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Opinião

A COVID-19, a Segurança e o Turismo em Espaço Rural

Lugares enquadrados em espaços rurais, com forte contacto com a natureza e sem grandes aglomerados de pessoas, onde os viajantes podem encontrar pequenas unidades turísticas podem tornar-se os locais mais procurados numa era pós COVID-19.

Opinião

A COVID-19, a Segurança e o Turismo em Espaço Rural

Lugares enquadrados em espaços rurais, com forte contacto com a natureza e sem grandes aglomerados de pessoas, onde os viajantes podem encontrar pequenas unidades turísticas podem tornar-se os locais mais procurados numa era pós COVID-19.

Ricardo Silva
Sobre o autor
Ricardo Silva
  1. O turismo, a percepção do risco e a segurança

O turismo é uma das actividades económicas mais dinâmicas a nível global tendo vindo a registar taxas de crescimento médio anual contínuo e persistente desde os anos cinquenta do século XX. É também uma das mais sensíveis aos factores de risco (Ritchie, 2004). Se algum acontecimento vem perturbar a tranquilidade e a atmosfera descontraída e relaxada associada às férias e ao lazer, provocando instabilidade e sensação de risco nos turistas, isso vai ter um forte impacto negativo na procura turística (Pizam & Mansfeld, 1996). Sonmez (1998) sustenta que os turistas são consumidores racionais que atravessam várias etapas nos seus processos de decisão, equacionando e comparando os benefícios e os custos associados às escolhas dos destinos turísticos e que a sua percepção do risco potencia uma disrupção nas suas rotinas de decisão. As percepções de risco e de segurança pessoal podem ser um factor decisivo que influencia a imagem e a escolha do destino (Hughes, 2002). Estudos mais recentes têm vindo a confirmar que a imagem dos destinos, em termos de risco e segurança, tem um impacto negativo na vontade dos turistas em viajar para esses locais, percepcionados como sendo vulneráveis àquele tipo de acontecimentos (Kozak, Crotts & Law, 2007).

Os ataques terroristas perpetrados em França durante o ano de 2015, nomeadamente, o massacre de Charlie Hebdo (Janeiro/2015) e o massacre no teatro Bataclan (Novembro/2015), os atentados terroristas registados na Tunísia, no Museu Nacional do Bardo (Março/2015) e num resort turístico em Sousse (Junho/2015) que vitimou 39 turistas estrangeiros, a agitação política e social que abalou a Turquia na sequência de um ataque bombista no aeroporto de Istambul (Junho/2016) e os acontecimentos decorrentes de uma alegada tentativa de golpe de estado (Julho/2016), são apenas alguns exemplos, próximos no tempo, a que podemos recorrer para avaliar o impacto, no turismo, induzido por factores de risco e insegurança.

Vamos socorrer-nos dos dados de um pequeno grupo de países da bacia do mediterrâneo, com características similares, e em que a principal diferença para o período de análise é que uns foram alvo de ataques terroristas dramáticos e outros não. A este pequeno grupo vamos adicionar ainda a França na medida em que este país também foi alvo de vários atentados durante o período em análise. Com a ajuda do quadro que se apresenta abaixo (Quadro 1) podemos observar que, entre 2012 e 2014, todos estes países registaram uma tendência de crescimento nas chegadas turísticas internacionais (excepção da Tunísia em 2014). Após 2014 essa tendência de crescimento foi interrompida em vários destes países. E essa interrupção verificou-se precisamente nos países que foram afectados por graves problemas de insegurança (França, Tunísia e Turquia). Nos restantes países (Itália, Portugal e Grécia), aqueles que não foram afectados mantiveram e acentuaram a sua tendência de crescimento das chegadas turísticas internacionais. Na última coluna da Quadro 1, pode observar-se o impacto imediato na procura através da variação no número de chegadas para o período de 2014 a 2016, para cada um dos países objecto de análise. A Tunísia e a Turquia registaram quebras no volume de chegadas de 20,8% e 23,9% respectivamente, enquanto a França mostrando maior resiliência apresentou uma quebra de 1,2%. A observação dos dados relativos a 2017 também nos permite verificar já claros sinais de retoma face a 2014.

Estes resultados confirmam o que vários autores foram observando e relatando, ao longo dos últimos anos, ao sublinhar o forte impacto que situações associadas ao risco e à insegurança têm no sector do turismo e como eles condicionam, influenciam e alteram o comportamento dos consumidores.

  1. Com a COVID-19 não há destinos alternativos

A pandemia provocada pelo SARS Cov2, pelo seu âmbito global, teve um impacto brutal no setor do turismo. Nunca, desde que há registos (1950), se tinha verificado um impacto negativo tão forte na procura e no volume de chegadas turísticas internacionais como aquele que se observou em 2020.

