Pandemia intensifica desafios para o emprego no turismo
Se a nível global, a OMT estima que se possam perder entre 100 e 120 milhões de empregos diretos, em Portugal os números levantam dúvidas, devido ao layoff.
Victor Jorge
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A crise que se abateu sobre a indústria do turismo teve, naturalmente, reflexos no emprego. O “novo normal” faz com que (também) no turismo a requalificação seja necessária e obrigatória. Uma realidade pré-COVID no mundo laboral do turismo, contudo, nunca deverá chegar antes de 2023.
Com a crise da COVID-19 a colocar em risco entre 100 e 120 milhões de empregos diretos a nível global, segundo números avançados pela Organização Mundial do Turismo (OMT), em Portugal as estimativas indicam que se ultrapasse os 150.000, embora, como se diz, “prognósticos só mesmo no fim”.
Se no período pré-pandemia havia muito empresário e empresa a queixarem-se de falta de mão-de-obra especializada e de valor acrescentado, a situação atual colocou no mercado de trabalho – ou em layoff – dezenas de milhares de pessoas.
Esta realidade foi confirmada ao Publituris por Vítor Antunes, managing director da Manpower, que salientou que a indústria do turismo foi, efetivamente, “uma das mais penalizadas pelo contexto da pandemia e das medidas de confinamento necessárias para conter o risco de contágio”, destacando, ainda, que “as consequências ao nível da destruição de emprego são inegáveis”.
De resto, os números do ManpowerGroup Employment Outlook Survey traduzem isso mesmo: as projeções para a Criação Líquida de Emprego passaram de valores muito positivos, de +16% no 1.º trimestre de 2020 e +21% no segundo trimestre (neste último caso, com as entrevistas que alimentam as projeções a serem realizadas antes do início da pandemia em Portugal) para valores francamente pessimistas: -29% no terceiro trimestre, -8% no quarto trimestre e -16% no primeiro de 2021. “Já para este segundo trimestre, Vítor Antunes adianta “uma ligeira progressão”, mas os empregadores ainda avançam um cenário de destruição de emprego, com uma Projeção Líquida de -6%.
E se estes números não bastassem, os dados do IEFP também reforçam esta realidade, revelando que, em finais de fevereiro de 2021, o número de inscritos nos centros de emprego e formação profissional, pertencentes a esta indústria, aumentou 31,4% face ao período homólogo de 2020 e 2,9% face a janeiro de 2021.
“As skills tecnológicas e digitais serão cada vez mais importantes e alvo de um rápido crescimento na procura quando o setor comece a retomar a sua atividade de contratação”, Vítor Antunes, Manpower
Se pensarmos, como refere Luísa Cardoso, business unit manager de healthcare, aviation, tourism & events da Randstad Portugal, que em qualquer destino turístico ao qual foram impostas medidas tão restritivas como o fecho de restaurantes, adiamento de concertos e festivais, cancelamento da maioria das atividades culturais e de espetáculo, fecho de fronteiras, restrições no tráfego aéreo, “não é difícil de perceber que toda esta força de trabalho foi severamente penalizada”. Por isso, uma das grandes questões é mesmo perceber se, com grande maioria dos recursos humanos a procurar alternativas no mercado de trabalho, estes “voltarão a encontrar trabalho neste setor ou se, porventura, continuarão ligados aos setores que os receberam durante a pandemia”, diz Afonso Carvalho, CEO do grupo EGOR. A fatia que ainda não encontrou emprego e que tem uma experiência relevante e importante para o setor turístico, essa, diz o responsável, “está ansiosamente à espera da abertura da economia”.
Especialização e digitalização
E se para a indústria havia mesmo falta de mão-de-obra qualificada, o responsável da Manpower ouvido pelo Publituris antevê mesmo que, “até que exista um programa de requalificação efetiva dos profissionais do setor, a tendência da escassez de talento será, muito provavelmente, agravada”. Até porque, segundo Vítor Antunes, o Plano de Atividades 2021 da Turismo de Portugal, refere no seu capítulo da estratégia “o grande impacto da transição digital e sociedade de inovação”, pelo que esta crise “não nos traz desafios novos, mas intensifica os anteriores”.
