O Turismo ao serviço das Pessoas
Cabe também a nós, gentes do turismo, sugerir estratégias que aproximem as pessoas do turismo, numa relação que se quer simbiótica. É preciso fazer com que as comunidades locais sintam a mais-valia que representa para as suas vidas e para o seu dia-a-dia, terem turismo à sua porta, e isso é possível.
O Turismo nem sempre foi como hoje o conhecemos. Aliás começou por ser algo muito diferente quando surgiu por alturas da Idade Média, motivado pela necessidade de se viajar para se estabelecerem as trocas comerciais. Desde aí foi fazendo o seu caminho e já mais tarde, no século XIX, Thomas Cook, aquele que é considerado o pai do turismo moderno, massifica o turismo com o início da comercialização das viagens, passando assim de uma atividade de mera deslocação de pessoas, para uma verdadeira indústria.
Também ao longo do tempo a definição de Turismo foi mudando. Em 1911, o Turismo é o conceito que compreende todos os processos, especialmente os económicos, que se manifestam na chegada, na permanência e na saída do turista de um determinado município, país ou estado, para hoje ser o «conjunto das atividades desenvolvidas por pessoas durante as viagens e estadas em locais fora do seu ambiente habitual por um período consecutivo que não ultrapasse um ano, por motivos de lazer, de negócios e outros» (OMT/UNWTO).
Mas o Turismo é muito mais do que a definição comporta. O Turismo é uma ciência social, que cruza com uma série de outras, desde logo com a economia, mas também com a psicologia e a antropologia. E trago aqui este aspeto para o relacionar com outro cada vez mais importante, e que diz respeito à relação e às interações (complexas) que se estabelecem entre o turismo/turistas e as comunidades locais.
Apesar dos aspetos positivos que o Turismo nos traz, e que são evidentes e sobejamente reconhecidos, nomeadamente ao nível económico, de criação de postos de trabalho, da reabilitação, entre tantos outros, não podemos escamotear e muito menos ignorar algum impacto menos positivo que possa causar, e para o qual devemos estar particularmente atentos para que não se destrua um equilíbrio que se quer sustentável.
O Turismo já se deparou com épocas turbulentas, e até recentes como a pandemia de má memória, mas considero que hoje o Turismo enfrenta uma fase especialmente desafiante, e em que devemos mudar o paradigma, dividindo o foco hoje muito centrado no turista, com o foco também na comunidade local, na certeza de que uma cidade só será boa para o turismo, quando também o seja para a comunidade onde se insere.
Hoje vemos em algumas cidades, especialmente naquelas com maior pressão turística, que os locais olham para o turismo com desconfiança e até alguma animosidade, baixando os índices da tão típica e apreciada hospitalidade, com consequências na experiência do próprio turista, e isso a ninguém aproveita.
Obviamente que o Turismo deve ser responsável para ser sustentável e responder ao impacto que o próprio provoca, nomeadamente, ao nível ambiental, ao nível da pressão sobre infraestruturas locais ou ao nível da preservação da autenticidade. Mas também não se confunda traços de “tipicidade” que caracterizavam alguns bairros das nossas grandes cidades, com aquilo que nada mais era do que sinais de alguma pobreza.
Considero que nos cabe também a nós, gentes do turismo, sugerir estratégias que aproximem as pessoas do turismo, numa relação que se quer simbiótica. É preciso fazer com que as comunidades locais sintam a mais-valia que representa para as suas vidas e para o seu dia-a-dia, terem turismo à sua porta, e isso é possível.
Desde logo, ao criar-se um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios, mais riqueza estas terão para distribuir e mais postos de trabalho poderão assegurar, precisamente aos habitantes locais, e mais recursos terão para investir na qualificação e excelência da sua oferta, valorizando o território.
Apesar de se impor uma reflexão profunda e multidisciplinar sobre toda esta problemática, e que já tarda, há medidas que podem ser tomadas já, assim haja vontade. E deixo aqui apenas um exemplo que poderia e deveria ser seguido. Há receitas que o turismo gera, que podiam reverter diretamente para a comunidade local, como é o caso das receitas das taxas turísticas. Apesar de discordar vivamente dessas taxas, quando existam (e já são muitos municípios que as implementaram) parte desses valores deviam ser utilizados em investimentos ao nível da mobilidade, da limpeza, da segurança pública, da iluminação e da melhoria geral do espaço público, contribuindo efetivamente para o bem-estar da comunidade local e também de quem nos visita, seguindo uma tendência de turismo regenerativo.
O turismo, como nenhuma outra atividade, tem um enorme potencial para ser uma força positiva de transformação das comunidades. Não o desperdicemos.