Descentralização turística: o novo “complicador” do setor
A descentralização turística veio mexer com a atribuição de competências na promoção e está a agitar o setor, motivando críticas por parte das Entidades Regionais de Turismo (ERT’s), que acusam a nova legislação de ser um complicador.
Inês de Matos
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A descentralização turística veio mexer com a atribuição de competências na promoção e está a agitar o setor, motivando críticas por parte das Entidades Regionais de Turismo (ERT’s), que acusam a nova legislação de ser um complicador.
A partir do início do ano, as Comunidades Intermunicipais (CIM’s) passaram a ter competência na promoção turística interna sub-regional, ao abrigo do decreto-lei 99/2018, que concretizou o quadro de transferência de competências previsto na Lei n.º 50/2018, aprovada pela Assembleia da República, em agosto de 2018. A nova legislação, que se insere num pacote de descentralização promovido pelo Governo, não está, no entanto, a ser bem acolhida pelas Entidade Regionais de Turismo (ERT’s), que eram, até essa data, quem tinha competência para decidir a promoção interna dos vários destinos nacionais.
Por ser um dos temas quentes do momento no turismo regional, o Turismo Centro de Portugal (TCP), que anualmente organiza o Fórum de Turismo Interno Vê Portugal, que este ano decorreu em Castelo Branco, a 21 e 22 de maio, dedicou toda uma tarde à discussão sobre o tema, que começou logo com uma intervenção do secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, que esclareceu que a nova legislação “não retira competências às entidades de turismo para colocar nas CIM’s, sobrepõe competências que continuam a ser das entidades de turismo, mas também são das CIM’s”. “As CIM’s asseguram esta promoção em articulação com as entidades regionais de turismo. As CIM’s assumem estas competências, que são exercidas em articulação com as entidades de turismo. Por isso, aquilo que se quer, é uma competência que seja partilhada, exercida em comum e em colaboração”, explicou o governante.
O problema é que, no final da intervenção, as dúvidas pareciam não ter sido desfeitas, já que no painel seguinte, dedicado ao modelo de promoção turística e no qual participaram os presidente das cinco ERT’s do continente – Porto e Norte, Centro, Região de Lisboa, Alentejo e Ribatejo, e Algarve -, bem como o presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo, que desempenhou o papel de moderador, a opinião era unânime: este processo de descentralização de competências é um “complicador”.
Decisão final
À exceção do Algarve, que por não ter NUT’s III não é afetado, nenhum dos restantes presidentes das ERT’s se mostrou confortável com a nova realidade, já que, resumiu Vitor Costa, presidente da Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa, “esta questão das comunidades intermunicipais não é muito objetiva”. Por isso, não admira que o debate tenha deixado no ar muitas questões, às quais ninguém parece conseguir dar resposta.
E a primeira questão, como invocou Vitor Costa, é logo a da decisão final. “O secretário de Estado explicou a lógica, mas eu pergunto: será em coordenação ou articulação com estas comunidades? Sou jurista reformado e, na minha cabeça, uma lei que diz ‘tem competência em articulação com…’, eu pergunto: quem é que manda?”, disse o responsável, enquanto Luís Pedro Martins, presidente da Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP) e que tem apenas três meses de mandato, se queixava de ter ficado ainda com mais dúvidas ao ouvir o governante. “Se esta transferência de competências for avante, a minha perceção, hoje, é que vamos ligar o complicador”, afirmou o presidente da TPNP, dando como exemplo a sua própria região, onde, dos quatro sub-destinos existentes, apenas no Minho se conseguiu chegar a consenso. “Será que as CIM’s se entendem sobre a mesma estratégia de promoção? Posso dizer que na minha região, não. Felizmente, há sub-destinos, como o Minho, em que as três CIM’s conseguiram chegar a acordo sobre a estratégia de promoção, mas há outros casos em que não”, revelou.
António Ceia da Silva, presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo, concordou com Luís Pedro Martins ao considerar que a nova legislação é um “complicómetro” e algo que “juridicamente era impensável”, enquanto Pedro Machado lembrou que “a região Centro tem 100 municípios, o que significa que faz a gestão de 100 vontades e, em muitos casos, dentro das comunidades intermunicipais há descontinuidade de produto”, motivo pelo qual diz não perceber a quem cabe o papel de responder “por uma estratégia articulada e convergente da promoção interna e, mais do que isso, pela promoção interna”.
Promoção externa
A lei prevê que a competência das CIM’s se limite à promoção interna sub-regional, no entanto, há quem duvide que estas entidades se contentem apenas com essa atribuição, como Pedro Machado, que aponta a gestão de expetativas como um dos desafios que esta legislação traz. “O que está em causa é um modelo de governança daquilo que vamos fazer e a gestão das expetativas daquilo que está a ser criado, porque numa boa parte, neste momento, a gestão de expetativas das comunidades intermunicipais já não é a promoção interna, que está no espírito da lei”, começou por advertir o presidente da TCP, num ponto em que Ceia da Silva seria bem mais explícito. “Não pensem – porque nos conhecemos muito bem – que eles se vão limitar à promoção interna, porque não. Quando aparecerem as maiores feiras internacionais, vamos ter 600 mil pavilhões sem estruturação nenhuma, sem marca e, então aí, estamos a brincar ao turismo”, referiu o presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo, sugerindo que o Turismo de Portugal crie uma espécie de Conselho de Concertação Regional, onde seja possível “reunir, articular estratégias e candidaturas aos fundos”, já que as CIM’s também passam a ter a competência de se candidatarem a apoios nacionais e europeus.
Revisão da Lei n.º 33/2013
Mais do que contra a nova legislação, as Entidades Regionais de Turismo querem ver reforçado o seu papel, daí que, como dizia Vitor Costa, talvez tenha chegado a hora de “pegarmos numa folha em branco e vermos o que queremos em relação ao turismo, às suas instituições e aos seus princípios”, enquanto Pedro Machado defendeu mesmo “alterações” à Lei n.º33/2013, que veio estabelecer e definir as ERT’s. “Temos hoje uma lei 33 que está desatualizada, temos garrotes dentro da lei 33 que já não respeitam os princípios para que ela foi criada em 2013 e a suposta autonomia financeira, hoje, está hipotecada por um conjunto de alterações, nomeadamente da conjuntura que o país sofreu. Por isso, temos uma falsa autonomia administrativa e financeira”, defendeu, revelando que “a verba do Turismo de Portugal para promoção das regiões é menos em 2019 do que era em 2012” e explicando que, por isso, concorda com Vitor Costa, pois “há uma reflexão profunda e construtiva para fazer, e onde o processo da descentralização deve ser interpretado como um salto de crescimento”.
E, neste ponto, também o Algarve está de acordo, com João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve, a afirmar que “além de voz, as regiões de turismo querem ter competências devidamente definidas e meios para as executar. Isso é comum a todos”.