Conversas à Mesa | Raúl Filipe
Raúl Filipe, presidente da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, foi o convidado do Conversas à Mesa que decorreu no restaurante Descobertas.
Carina Monteiro
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Conheci o professor Raúl Filipe em 2001, no primeiro ano da minha licenciatura na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE). Era meu professor de inglês. Naquela altura, estaríamos longe de imaginar que nos voltaríamos a encontrar anos mais tarde nestas circunstâncias: eu, como entrevistadora, ele como entrevistado. Combinámos almoçar no restaurante de aplicação da Escola, o Descobertas, na semana em que foi empossado para o segundo mandato como presidente da ESHTE. Enquanto degustávamos uma refeição preparada pelos alunos do curso de Produção Alimentar e Restauração e servida pelos alunos de Gestão Hoteleira, falámos da infância passada em Sintra, do gosto pelas aulas e da escola que dirige desde 2013.
Raúl das Roucas Filipe nasceu em Sintra, em 1962, numa casa que foi demolida para ser feito o Hotel Tivoli Sintra. A família vivia em Sintra e o pai era, na altura, chef de pastelaria do Hotel Palácio de Seteais.
Da infância, recorda uma vila “com tão pouca gente” que era possível “jogar à bola no meio da estrada”. Não tinha irmãos, mas tinha muitos amigos vizinhos. “No centro histórico de Sintra viviam muitas famílias com filhos únicos homens e nós tínhamos uma relação muito próxima”, recorda. Estudou no colégio Académico de Sintra e depois foi para o ensino oficial. Era um aluno razoável, tinha excelentes notas nas disciplinas relacionadas com humanísticas, mas pouco aplicado nas restantes. Em criança, não dava dores de cabeça aos pais. “Nós eramos daquela geração que ia almoçar a casa e brincava na rua até ao lanche, e depois até à hora de jantar, a vida era completamente diferente. Hoje, ficamos muito preocupados por não saber dos nossos filhos durante 20 ou 30 minutos”, conta.
Também recorda as idas ao Palácio de Seteais e de ver o pai sentado à mesa com os outros chefs e o director do hotel. Planeavam ementas e falavam dos serviços. “Lembro-me que todos os dias da semana havia um cozinheiro diferente a cozinhar para aquela mesa que fazia questão de fazer sempre algo extraordinário. Acho que dificilmente voltarei a ter tanta qualidade e diversidade gastronómica como nesse espaço de tempo”.
Quando o pai abriu a pastelaria Vila Velha, no centro histórico de Sintra, Raúl Filipe passava lá muito tempo. “Quando temos 15 anos, regra geral, temos falta de dinheiro para fazermos coisas, eu tinha falta de tempo, porque muitas vezes tinha de estar a ajudar na pastelaria”.
Entrou para a Faculdade de Letras, para o curso de Estudos Ingleses e Alemães. Quando terminou os estudos, deu aulas durante seis meses, mas não gostou da experiência. Surgiu então a oportunidade de entrar para as Relações Internacionais de um banco. Depois disso, voltou a dar aulas e desta vez gostou, ao ponto de perceber que era aquilo que queria fazer. “Dei três anos de aulas no Ensino Secundário, na Escola Secundária de São João do Estoril e nos Salesianos. Depois, abriu um concurso para os primeiros assistentes do quadro da ESHTE e entrei”, recorda. Raúl Filipe ingressou na ESHTE em 1994, três anos depois desta ter sido fundada.
Antes disso, Raúl Filipe teve de assumir o negócio dos pais muito cedo. “O meu pai faleceu quando tinha 21 anos e a minha mãe quando eu tinha 30. Durante uns tempos dei aulas e assumi o negócio. Lembro-me dos funcionários, preocupados, me perguntarem se ia vender a pastelaria, porque, naturalmente, estava sozinho, e eu dizia-lhes que não se preocupassem e que iriamos continuar”, conta.
Mais tarde, Ana, a mulher de Raúl Filipe, assumiu a gestão da Vila Velha. “A Ana tinha sempre trabalhado em moda, era gestora do Printemps, mas tinha estudado Gestão Hoteleira, na Universidade Internacional. Quando o Printemps fechou, foi convidada para ir para o El Corte Inglés, em Espanha, mas tínhamos casado há pouco e a Ana lançou-me o desafio de gerir a pastelaria, já lá vão 17 anos”.
Raúl Filipe não tem dúvidas que dar aulas é o que mais gosta de fazer, não só pela transmissão do conhecimento, mas também pelo prazer que tem em encontrar alunos pelo mundo fora em cargos na hotelaria ou nas agências de viagens. Uma das iniciativas que tomou durante o primeiro mandato como presidente da ESHTE foi dinamizar a associação de antigos alunos da ESHTE.
Presidência da ESHTE
A eleição para presidente da ESHTE em 2013 foi um processo natural, conta Raúl Filipe. Ser presidente da ESHTE não estava nos seus planos, mas vários colegas incentivaram-no a fazê-lo, por considerarem que era a pessoa certa, pela experiência adquirida ao longo de mais de 20 anos de ESHTE e por ter passado por cargos como a coordenação das relações internacionais, de vários cursos e de áreas científicas bem como pelo trabalho como presidente do Conselho Pedagógico e do Conselho Científico.
