Turismo e inflação
Em momento de forte retoma da procura, a inflação representa riscos acrescidos para o setor do Turismo.
Jorge Catarino
Professor na PG “Top Management in Hospitality and Tourism” ISCTE Executive Education
De acordo com o último relatório da Organização Mundial de Turismo (OMT), o turismo internacional está a recuperar de forma notável da crise sanitária Covid-19, tendo atingido as 117 milhões de chegadas no 1º trimestre de 2022- o triplo das 41 milhões de chegadas do mesmo trimestre do ano passado – um crescimento superior a 180%. Mesmo assim, as chegadas internacionais encontram-se ainda 61% abaixo do volume pré-pandemia, mantendo-se uma boa margem de crescimento e recuperação da procura turística.
Todavia, além da evidente escassez geral de talentos, aspeto da maior relevância do lado da oferta, há um outro assunto que preocupa sobremaneira muitos dos stakeholders do setor do Turismo, por ter impactos simultâneos do lado da procura e da oferta, ameaçando uma recuperação mais rápida e saudável das empresas: a crescente subida da taxa de inflação.
Efetivamente, a subida geral de preços, assimétrica entre países e destinos, afeta a competitividade relativa destes por via do preço, hoje ainda mais percetível devido ao Euro. Neste âmbito, Portugal tem a vantagem de ser percebido como um destino relativamente barato, embora a inflação portuguesa seja superior à de alguns concorrentes e o Governo (devido ao elevado endividamento) não possa mitigar os seus impactos de forma muito expressiva, como outros países fazem, nomeadamente reduzindo impostos sobre bens essenciais e energia.
O aumento dos custos dos combustíveis e da eletricidade implicará certamente custos de transporte mais altos, do avião aos comboios, com redução do uso do transporte próprio ou da distância percorrida. Por outro lado, bens alimentares mais caros implicam subida geral dos preços nos restaurantes e uma maior preferência por alojamento self-catering, relevante sobretudo para famílias e estadas longas.
A pressão inflacionista sobre os orçamentos de famílias e empresas nos mercados emissores, junta com uma enorme incerteza quanto ao futuro próximo, acaba por impactar negativamente o consumo de bens e serviços julgados não essenciais, incluindo as viagens e turismo, e a decisão de compra de bens duradouros.
Um cenário de inflação como o que se vive atualmente, coloca também pressão para a subida de salários, decorrente da notória escassez de mão-de-obra, qualificada e não qualificada, e de uma situação de quase pleno emprego em diversos destinos turísticos. Sendo os salários uma parte muito substancial dos custos operacionais, a inflação representa uma clara ameaça à rendibilidade das empresas, caso estas não repercutam os aumentos dos custos salariais, mas também das matérias-primas, da energia e até dos juros, nos preços finais ao consumidor. Porém, este aumento de preços deve ser ponderado, até porque a concorrência limita subidas significativas, sob pena de perda de quota de mercado devido à elasticidade procura-preço.
Considerando que Turismo é também (sobretudo) prestação de serviços, e esta se faz com pessoas, as dificuldades de recrutamento devem significar uma deterioração gradual da sua qualidade, com impacto direto e imediato nas avaliações dos clientes e no volume de reclamações. Sendo certo que menos (ou pior) serviço por preços mais altos (em termos absolutos ou relativos) significa degradação da relação qualidade-preço ou value for money, importa fazer reengenharia de processos e dedicar muito maior atenção que até agora, quer ao controle de custos, quer ao revenue management, o que certamente colocará importantes desafios às empresas do setor do Turismo, em Portugal e noutros destinos seus concorrentes.