“Neste momento, mexer na organização das ERT seria dar um tiro no pé”
Em entrevista ao Publituris, Vítor Silva, novo presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo, fala das prioridades para o atual mandato, mas também dos desafios que o Alentejo vai enfrentar, assim como todo o turismo nacional.
Inês de Matos
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Em entrevista ao Publituris, Vítor Silva, novo presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo, fala das prioridades para o atual mandato, mas também dos desafios que o Alentejo vai enfrentar, assim como todo o turismo nacional.
Na primeira entrevista como presidente do Turismo do Alentejo, cargo que não estava nos seus horizontes, Vítor Silva, que é também presidente da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo (ARPTA), faz um balanço positivo do último verão, que “foi bom no Alentejo”, apesar da crise que a pandemia provocou e em relação à qual, diz, é preciso preparar já a retoma. Para isso, era importante que o Turismo de Portugal reforçasse a promoção e autorizasse as ARPT a colaborar com as Entidades Regionais de Turismo (ERT) na promoção para o mercado nacional.
Mas, tão importante quanto a promoção, é a estabilidade e, por isso, Vítor Silva defende que este não é o momento para mexer na organização das estruturas regionais, apesar de recear que exista quem entende o contrário e queira colocar as ERT na dependência das CCDR.
É o novo presidente do Turismo do Alentejo, em substituição de Ceia da Silva, que saiu para a CCDR Alentejo. Qual é a sua prioridade e estratégia para este mandato?
É verdade, tomei posse a 23 de novembro e vou complementar o atual mandato, onde já era vice-presidente e que vai até julho de 2023, ou seja, faltam cerca de dois anos e meio.
A prioridade neste primeiro ano é completar o plano de atividades, que é bastante ambicioso. Temos alguns projetos de infraestruturação de produto para acabar, como as Áreas de Serviço e Apoio ao Autocaravanismo e as Redes de Cycling, ambos para terminar até ao fim do ano. Depois, temos um conjunto de projetos novos ou que ainda estão em desenvolvimento, como a infraestruturação no Wi-Fi para o Alentejo Central e Norte, e obviamente também vamos ter algumas candidaturas novas, se o quadro que vai entrar em vigor nos der abertura para isso. Mas vamos continuar a estratégia que já estávamos a seguir e que tem alguns eixos que se cruzam precisamente com os produtos que temos e com as grandes linhas, como o Turismo de Natureza, o Turismo de Património ou o Património UNESCO.
Tenho também como prioridade conseguir melhores sinergias entre a ARPT e a ERT. Não quer dizer que a relação não fosse boa, sempre foi, e sempre fui defensor que não se devem acumular cargos, e continuo a defender. É algo que acontece bastante agora, mas acho que deve existir uma tensão positiva entre as entidades, porque a forma como a ERT olha para o produto turístico não é a mesma da ARPT. Para a ERT, o produto é uma preocupação final, enquanto para a ARPT é a preocupação inicial. E acho que deve haver esses dois olhares.
Pode parecer que estou em contradição ao assumir a presidência do Turismo do Alentejo, mas não, porque esta é uma situação excecional. Não existia outra solução legal decorrente da saída do anterior presidente e é excecional também porque não estava nos meus horizontes profissionais ser presidente do Turismo do Alentejo, mas obviamente é um desafio que encaro com responsabilidade. E já que a situação se põe, gostaria de aproveitar sinergias.
O que é que esse maior aproveitamento das sinergias poderá mudar na promoção do Alentejo, tanto na internacional como na destinada ao mercado doméstico?
Estamos a atravessar uma situação que se vai manter no primeiro semestre de 2021 e em que só o mercado interno pode ajudar o setor a manter-se à tona. Por isso, não me repugnava que, tendo nós necessidade de fazer mais promoção no mercado interno e sob a liderança da ERT, que é quem tem essa competência, pudéssemos ter técnicos da ARPT, que são muito experientes na promoção, a trabalhar o mercado interno. Não me repugna que as agências tenham competências no mercado interno. Existem diferenças sobre o conhecimento de um lado e do outro. O grande conhecimento do produto está na ERT, mas o grande conhecimento sobre a promoção está na agência. O Turismo de Portugal entende de outra maneira, porque o mercado externo é o único que traz divisas para o país e percebo os argumentos. Por isso, não o vamos fazer, mas penso que as agências podiam ter essa competência.
Estamos a atravessar uma pandemia que provocou uma crise sem precedentes no turismo. Além dessa questão da promoção, que desafios espera encontrar enquanto presidente do Turismo do Alentejo?
O maior desafio é conseguir que as empresas se mantenham abertas e mantenham os postos de trabalho, mas este é também o maior desafio para o país. É o primeiro grande desafio. É evidente que nem a agência nem a ERT são grandes financiadores, o que fazemos é transmitir ao Governo aquilo que são as necessidades das empresas, as deficiências dos programas que o Governo e o Turismo de Portugal lançaram e que têm revelado algumas falhas na chegada às empresas. Portanto, este é o grande desafio, manter o setor, sem que as empresas fechem, mas haverá muitas empresas que vão fechar, infelizmente.