“Foi um primeiro mandato em que tive a enorme sorte de ter como vice-presidente o professor Sancho Silva. Enquanto faço a representação e trato de outras matérias que têm a ver com o relacionamento entre os órgãos da ESHTE, o professor Sancho Silva está mais focado na área financeira e na planificação. Já o convidei para vice-presidente do segundo mandato e ele aceitou”, afirma.
Raúl Filipe elege duas matérias que marcaram o mandato de 2013/2017: a recuperação financeira e a credibilidade junto da A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. No primeiro caso, quando chegou à presidência da escola, a ESHTE tinha uma situação financeira complicada. “Neste momento, temos um saldo acumulado de cerca de dois milhões de euros”, conta. A verba acumulada, explica Raúl Filipe, servirá para financiar parte das obras de ampliação da ESHTE. “Pela primeira vez, ao fim de 26 anos, é assumido entre a ESHTE e o Turismo de Portugal que existe intenção de dividir as instalações, o que significa que, caso este processo seja bem-sucedido, vamos finalmente ter instalações independentes”, afirma.
Quando as obras de ampliação estiverem concluídas, Raúl Filipe não estima que haja um grande crescimento de alunos. “Temos 2000 alunos e não queremos ter muito mais, porque a qualidade depois começaria a baixar. Continuamos a preencher as vagas todas; de facto, contrariamente a várias instituições de ensino superior que se debatem com a falta de alunos, nós deparamo-nos com a falta de espaço. Penso que não será alheio o facto de termos uma taxa de empregabilidade de cerca de 95%, o que nos coloca entre as melhores instituições de Ensino Superior nesse índice”. Segundo o presidente da ESHTE, o que contribui para este sucesso é a preocupação em “estar sempre à frente e saber o que o mercado precisa”, ter uma enorme preocupação com o ensino ministrado e naturalmente a qualidade dos alunos que todos os anos procuram a ESHTE. “Uma das questões importantes para nós é ouvir o trade, damos por exemplo muita importância ao Conselho Consultivo, constituído pelos presidentes dos vários órgãos da ESHTE e também por vários representantes do trade”, refere. Muito importante também é a preocupação do corpo docente da ESHTE em ensinar aos alunos aquilo que eles precisam (mesmo que para isso tenham que investir muito em actualização), e não apenas aquilo que já sabem e estão habituados a transmitir.
Também assume relevo na qualidade da prestação da ESHTE a dedicação e o contributo dos colegas não docentes, os quais desempenham por vezes funções pouco visíveis, mas fulcrais para a instituição.
Para o mandato que agora se inicia, Raúl Filipe elege como prioridades a resolução da questão das instalações, a actualização dos estatutos bem como a avaliação dos cursos leccionados e eventuais alterações, o reforço da investigação e a internacionalização crescente da ESHTE.
Hoje em dia, a maior parte do tempo é dedicado à gestão da ESHTE, muito mais do que com as aulas. Lecciona em alguns seminários de mestrado e doutoramento, porque são pontuais e permitem fazer uma gestão mais fácil do tempo, ao contrário das licenciaturas. “Quando estou a dar aulas, sinto quase que é uma terapia. Se gostamos realmente de ser professores, dar aulas é um gozo tremendo”.
O futuro de Raúl Filipe passa pela ESHTE, agora como presidente, e no final dos próximos quatro anos, a dar aulas novamente. Já teve convites na área do ensino para leccionar noutras instituições, e também para fazer algo completamente diferente. Conta que há um ano um americano convidou-o para almoçar e no final disse-lhe que estava a fazer uma entrevista de emprego. “Respondi que não estava à procura de emprego”, afirma. Era uma empresa americana que recruta pessoas para diversos países com vista a resolver atritos e fechar negociações. “Os portugueses devem ter muito jeito para isso, porque, sendo uma empresa americana com 28 trabalhadores a desempenharem estas funções, mais de metade são portugueses”. Recusou, mas reconhece que “muito do tempo de gestão é a resolver conflitos”. Apesar de sentir falta de dar aulas, gosta deste trabalho de gestão.
Hobbies
Desportista desde miúdo, jogou hóquei e fez judo durante vários anos. Hoje em dia, como tem menos tempo, vai ao ginásio e faz caminhadas, acompanhado pela família. Gosta de viajar, ler e estar com os amigos. Tem amigos de infância e da faculdade, mas, ao fim de 23 anos na ESHTE, também conserva amigos deste período com os quais mantém contacto. Valoriza a honestidade e a sinceridade, sendo que, hoje, “a flexibilidade e a adaptabilidade são muito importantes”. Como professor “tenho uma boa relação com os alunos, tento ser rigoroso e tenho a perfeita noção que aquilo em que mais posso falhar é na avaliação pois um professor nunca avalia o que os alunos sabem, mas aquilo que os alunos demonstram saber e isso é um dos dramas com que temos de conviver. Dar aulas é um gozo valente”, remata.
Restaurante Descobertas
O Descobertas é o restaurante de aplicação partilhado pela Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e a Escola de Turismo e Hotelaria do Estoril. No dia em que fizemos o Conversas à Mesa decorria uma aula da disciplina Cozinhas do Mundo, do 3º ano do curso de Produção Alimentar e Restauração. Os alunos confeccionaram naquele dia cozinha tailandesa.