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Cancelamento de voo: a compreensível maior exigência no consentimento do passageiro para o reembolso sob a forma de milhas comparativamente ao pagamento em dinheiro

Acórdão do TJUE (Sétima Secção), de 16 de janeiro de 2025, no processo C-642/23, decorrente de um pedido de um tribunal de recurso alemão (Landgericht Düsseldorf), envolvendo uma companhia aérea, a Etihad Airways e a Flightright GmbH, uma empresa especializada na obtenção de indemnizações em caso de cancelamentos, atrasos de voos ou overbooking, à qual os passageiros cedem os seus direitos.

Cancelamento de voo: a compreensível maior exigência no consentimento do passageiro para o reembolso sob a forma de milhas comparativamente ao pagamento em dinheiro

Acórdão do TJUE (Sétima Secção), de 16 de janeiro de 2025, no processo C-642/23, decorrente de um pedido de um tribunal de recurso alemão (Landgericht Düsseldorf), envolvendo uma companhia aérea, a Etihad Airways e a Flightright GmbH, uma empresa especializada na obtenção de indemnizações em caso de cancelamentos, atrasos de voos ou overbooking, à qual os passageiros cedem os seus direitos.

Carlos Torres
Sobre o autor
Carlos Torres
  1. Introdução

Iniciado 2025, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), aborda porventura duma forma mais assertiva uma matéria por ele aflorada em 21 de março de 2024 (caso Cobult, C-76/23) uma decisão que motivou algumas críticas por parte de especialistas, designadamente alemães: os requisitos do consentimento por parte dos passageiros para a aceitação de indemnizações sob a forma de vales de viagem e /ou outros serviços.

Refiro-me ao acórdão do TJUE (Sétima Secção), de 16 de janeiro de 2025, no processo C-642/23, decorrente de um pedido de um tribunal de recurso alemão (Landgericht Düsseldorf), envolvendo uma companhia aérea, a Etihad Airways e a Flightright GmbH, uma empresa especializada na obtenção de indemnizações em caso de cancelamentos, atrasos de voos ou overbooking, à qual os passageiros cedem os seus direitos.

Em causa o Regulamento 261/2004 sobre regras comuns para a indemnização e assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos. Mais precisamente o art.º 8º/1/a) que prevê o reembolso no prazo de sete dias do preço total da compra do bilhete para a parte ou partes da viagem não efetuadas. Esse reembolso é efetuado de harmonia com o nº 3 do art.º 7º: em numerário, através de transferência bancária, ordens de pagamento bancário ou cheques. No entanto, o pagamento pode realizar-se através de vales de viagem e/ou outros serviços, carecendo, porém, do acordo escrito do passageiro.

  1. Cancelamento de um voo com vários segmentos

O voo da Etihad Airways, marcado para 7 de setembro de 2020, partiria de Düsseldorf com destino a Brisbane e conexão em Abu Dhabi. A reserva era para um bilhete de ida e volta com data de regresso em aberto. O preço total pago foi de 1.189 euros por passageiro, pago pela cedente a um operador turístico. No entanto, o voo entre Düsseldorf a e Abu Dhabi foi cancelado, tendo o operador turístico declarado insolvência, em julho de 2020, sem ter reembolsado o bilhete.

O pai da passageira dirigiu-se, em nome desta última, à companhia aérea a qual se propôs efetuar uma alteração formal da reserva que o pai da cedente aceitou. Este último, em contato com a Etihad Airways, confirmou que a cedente e o passageiro que deveria acompanhá-la receberiam: milhas equivalentes ao valor pago pelo bilhete, válidas por dois anos; milhas adicionais no valor de 400 dólares e 5.000 milhas extras, desde que criassem contas de passageiro frequente, o que foi feito. No entanto, apenas o passageiro acompanhante recebeu as milhas prometidas, enquanto a passageira cedente não.

Em 16 de março de 2021, a Flightright, representando o pai da cedente e o passageiro acompanhante, notificou a Etihad, invocando o direito de reembolso integral do bilhete, conforme o Regulamento n.º 261/2004, no prazo de sete dias, para todas as partes da viagem não efetuadas.