Depois, temos outro grande desafio, a nível global, que é estarmos preparados para, logo que haja ocasião, retomarmos a atividade. E estou confiante, já mostrámos que Portugal trabalha o turismo como ninguém. Tal como em 2015, também agora o turismo vai ser o motivo da recuperação económica deste país.
Verão e retoma
Qual é a sua opinião sobre as medidas que têm vindo a ser lançadas para apoiar o setor e que medidas deveriam ser já adotadas para preparar a retoma?
Em primeiro lugar, o apoio às empresas não pode acabar quando os turistas estiverem de volta, tem de existir um período temporal em que se sobreponha o apoio às empresas, já com a retoma a decorrer. Mas percebemos que esta é uma situação inesperada e, neste momento, o último sítio onde gostaria de estar era no Governo.
Por outro lado, é preciso ver que o turismo interno é bom para manter as empresas abertas, mas não traz dinheiro para o país, há apenas uma distribuição de riqueza, mas se vier um estrangeiro, traz dinheiro de fora e isso faz toda a diferença. É isso que explica a separação entre a promoção interna e a promoção internacional. Mas o que temos de ver aqui é que, quando houver retoma, países como Espanha, Itália e França vão investir fortunas na promoção turística e nós temos de ter um plano, uma espécie de plano Marshall, neste caso um plano Siza Vieira ou Rita Marques, para fazer mais do que já fazemos e melhor. Acima de tudo, temos de fazer coisas diferentes.
Em relação às medidas que já foram lançadas para apoiar as empresas, qual foi a importância e a adesão que registaram a nível regional?
A principal medida, indiscutivelmente, foi o lay-off. Quando falo com os empresários, todos me dizem que essa foi a principal, tal como agora o lay-off a 100%. Essa foi, sem dúvida, a medida que fez a diferença para as empresas.
No Alentejo, houve encerramentos? Como é que as empresas estão a aguentar esta fase? Houve poucos, porque até meio de março o ano tinha sido muito bom. Janeiro e fevereiro foram meses fantásticos, no turismo externo subimos 30%, nunca tínhamos visto estes números, e o turismo interno também estava a crescer a dois dígitos, mais de 10%. Portanto, as empresas tiveram dois meses e meio bons, depois, foi preciso aguentar até ao verão. Mas o verão foi bom no Alentejo, não havia um quarto no Alentejo e os preços praticados, então.
O Alentejo foi, aliás, a única região do país onde o preço subiu no verão.
Subiu e de que maneira. Tínhamos sítios onde a semana chegava aos mil euros, as pessoas todas quiseram ir para o Alentejo. O Alentejo tinha poucos casos de COVID-19, é uma região de baixa densidade e tem qualidade.
A ERT lançou até uma campanha nessa altura, que tinha um ‘claim’ muito feliz, que é “Há um lugar…” e, depois, o resto pode-se acrescentar. “Há um lugar seguro”, “há um lugar maravilhoso”, “há um lugar onde se come bem”, o que quisermos. Tínhamos uma segunda fase dessa campanha para lançar agora, para os feriados de dezembro, mas cancelámos, não tinha sentido lançar a campanha quando as pessoas não podem viajar.
Portanto, no verão as empresas aguentaram-se, mas agora, a partir de outubro, é que vêm aí os tempos difíceis e o desafio é ver quem é que aguenta até à Páscoa.
O que é que explica o sucesso que o Alentejo teve este verão? Foi uma surpresa ou é o resultado do trabalho que já vinha a ser feito?
Não, não foi uma surpresa. O Alentejo é uma das marcas mais reconhecidas no mercado internacional pela qualidade e não estou a falar só de turismo. Há 20 anos, quando se falava no Alentejo vinham as anedotas, dizia-se que os alentejanos não queriam fazer nada, mas tudo isso mudou. As pessoas já reconhecem que o Alentejo tem qualidade e que os alentejanos sabem viver a vida. Hoje, o nosso modo de vida mais slow é aquilo a que toda a gente aspira. Não concordo que seja uma moda, porque a moda vai e vem, e a oferta do Alentejo assenta em valores muito seguros e que têm a ver com as nossas características culturais, de autenticidade, paisagísticas, de gastronomia e vinhos. É claro que houve um trabalho árduo de todos para mostrar isso, da agência, dos empresários, das câmaras municipais e dos alentejanos, que ao início achavam os turistas esquisitos, mas que já percebem a importância do turismo e recebem bem os estrangeiros.
E o Alentejo tem qualidade também porque construiu uma oferta para isso. Lembro-me que, há anos, quando me perguntavam o que é que se podia fazer no Alentejo, era difícil encontrar oferta para preencher uma semana. Agora, a questão é que uma semana não chega.
