Preparar o Turismo para o futuro: Estratégia Turismo 2035
Acredito que a Estratégia Turismo 2035 deve ter uma visão descentralizada, pois o crescimento sustentável do Turismo nacional só será possível com a participação ativa de todas as regiões.
A Estratégia Turismo 2035 (ET 2035) é o caminho para construir um futuro mais sólido e resiliente para o Turismo em Portugal, aprendendo com os desafios e progressos de programas anteriores, como a Estratégia Turismo 2027 (ET 2027). Esta nova estratégia deve ir além de uma visão centrada nas grandes cidades, ao reconhecer o valor das diversas regiões de Portugal e as suas particularidades.
Saúdo a iniciativa do Turismo de Portugal em começar já a construir esta Estratégia para os próximos 10 anos, percorrendo todas as regiões do país com um ciclo de conferências que convidou à participação das várias entidades públicas e privadas que compõem o setor.
As projeções anunciadas pelo secretário de Estado do Turismo e pelo presidente do Turismo de Portugal revelam que o Turismo vai atingir, já este ano, 27 mil milhões de euros de receitas.
O facto deste e de outros objetivos da ET27 estarem praticamente atingidos, três anos antes do previsto, torna necessário avançar-se para uma nova estratégia no Turismo em Portugal, que prepare o setor para os próximos 10 anos.
O bom desempenho do Turismo nos últimos anos reforça a importância de um programa desta magnitude, que aborda o Turismo numa perspetiva nacional, com foco local, com o contributo tanto de entidades privadas como de entidades públicas e com objetivos ambiciosos, que orientem os stakeholders deste setor.
Descentralizar e agregar
Acredito que a Estratégia Turismo 2035 deve ter uma visão descentralizada, pois o crescimento sustentável do Turismo nacional só será possível com a participação ativa de todas as regiões. Isso já aconteceu no ciclo de conferências de preparação que decorreram em todo o país e espero que se traduza também nesta nova Estratégia.
Com foco numa distribuição equilibrada do Turismo, que considera tanto as zonas rurais quanto os polos urbanos, esta nova estratégia deve encontrar soluções para valorizar a força de trabalho, tornar a mobilidade mais eficiente e aumentar a cobertura geográfica, aliviar a pressão em destinos saturados, como Lisboa e o Algarve, mas também procurar novas formas de aumentar a receita por turista. Também é fundamental a aposta em territórios menos explorados, pois traz benefícios económicos e sociais locais, e preserva melhor as infraestruturas e os recursos naturais do país.
Esta descentralização deve ainda estar alinhada com a promoção de cada região como um destino singular, aproveitando a sua diversidade cultural e ambiental. O Douro, por exemplo, não deve ser promovido apenas como uma extensão do Porto, mas sim como um destino com identidade própria. Com iniciativas que promovam experiências autênticas e vínculos emocionais entre visitantes e comunidades locais, acredito que cada região poderá contribuir de forma única para o sucesso do Turismo nacional.
Dados e projeções: o que podemos esperar?
De acordo com dados do Turismo de Portugal, entre 2010 e 2019, o Turismo no nosso país cresceu, em média, 7,4% ao ano. Em 2023, já ultrapassámos os valores pré-pandemia, tendo recebido 30 milhões de turistas. As previsões indicam que, até 2035, esse número poderá ultrapassar os 35 milhões.
Segundo dados do INE, entre janeiro e agosto deste ano, os estabelecimentos de alojamento turístico do país receberam 21 milhões de hóspedes (+5,1% vs o mesmo período de 2023), que foram responsáveis por 55 milhões de dormidas (+4,1% face ao mesmo período de 2023). Já os preços por noite aumentaram 7%.
Nesta discussão da ET 2035, o Secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado, afirmou algo com o qual concordo: “Portugal não tem turistas a mais”. Mas o objetivo não pode ser apenas aumentar o volume de turistas; a meta tem de ser crescer em valor, promovendo um Turismo que gera receitas mais elevadas e sustentáveis. As estimativas apresentadas neste ciclo de conferências apontam para a ET 2035 elevar o rendimento médio por turista em 20%, apostando em segmentos de maior valor acrescentado, como o Turismo de Luxo e o Turismo de Saúde e Bem-Estar.
Valorizar para crescer em valor
Para que esta visão se materialize, há vetores que considero ser muito importante ter em conta nesta Estratégia:
1) Aumentar a receita por turista: podemos aprender com Espanha, que apostou fortemente no Turismo premium, com experiências de luxo que atraem um turista com mais poder de compra. Só em 2023, Espanha recebeu mais 20% de turistas provenientes dos EUA, em relação a 2019. Cá em Portugal o mercado norte-americano também tem crescido, principalmente em Lisboa e no Porto, mas o segmento do Turismo de Luxo não se esgota nas grandes cidades e Portugal tem mais regiões com capacidade para ter uma oferta de luxo a nível turístico.