  1. Questões colocadas pelo tribunal alemão aos juízes europeus

Não se alcançando um acordo, seguiu-se a via judicial sendo que a Flightright perdeu na primeira instância (Amtsgericht Düsseldorf).  Não se conformando, interpôs recurso pelo que o Landgericht Düsseldorf, que é o órgão jurisdicional de reenvio, colocou a seguinte questão prejudicial:

– o artigo 8.°/1/a), lido em conjugação com o artigo 7.°/3, deve ser interpretado no sentido de   que, ao aceitar um reembolso sob a forma de «milhas» e ao abrir uma conta de passageiro frequente no sítio Internet da Etihad Airways, que devia ser creditada com estas «milhas», a cedente deu o seu «acordo escrito», na aceção do artigo 7.º/3, quanto a esta forma de reembolso, apesar de não ter confirmado o seu acordo neste sentido através de uma assinatura manuscrita.

Dito de outro modo, a criação de uma conta de fidelização constitui o “acordo assinado do passageiro” previsto no art.º 7º/3 do regulamento?

E uma segunda questão, para o caso de resposta afirmativa à primeira, foi colocada pelo Tribunal Regional de Düsseldorf: pode o passageiro revogar o acordo que deu uma vez validamente para o reembolso do preço de compra do bilhete sob a forma de vales de viagem e créditos e voltar a exigir o cumprimento em dinheiro, se a transportadora aérea não creditar posteriormente os vales de viagem e os créditos prometidos na sua conta de cliente?»  Sinteticamente: se tal acordo existir, o passageiro pode revogá-lo posteriormente e exigir o reembolso em numerário se a companhia aérea não creditar as milhas?

  1. A resposta dos juízes europeus

O TJUE decidiu que a criação de uma conta de fidelização não constitui um “acordo assinado”, a menos que o passageiro dê um consentimento claro, explícito e informado a este método de reembolso.

O Regulamento 261/2004 sublinha a importância de proporcionar aos passageiros escolhas informadas e dá prioridade ao reembolso monetário, a menos que seja explicitamente acordado de outra forma. A estrutura do art.º 7.°/3 indica que o reembolso do bilhete é efetuado, principalmente, sob a forma de uma quantia em dinheiro. Em contrapartida, o reembolso sob a forma de vales de viagem apresenta-se como uma modalidade subsidiária de reembolso, uma vez que está subordinado ao requisito adicional de um «acordo escrito do passageiro». Invoca-se expressamente o acórdão de 21 de março de 2024, Cobult, C-76/23 (ver Publituris nº 1548, pág. 46)

Embora o Regulamento n.° 261/2004 não defina o conceito de «acordo escrito do passageiro», referido no seu art.º 7º/3, o TJUE destacou que aquele regulamento visa assegurar um elevado nível de proteção dos passageiros e do dever de informação que incumbe à transportadora aérea operadora os quais resultam, essencialmente, dos considerandos 1, 2, 4 e 20. O legislador europeu almeja que o passageiro possa fazer uma escolha eficaz e informada e, deste modo, de consentir de forma livre e esclarecida no reembolso do seu bilhete sob a forma de um vale de viagem e não sob a forma de uma quantia em dinheiro.

O TJUE decidiu que não se pode considerar que os passageiros concordaram com os vales de viagem apenas através da criação de uma conta. Em caso de cancelamento de um voo pela transportadora aérea operadora, não se considera que o passageiro tenha dado o seu «acordo escrito» para o reembolso do bilhete sob a forma de vales de viagem quando tenha criado, no sítio Internet dessa transportadora, uma conta de passageiro frequente para a qual esses vales deviam ser transferidos, sem ter confirmado, por aceitação expressa, definitiva e inequívoca, o seu acordo quanto a este modo de reembolso.

O caso reforça, aparentemente, o direito dos passageiros ao consentimento informado na escolha das opções de compensação em caso de cancelamento do voo.

Sobre o autorCarlos Torres

Carlos Torres

Jurista e professor na ESHTE
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