Pandemia traz novo destaque à saúde e bem-estar
Este último ano provocou alterações na forma como se viaja e no que se procura durante uma viagem. Especialistas apontam que os turistas vão dar prioridade à saúde, seja física como mental. Conheça a oferta e os desafios.
Raquel Relvas Neto
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Este último ano provocou alterações na forma como se viaja e no que se procura durante uma viagem. Especialistas apontam que os turistas vão dar prioridade à saúde, seja física como mental.
Talvez nunca tenha existido um momento que tenha obrigado o mundo inteiro a parar ao mesmo tempo. A pandemia da COVID-19 provocou isso mesmo, uma paragem no ritmo alucinante da vida que se levava. O dever de ficar em casa, de confinar, à exceção daqueles que tinham de estar na linha da frente, deu mais do que tempo para repensar prioridades e olhar com outros olhos para algo que é tão valioso a todos: a saúde, seja física como mental.
Criaram-se novas formas de olhar para o dia-a-dia, de adaptação a esta realidade condicionada, de pensar o presente e o futuro, mas também a forma como se viaja. São já vários os estudos que apontam para novas prioridades na hora de viajar, de selecionar o destino ou mesmo o tipo de alojamento turístico, bem como o transporte a utilizar ou a tipologia de viagem em si.
Algumas tendências já eram conhecidas, mas ganharam força neste último ano, trazendo novas oportunidades para o turismo que tem agora a missão de se reinventar. Segurança sanitária, confiança e flexibilidade são conceitos-chave inquestionáveis e transversais às várias formas de viagem pelas quais se vai optar daqui em diante. Mas há muito mais a ter em consideração.
O ‘slow travel’ e o turismo que promova uma desconexão do mundo, a um ritmo mais lento e que privilegie o contacto com a natureza, são algumas das preferências dos turistas que a agência de viagens online eDreams identifica para este ano.
Também um estudo recente realizado pela American Express constata que, em 2021, os viajantes estão focados no planeamento de viagens futuras como “uma forma de relaxar, seja por meio de experiências focadas no bem-estar, descobertas culinárias ou encontros com familiares e amigos”.
O turismo é, na verdade, uma das formas que o ser humano encontra para relaxar e assim contribuir para o seu bem-estar. Como explica Joana Alegria Quintela, professora da Universidade Portucalense, no artigo de opinião, o turismo contribui para o nosso bem-estar. E assim se espera que continue a contribuir.
É assim que o Turismo de Saúde e Bem-estar ganha destaque, com os benefícios que traz para o bem-estar e felicidade dos cidadãos.
O bem-estar ganhou mais relevância neste último ano com o impacto da pandemia. Também o Global Wellness Trends 2021, da Global Wellness Summit, indica que, depois de nove anos consecutivos de recordes no crescimento das viagens, ultrapassando inclusive a expansão económica global, de acordo com o World Travel and Tourism Council, este será o ano da redefinição da viagem, que será feita de forma mais devagar, mais perto e mais direcionada ao ‘mindfullness’.
Em Portugal, segundo dados recentes da Ordem dos Psicólogos Portugueses, 7 em cada 10 portugueses estão a sofrer psicologicamente com a pandemia COVID-19. “Todo este contexto pandémico tem provocado grandes alterações no quotidiano dos portugueses”, destacam as psicólogas Inês Rocha e Carolina Chaves do projeto Psicólogo da Família ao Publituris, que salientam que “perante esta conjuntura, o bem-estar dos portugueses tem sido abalado a vários níveis: social, físico, económico e ainda, emocional”. As mesmas têm identificado, na sua prática clínica, “um aumento de quadros sintomatológicos, na sequência do contexto que vivemos atualmente e também potenciados pelo isolamento social”, como situações de maior ansiedade, de depressão, de ‘burnout’ e conflitos familiares. É neste âmbito que as profissionais consideram e acreditam que os portugueses estão “mais conscientes da importância que os momentos de lazer têm no seu bem-estar”. As psicólogas Inês Rocha e Carolina Chaves estão convencidas que vai existir “um maior foco num turismo mais direccionado para este bem-estar”, recordando que há um ano que os portugueses estão privados de “usufruir do seu livre-arbítrio”, existindo assim “uma necessidade emergente de recuperarem as suas vidas”. A procura por programas e iniciativas que conciliem o lazer, o auto-cuidado e a saúde mental é uma das sugestões das responsáveis.
Também Rita Rocha, fundadora do Working with Satya, corrobora o stress que existe entre a população devido à pandemia. “A pandemia trouxe muito stress, sentimentos de insegurança, de não se saber com o que se conta no futuro, solidão, ter de enfrentar durante muito tempo seguido situações familiares não saudáveis, causando uma subida nos casos de depressão, ansiedade, violência e já se fala no crescendo de divórcios e separação”, exemplifica.