Também o Japão foi um caso bem-sucedido de aumento da receita por turista, por duas vias: investimento no Turismo cultural e de nicho, focado em experiências autênticas, que atraiu turistas que estão dispostos a gastar mais por experiências mais exclusivas; expansão de vistos de longa duração, o que facilitou a entrada de visitantes de mercados prioritários e promoveu estadias mais longas, o que aumentou o gasto médio por turista. Só nos primeiros 9 meses deste ano, os quase 27 milhões de turistas que visitaram o Japão gastaram mais de 17,6 triliões de yuans (cerca de 107 mil milhões de euros, fonte: Agência Turismo do Japão), ultrapassando já o valor total de 2023. Para este ano, o World Travel and Tourism Council (WTTC) projetou uma despesa total dos turistas de 31,2 triliões de yuans (cerca de 190 mil milhões de euros).
A China também aplicou uma política de isenção de visto no final de 2023 e aumentou este ano o prazo de 15 para 30 dias. No terceiro trimestre deste ano, a China recebeu 8,19 milhões de visitantes estrangeiros, o que representa um aumento de 48,8% em comparação com o mesmo período de 2023 (fonte: agência Xinhua). Desses, 4,89 milhões entraram no país graças à isenção de visto, um crescimento de 78,6% em relação ao ano anterior.
2) Apoio ao desenvolvimento local: É importante criar incentivos financeiros e fiscais para projetos de Turismo sustentável em regiões fora das grandes cidades, que promovam experiências ligadas à natureza e ao património cultural local. Estes projetos podem ser uma alavanca para revitalizar economias locais, criar emprego, fixar populações e preservar o legado regional.
O Interior de Portugal tem uma riqueza natural, cultural e histórica que possibilita um rol de iniciativas, como a reabilitação de aldeias históricas, a criação de eco–lodges e glampings de luxo ou a implementação de rotas temáticas, como trilhos gastronómicos, culturais ou geoturismo.
3) Promoção de destinos emergentes: Este vetor vem “de mãos dadas” com o anterior. Ao investir na promoção de destinos alternativos, o Turismo de Portugal pode atrair públicos que buscam experiências mais autênticas e diversificadas, aliviando a pressão sobre os destinos mais populares. A promoção de regiões como o Alentejo, Trás-os-Montes ou a Costa Alentejana como destinos de luxo sustentável pode atrair turistas com maior poder de compra e sensibilidade ambiental.
4) Mobilidade: A potencialização das várias regiões de Portugal não tem forma de andar sem um plano robusto para a Mobilidade. É fundamental um Plano de Mobilidade ajustado às necessidades das várias regiões do país. É importante direcionar os fluxos turísticos que chegam aos aeroportos de Lisboa e Porto para todo o país, investindo tanto na estrutura ferroviária como na rodoviária.
Facilitar o acesso a destinos turísticos e aumentar o fluxo de visitantes impulsiona o Turismo de longo curso, tradicionalmente associado a maior despesa.
A título de exemplo, a Zona Centro é a única que não tem um aeroporto a servi-la, ao passo que há cidades, como Viseu e Coimbra, que ainda não têm uma auto-estrada a ligá-las.
5) Captar e reter talento: com o Turismo a crescer a um ritmo fulgurante, a retenção e captação de talento será um fator chave no sucesso do setor. É fundamental melhorar os planos de compensações e benefícios, implementar bancos de horas, que oferecem maior flexibilidade aos colaboradores e uma compensação mais justa, e investir em programas de formação e desenvolvimento de competências, de forma a melhorar a progressão na carreira.
Um ponto fundamental aqui é a integração e a formação de imigrantes, que compõem uma grande parte da força de trabalho deste setor. Neste momento, só a Hotelaria e a Restauração já empregam 120 mil imigrantes. O Governo prometeu 2,5 milhões de euros para formar refugiados e migrantes no Turismo, no âmbito do plano “Acelerar a Economia”. É preciso criar condições para manter o talento, mas também é necessário formar mais pessoas.
6) Segurança: O Travel & Tourism Development Index 2024, realizado pelo World Economic Forum, colocou Portugal como o 5º país mais seguro para viajar. Num período de forte perturbação a nível mundial, com focos de tensão em muitas áreas do globo, Portugal deve promover amplamente este fator que é decisivo na escolha do destino a visitar.
7) Sustentabilidade: considero muito relevante investir em infraestruturas que promovam um Turismo mais ecológico, como ciclovias, transportes públicos sustentáveis e redes de carregamento para veículos elétricos em regiões turísticas. Mas também é importante as ações dos stakeholders para tornar a sua atividade mais sustentável, em temas como a economia circular, a eficiência energética, a gestão da água e o seu reaproveitamento, a gestão de resíduos e a conservação da biodiversidade.
Para isto será importante a “Linha Turismo + Sustentável”, do programa “Acelerar a Economia”, que inclui uma linha de financiamento de 50 milhões de euros destinada a apoiar investimentos na área da Sustentabilidade Ambiental no setor do Turismo.
A Estratégia Turismo 2035 deve ser o reflexo do compromisso com um Turismo de qualidade, abrangente e sustentável. Para isso, é imperativo que a estratégia seja pensada de forma colaborativa, envolvendo privados, setor público e, principalmente, as comunidades locais.
Este é o caminho para um Turismo que gera valor para todos, preservando as características que fazem de Portugal um destino único e promovendo um crescimento equilibrado e responsável.