Para Luísa Cardoso, os profissionais do turismo que sofrem, hoje, o impacto da pandemia, “viram-se obrigados a reinventar o negócio e a procurar outras formas de subsistir”, pelo que, assume, se quem saiu não regressar com a retoma, “teremos um agravamento daquelas que eram já as dificuldades na captação de mão-de-obra especializada e um desafio para a atividade”.
Afonso Carvalho estima, no entanto, que “ainda terá de passar algum tempo até voltarmos ao ponto onde estávamos anteriormente, ou seja, ao ponto em que as empresas, efetivamente, não tinham recursos suficientes para fazer face à procura, sobretudo recursos com a devida formação e experiência”.
Se há palavra ou conceito que entrou no dia-a-dia essa ou esse é: digitalização. Na opinião de Luísa Cardoso está é, provavelmente, a “maior mudança no mundo do trabalho, herança da pandemia”. Sendo certo que, em muitas áreas, o trabalho remoto e a realidade online que hoje vivemos surgiram neste contexto como “uma resposta cio, noutras já se tinham dados passos neste sentido e a pandemia veio acelerar o processo de transição”, admite a responsável da Randstad. Contudo, salienta que o turismo tem uma “componente presencial e humana muito vincadas, próprias do setor, pelo que diria que não é previsível mudanças substanciais”. Ao mesmo tempo acredita que o negócio sofrerá “algumas adaptações que hoje se classificam como necessárias e que no futuro poderão vir a ser complementares ao turismo ‘tradicional’”. Aqui cabem os eventos online bem como conferências e talks em streaming, entre outras, e nestas realidades “haverá de facto a necessidade dos profissionais da área dominarem conhecimentos e apresentarem competências adaptadas às mesmas”.
“[Os profissionais do turismo] viram-se obrigados a reinventar o negócio e a procurar outras formas de subsistir”, Luísa Cardoso, Randstad
A Manpower corrobora esta opinião com números, já que segundo o seu mais recente estudo “Skills Revolution Reboot”, “a pandemia levou 30% das empresas portuguesas a agilizar os seus planos de digitalização e automação, contra apenas 16% que congelaram esses planos”. E o estudo tira outra conclusão: “esta digitalização está a criar mais emprego”. Por isso, Vítor Antunes refere que o turismo “não será uma exceção”. Cada vez mais os modelos de compra e de reserva, bem como de promoção dos destinos, ocorrem predominantemente em formato digital, com o responsável da Manpower a dar como exemplo a própria experiência de consumo que estava também a ser digitalizada, com soluções tipo self check-in, quiosques interativos em lugar de receções, entre outras formas de inovação que este setor “continuará seguramente a fomentar no intuito de gerar valor para o cliente”, crê. Nesse sentido, “as skills tecnológicas e digitais serão cada vez mais importantes e alvo de um rápido crescimento na procura quando o setor comece a retomar a sua atividade de contratação”, admite Vítor Antunes.
O que era e o que será
Fica, então, por saber se ainda existem lacunas a preencher na indústria do turismo quando analisamos o mercado laboral? Admitindo que a sazonalidade está “cada vez mais esbatida devido à enorme e constante afluência de turistas internacionais e nacionais”, Afonso Carvalho arrisca dizer que uma das lacunas a preencher passará por “arranjar mecanismos de retenção dos recursos de modo que o nível de compromisso e, consequentemente ,de retenção e motivação ,para com a respetiva empresa onde exercem a atividade, seja elevado”.
Do lado da Manpower, os maiores desafios estão relacionados com a “maior sofisticação do cliente” e que irá levar a que as organizações do setor “apostem na transformação digital do seu negócio”. Contudo, sendo o turismo um negócio de pessoas, estas terão, na opinião de Vítor Antunes, “transformar as suas competências, garantindo experiências customizadas, o que significa reforçar as suas competências comportamentais continuamente, pelo que o grande desafio é sempre o de ter talento com as competências necessárias em cada momento”.
Assim, quais serão as competências ou posições mais procuradas no setor no período pós-pandemia? Os profissionais ouvidos pelo Publituris não divergem, mas apontam diferenças. Para Afonso Carvalho, na fase de retoma da atividade as funções mais procuradas serão, na sua grande maioria, as funções que foram “dispensadas durante a pandemia”. De qualquer forma, adianta que, “pelos tímidos sinais que temos visto certamente que as funções comerciais e ligadas ao digital terão uma preponderância superior”.