Ao mesmo tempo, aponta, “há outro grupo de pessoas que sentiu uma maior proximidade da família, uma redução da quantidade de tarefas diárias e algum descanso”. Para Rita Rocha, esta pandemia pode ser uma “grande oportunidade para a vida enquanto ser individual e enquanto comunidade”, além de ser também o momento para se encarar “de frente tantos problemas mentais, emocionais e físicos que o nosso estilo de vida estava a trazer”. A responsável pela empresa especialista internacional na organização de retiros na área da descoberta e evolução pessoal, tanto para individuais como no mercado corporativo, considera que o cuidado com a saúde “veio para ficar”. “Penso que será um ponto de viragem na forma como encaramos a nossa saúde, os cuidados que necessitamos para podermos ter uma vida sadia e que promova um encontro autêntico entre pessoas, famílias e consigo mesmo”, salienta.
Já no que refere às férias em si, Rita Rocha julga que vão “ter uma outra dimensão acrescida ao tradicional descanso em família”, estas vão ser encaradas como “um direito fundamental ao descanso necessário para podermos desempenhar as nossas tarefas de forma produtiva e de conseguirmos criar conexões saudáveis entre pares e grupos”. “As férias e fins-de-semana serão vistos como momentos de regresso ao mais essencial do ser humano, a sua própria existência, para além dos papéis e tarefas que desempenham. Assim, muitos vão escolher não só destinos paradisíacos, mas lugares que incluam alimentação saudável, exercício físico, tratamentos ao corpo e à alma”, salienta.
Posicionamento
Esta pode ser a oportunidade que a oferta turística precisava para se adaptar e reinventar. Mas de que forma? Ana Cristina Beatriz, da ABC Sustainable Luxury Hospitality, consultora recentemente declarada embaixadora em Portugal da Global Wellness Summit, diz que as previsões de crescimento do segmento de Wellness no Turismo “superam as expectativas mais otimistas”. Em 2018, segundo o GWS, este representava um valor global de 639 mil milhões de dólares e a previsão é que em 2022 atinja o valor global de 919 mil milhões de dólares. “Perante estes números acreditamos que o que antes era “tendência” é hoje uma forma de estar e viver a vida”, aponta a responsável. Segundo Ana Cristina Beatriz, este é o segmento de mercado com “maior impacto internacional do Turismo e Hotelaria, registando, ano após ano, aumentos expressivos que, em última análise, obrigam as estruturas a repensar a sua forma de funcionamento no que respeita à adoção de novas dinâmicas de gestão, criatividade conceptual, integração de novos talentos humanos na criação de ofertas diferenciadoras, aumento do nível de exigência/ profissionalismo aliado à honestidade e confiança”.
Esta alteração de paradigma e das preferências dos viajantes e turistas, segundo a responsável, necessita de ser acompanhada pela oferta. “Há uma procura por experiências autênticas e transformadoras, que consigam aliar a viagem à descoberta e à expansão de conhecimento numa perspectiva holística, quer seja através da aprendizagem ou da participação ativa”, sublinha.
Ana Cristina Beatriz detalha ainda que os próprios viajantes com maior poder económico estão “a mudar os seus hábitos de compra no período de férias, preferindo investir os seus recursos em retiros espirituais, resorts que têm como ‘core business’ a saúde e bem-estar e participar em conceituados ‘wellness summits’”. O viajante que procura uma oferta focada no ‘wellness’ viaja com um propósito e pretende fazer parte e integrar-se no local para onde viaja, assim como integrar-se com os seus habitantes e rotinas de vida. A responsável da ABC Sustainable Luxury Hospitality descreve ainda que este dá prioridade à autenticidade dade e ao que é orgânico, procurando experiências que “enriqueçam o seu conhecimento, sabedoria e abram espaço para novas perspetivas e níveis de consciência. Enquadram-se assim retiros desde detox nutricional, recuperação de stress, descoberta e evolução pessoal ou mesmo redução de trauma do luto, isto tudo em contacto com a natureza, quer em práticas desportivas, como também em meditação, ioga, caminhadas ou apenas estar.
Portugal não tem um caminho dificultado no posicionamento neste segmento de turismo. Ana Cristina Beatriz indica, inclusive, que sempre considerou que o nosso país tem “esse desígnio – é um dos melhores destinos ‘Wellness’ e como tal contribui de forma ativa neste caminho”. “Portugal tem o povo mais hospitaleiro, algo que vem de dentro de cada um de nós e isso “sente-se”. Somos o País que tem o Fado e a palavra Saudade – uma dimensão humana tão profunda e genuína que nos torna únicos”, descreve.
Isto tudo conciliado com as características do nosso clima e da nossa gastronomia, bem como da gastronomia e restante oferta turística ligada à natureza, seja ao longo da costa como no próprio interior do país.