação da marca Portugal, e depois a concertação de tudo isso com o resto do setor não acontece em nenhum dos nossos principais destinos concorrentes.
A estratégia desenvolvida para Portugal é uma estratégia de diversificação e de coesão territorial. Não vemos a Grécia a trabalhar o interior e a fronteira com a Albânia. É mais do mesmo. Em Portugal não, é muito assente numa experiência da cultura, numa vivência dos nossos modos de vida, com a paisagem que integra sabores e saberes que aqui se desenvolvem
Portanto, é muito mais multifacetado e diria mesmo que se trata de uma agregação de valores muito difícil de replicar. A experiência que se tem em Portugal não se consegue replicar em qualquer outro local.
Mas depois há que chegar ao público, ao viajante, ao turista. No campo digital surgem conceitos como marketing digital, target advertisement, a gestão de management response, os pagamentos, a forma de estar e comunicar nas diversas e diferentes redes sociais, etc.. Há, neste particular, a noção de que a pandemia funcionou, como já ouvi dizer, como um “dia zero” em termos digitais e tecnológicos?
Não, já estava tudo absolutamente traçado. A pandemia acelerou, mas, de facto, o trilho pelo qual se teria de caminhar estava absolutamente identificado.
Em todas as estratégias, ferramentas e planos estamos a falar de formas e investimentos para acelerar todos estes princípios e não iniciá-los.
Este entendimento do marketing digital já está estabelecido há bastante tempo e temos, de facto, de aprimorar e saber trabalhar sobre essa nova forma que não vem de nenhuma obrigatoriedade a não ser do facto de, se quisermos comunicar com sucesso, é por aqui que se terá de caminhar.
Julgo engraçado quando se tenta separar o digital como se fosse uma valência que se tem de fazer obrigatoriamente para além de tudo aquilo que já se faz. Quem quer comunicar e/ou vender, se não considerar o digital, dificilmente terá sucesso. Nem é preciso dizer que o digital é importante. Alguém que queira fazer uma estratégia vencedora para o seu negócio vai ter de, inevitavelmente, trabalhar com o digital, porque é aí que existe o poder de influência, de recomendação, de aquisição.
Mas há que saber trabalhá-lo. Há a perceção e conhecimento de que é preciso falar linguagens diferentes?
Vivemos num momento em que, provavelmente, durante esta nossa conversa se gerou mais informação e dados em todo o mundo do que nos 10 anos após a criação da Internet.
Há possibilidade de falar quase de um para um. Utilizar essa inteligência é a grande oportunidade para o turismo.
As diferentes tipologias de pessoas, a possibilidade de direcionar um tipo de comunicação, tudo isso está ao nosso dispor. Hoje em dia, sabemos que há determinados momentos em que, se queremos ser considerados enquanto potencial destino ou marca, pode ser errado sugerir uma venda direta em determinado momento. Mas podemos participar com outros conteúdos que mantêm o interesse sem sermos intrusivos, que leva a que essa pessoa regresse e nos procure. Há que saber dar os argumentos certos para que o nosso destino se mantenha na memória aquando da altura da decisão.
“Alguém que queira fazer uma estratégia vencedora para o seu negócio vai ter de, inevitavelmente, trabalhar com o digital”
Recuperando um pouco o tema da sustentabilidade, no mesmo dia em que o Turismo de Portugal apresentava o Plano Turismo + Sustentável 20-23, o NEST lançava uma nova ferramenta de diagnóstico de sustentabilidade para as Pequenas e Médias Empresas (PME) do setor do turismo. Tal como referi anteriormente, a par da digitalização, a sustentabilidade é chave no turismo?
Vemos na digitalização uma oportunidade de massificar conceitos e de ter um acesso bastante democrático. A revolução que a digitalização trouxe, foi uma democratização da informação, do conhecimento, da possibilidade de empreendedorismo e autonomia em muitas coisas.
Esse aceleramento trouxe alguma novidade ou algum desenvolvimento do próprio ecossistema português ou que estamos a aplicar provém de fora?
Não lhe sei responder sobre a quantidade e/ou criação de tecnologias, até porque algumas destas coisas surgem sem se ter um formato de empresa e é difícil fazer a captação.
O que vi, de facto, foi uma mobilização muito grande por parte de algumas startups existentes e outras que surgiram para trazer soluções que, muitas delas, acabaram por vingar e crescer exponencialmente o nível de utilização.
Mas também sabemos que é um momento muito difícil para este universo das startups. Mas é notório que há um olhar mais interessado para com coisas relacionadas com a tecnologia e com soluções que sejam mais touchless, por exemplo.
Na realidade, os Capital Ventures e os Angels estão agora com um olhar mais atento para esses novos domínios do que há dois ou três anos.
Com toda esta panóplia de novidades, transformações e inovações, mas também de incertezas e expectativas, que tipo de turismo e turistas teremos no futuro?
Há muitas coisas que estão a aparecer, soluções que permitirão um aumento gradual da mobilidade que, na verdade, não tem só a ver com o turismo, per si, mas com as próprias dinâmicas das economias que são interativas e que vivem pela troca e entrosamento.
Toda e qualquer economia sofre quando pára, se fecham fronteiras e se inibe a mobilidade das pessoas.
Mas seja no turismo, na saúde ou noutra área qualquer, o modelo de desenvolvimento desses negócios já não é uma coisa fechada em si própria. O desenvolvimento do turismo acontece nas diferentes vertentes e, inclusivamente, com outros setores.
É na customização que o turismo terá de apostar?
Sim, porque é isso que nos vai diferenciar. Não sermos conhecidos por aquilo que erámos conhecidos há anos e que se limitava no sol e praia. Somos e temos muito mais do que isso para oferecer.
Mas o digital vem colocar mais pressão na resposta a dar, já que tem de ser instantânea.
Sim, mas também oferece a possibilidade de um maior acompanhamento. O segredo do digital está em agir e não reagir.