“Pelos tímidos sinais que temos visto certamente que as funções comerciais e ligadas ao digital terão uma preponderância superior”, Afonso Carvalho, EGOR
Do lado da Randstad, Luísa Cardoso admite ser expectável que “as necessidades surjam de forma gradual, à medida que o mercado vá ganhando a robustez que lhe é característica”, pelo que haverá sempre uma “grande procura na área da hotelaria de todos os perfis, desde empregados de mesa, copeiros, cozinheiros e empregados de andares”. Já para a área dos eventos, aponta para “muita procura de posições de imagem com componente comercial, ou seja, promotores e hospedeiras”, tendo em conta que é uma atividade com uma “componente presencial muito forte, para a qual estes perfis se mantêm essenciais”.
Vítor Antunes junta às posições já mencionadas funções como “F&B, housekeeping e de apoio/serviço tamos que isto vá mudar”, embora refira que “as últimas ganharão preponderância pela crescente sofisticação do cliente”.
Associado aos cargos e/ou posições surge, igualmente, a questão salarial e se estes estão acima ou abaixo do esperado e/ou exigido. Neste particular, Mara Martinho, consultora sénior da Michael Page, refere que “a valorização dos salários no setor da hotelaria é uma luta já antiga”. Com a profissionalização e a especialização deste setor, a responsável crê que “cada vez mais se torne urgente valorizá-lo e atribuir retribuições que façam jus à responsabilidade exigida”.
Para o responsável da Manpower, falar em escassez de talento, “fará com que os profissionais mais procurados e com competências diferenciadas vejam os seus salários aumentar”. Mas ao contrário, Vítor Antunes admite que “aqueles que não detêm essas competências, verão o seu valor de mercado diminuir, o que vai acentuar a bifurcação salarial entre os dois grupos”
O CEO da EGOR acredita que, em termos comparativos, o setor do turismo “está perfeitamente enquadrado na média nacional” e, dependendo das regiões e se estamos a falar de cadeias nacionais ou internacionais, Afonso Carvalho refere mesmo que “encontramos funções, por exemplo, de gestão, que estão acima da média”. Certo é que para este responsável, o setor “melhorou substancialmente nos últimos anos”, embora destaque a existência de “alguma informalidade que é necessário combater, sobretudo para garantir a proteção e os direitos dos trabalhadores”.
Indústria (ainda) apetecível?
Com a pandemia a ditar, de facto, uma crise nunca antes vista na indústria do turismo, será que esta se mantém apetecível e “segura” para quem estava, está e pretende estar nela? Mara Martinho diz que, além de apetecível (ou não) e (in)segura, “tornou-se mais desafiante”, admitindo que, “quem gosta, não deixou de gostar”.
Outra visão tem, contudo, Vítor Antunes, referindo que a falta de atratividade do setor “é uma consequência inevitável”. No entanto, a médio e longo prazo, e uma vez ultrapassada a crise pandémica, “este continuará a ser um setor muito relevante para o nosso país e um forte empregador”, crê o responsável da Manpower. “Acredito que os modelos de operação poderão evoluir e, por essa via, também o perfil de competências que o setor procurará”, acrescentando ainda que a pandemia veio, também, “questionar o modelo de turismo que será sustentável no futuro, eventualmente, menos massificado”. Nesse sentido, acredita que “assistiremos seguramente a uma evolução no perfil de competências a atrair, tanto técnicas como soft”.
Quanto à retoma da empregabilidade da indústria do turismo e a um cenário pré-COVID, Mara Martinho acredita que tal possa acontecer dentro de um a dois anos, embora Luísa Cardoso, da Randstad, estime que a recuperação “nunca acontecerá antes de 2023”. Por isso, e tendo em conta o tempo que ainda decorrerá até essa recuperação no mercado de trabalho afeto ao turismo, “o foco deverá estar na preparação para este objetivo”. Partindo do pressuposto que essa recuperação será “gradual”, Vítor Antunes conclui que “incerteza” é a palavra dominante, pois grande parte das empresas “dependem de circunstâncias relativas ao ambiente macroeconómico que não tem horizonte temporal definido”.
*Artigo publicada na edição 1437 do jornal PUBLITURIS