Aqui, quem fez a diferença e, de certo modo, coseu todo este tecido, foram as empresas de animação turística. Neste momento, temos cerca de 400 empresas de animação turística e, quando vim para o turismo, há 17 anos, existiam meia dúzia.
Os turistas portugueses foram, este verão, o mercado que fez a diferença, mas mesmo assim houve estrangeiros. Quais foram as nacionalidades mais representativas no Alentejo?
Houve muito poucos estrangeiros, mas mesmo assim fomos a região que, percentualmente, menos estrangeiros perdeu. Os alemães, franceses e espanhóis foram os mais representativos, com os espanhóis em primeiro lugar, mas vieram muito menos do que pensávamos. Os alemães, pelo contrário, surpreenderam porque não existiam restrições na Alemanha, agora já há. E tínhamos muita esperança no mercado belga e holandês, mas a situação naquela região piorou muito rapidamente e não correspondeu às nossas expetativas, assim como o Reino Unido, que só abriu ali uma semana e os turistas foram todos para o Algarve
E ao nível de mercados mais longínquos, como o brasileiro ou o norte-americano?
Zero. E é preciso notar que o Brasil, juntamente com a Alemanha, é o segundo mercado para o Alentejo. O primeiro mercado é o espanhol e depois vêm a Alemanha e Brasil, temos mais brasileiros a dormir no Alentejo do que ingleses, franceses ou qualquer outro mercado europeu. E os EUA eram o nosso quarto mercado, o que quer dizer que perdemos o segundo e o quarto mercado assim de repente. Por isso, estamos muito agradecidos aos portugueses que aguentaram isto.
Futuro
Qual é a sua expetativa para 2021, já será possível que exista alguma retoma turística e qual é a previsão para o Alentejo?
Não tenho expetativas, tenho palpites e a situação é tão fluida que é difícil fazer previsões. Mas, penso que agora há um fator decisivo, que é o aparecimento da vacina e, contrariamente a algumas previsões mais pessimistas, acredito que no próximo ano já poderá estar disponível. É possível que, até ao verão, a população na Europa e nos países desenvolvidos já esteja vacinada, mas até aí vamos viver do turismo interno. No segundo semestre, no meu palpite, já vamos começar a trabalhar e a ter resultados disso. Os city-breaks vão ser das coisas mais afetadas, mas penso que alguns destinos já consolidados e de sol e praia, como o Algarve, vão recuperar muito rápido.
Mas recuperação a sério, só vai acontecer em 2022. Se no final de 2022, conseguirmos ter 70% do que tivemos em 2019, já estaremos bem. Ou seja, voltamos ao que tínhamos em 2015 ou 2016. Por isso digo que o Turismo de Portugal tem de perceber isto e alavancar mais, nesta fase, a promoção, mesmo que seja só excecionalmente, durante um ano, e depois voltamos para trás. E há outra coisa que pode estar em cima da mesa, porque há forças que querem mexer na estrutura do turismo, nomeadamente das ERT. Sei que há quem gostaria que as ERT desaparecessem e é preciso ter muito cuidado neste momento, porque, na altura em que estamos, é preciso ter as entidades perfeitamente consolidadas.
E de que mudança se estaria a falar e o que é que isso implicaria?
Era colocar as ERT dentro das CCDR. Julgo que, neste momento, não se pode fazer isso. Uma coisa é discutir noutra altura e não me repugna que, quando a situação estiver estabilizada, possamos discutir se as ERT deviam manter a autonomia que têm. Não me repugna que isso se possa discutir, mas não agora. Neste momento, mexer nisso pode ser muito, muito mau. Estas estruturas já mostraram o que valem, porque grande parte do êxito do turismo em Portugal deve-se às estruturas regionais, obviamente que também aos empresários, mas se não houvesse as agências e as ERT, o turismo em Portugal não tinha os números que tem. Neste momento, seria dar um tiro no pé mexer na organização das ERT. Quando a pandemia passar, quando tudo estiver estabilizado, podemos discutir, nada é eterno, mas este não é o momento, o trabalho das ERT é imprescindível para a manutenção do setor do turismo e para a retoma da atividade. Nenhuma região está de acordo com isso e estou convencido que as associações empresariais, incluindo a CTP, também não.
Para concluir, gostava apenas de saber como gostaria que o seu mandato no Turismo do Alentejo fosse recordado?
Gostava de ser recordado como o Newton. Sou engenheiro e a física é um dos meus domínios, e o Newton foi o pai da física. Ele dizia: “se cheguei tão alto foi porque me ergui nos ombros de gigantes”. Traduzido numa linguagem mais pequenina, quero dizer com isto que a ERT chegou a um tal patamar de excelência, que gostaria que, quando eu saísse, pudessem dizer que o Vítor Silva acrescentou qualquer coisa. Era só isso que gostaria.
Leia a entrevista completa na edição digital do Publituris.