A COVID19 consiste num ataque biológico feroz e silencioso, constituindo um risco permanente, que pode surgir em qualquer momento e de qualquer lado, representando uma ameaça global para a saúde pública. Ninguém pode ficar indiferente a esta ameaça nem é possível arranjar um lugar onde possamos proteger-nos dela. O que podemos fazer é reduzir o risco, adoptando medidas de protecção, e procurando espaços menos frequentados, onde o movimento de pessoas seja mais reduzido e, por isso, onde o risco de contágio seja mais baixo. O impacto do SARS Cov2 no sector do turismo não encontra paralelo com o impacto provocado por fenómenos naturais, crises sociais, financeiras ou sanitárias até hoje conhecidas. Acontecimentos como os acima referidos (atentados em França, na Tunísia, no Egipto ou a instabilidade política e social na Turquia), ou a infecção provocada pelo vírus Zika no Brasil (2015/2016), apesar da sua brutalidade e gravidade foram fenómenos localizados. Perante aqueles acontecimentos os turistas não deixaram de realizar as suas viagens mas orientaram-nas para outros destinos. A imagem dos destinos em termos de risco e segurança tem um impacto negativo na vontade dos turistas em viajar para esses locais, percebidos como sendo vulneráveis, àquele tipo de acontecimentos (Kozak, Crotts & Law, 2007). Com a Covid19 o problema é distinto. Não há destinos seguros, não há destinos alternativos. O que pode haver são locais que pela sua localização, pelas suas características e pelas medidas de protecção e segurança adoptadas, apresentam níveis de risco mais moderados e menor probabilidade de contágio. Estes locais sendo percepcionados pelos consumidores como mais seguros e incutindo, por essa via, um maior grau de confiança, conseguem resistir melhor à crise e manter taxas de ocupação mais próximas daquilo que seria uma situação de normalidade.

  1. O Turismo em Espaço Rural (TER) foi mais resiliente à COVID19

O impacto negativo do SARS Cov 2 na procura turística não atingiu de igual forma todas as tipologias de alojamento turístico. Algumas tipologias, pelas suas características foram mais afectadas, enquanto outras, mostraram maior capacidade de resiliência tendo registado quebras na procura bem mais moderadas. Uma breve análise ao impacto da pandemia na procura turística em três das mais relevantes modalidades de alojamento turístico (hotelaria, TER e alojamento local), no ano de 2020, em Portugal, mostra resultados distintos. A hotelaria, em 2019, registou quase 58 milhões de dormidas e viu esse número cair para cerca de 21 milhões em 2020. Situação idêntica se passou com as unidades de alojamento local (AL) que passaram de cerca de 10 milhões de dormidas, em 2019, para apenas 3,6 milhões em 2020. O TER, no mesmo período, também sofreu uma redução significativa no número de dormidas, tendo passado de um número próximo de 2 milhões para cerca de 1,3 milhões (Quadro 2).

A análise percentual das quebras permite-nos concluir (Gráfico 1) que o impacto na procura induzido pela pandemia foi muito menos acentuado na modalidade de TER (turismo rural + turismo de habitação) do que na hotelaria ou no alojamento local. Enquanto estes últimos registaram quebras próximas dos 64% e 65% os alojamentos TER sofreram quebras próximo dos 34%.

As elevadas taxas de vacinação observadas nos países mais desenvolvidos, nomeadamente, na Europa, permitiram que, ao longo do ano de 2021, o sector do turismo tivesse iniciado um processo de recuperação no que diz respeito às viagens turísticas, ao número de hóspedes e às dormidas. Em Portugal esse movimento de recuperação também se fez sentir. Contudo, a tendência manteve-se em 2021 com o TER a apresentar uma robusta recuperação e a aproximar-se muito dos valores registados em 2019 (-5,2%), enquanto as dormidas na hotelaria e no alojamento local embora também tivessem registado uma acentuada recuperação, ficaram ainda, muito aquém dos valores registados antes da pandemia, com -47,9% e -47,5% respectivamente. O quadro que se segue é bem ilustrativo da capacidade de resiliência e de recuperação das unidades TER quando comparadas com a hotelaria e com o alojamento local.

  1. A pandemia e o turismo rural – oportunidade para crescer e consolidar

Os números observados mostram-nos de forma evidente que o TER mostrou uma maior capacidade de resistência ao impacto negativo da pandemia quando comparado com as outras modalidades de alojamento consideradas, sugerindo uma deslocação da procura para a tipologia percepcionada como menos vulnerável. Estima-se que a procura por destinos não massificados irá aumentar, uma vez que podem oferecer experiências únicas e de qualidade aos viajantes e com baixo risco (Gouveia & Seabra, 2022). Lugares enquadrados em espaços rurais, com forte contacto com a natureza e sem grandes aglomerados de pessoas, onde os viajantes podem encontrar pequenas unidades turísticas podem tornar-se os locais mais procurados numa era pós COVID-19 (Almeida & Silva, 2020). Neste contexto, a explicação para a maior resiliência manifestada pelas unidades TER pode estar no facto dos consumidores percepcionarem que a ameaça e o grau de risco nas unidades TER são menores do que aquelas que são percepcionadas para as outras tipologias de alojamento. Esta percepção dos consumidores é facilmente compreensível e baseia-se nas características específicas destas unidades de alojamento. Em geral são de pequena escala, recebem um reduzido número de hóspedes, ficam localizadas em territórios de baixa densidade e a esmagadora maioria das actividades acontece em espaços ao ar livre. Por outro lado, estas unidades apresentam melhores condições para o cumprimento das orientações das autoridades sanitárias (espaços abertos, reduzido número de contactos, distanciamento social), aumentando os níveis de segurança e reduzindo de forma significativa a ameaça e o risco de contágio. Os dados parecem sugerir que a percepção dos consumidores de que as unidades TER, pelas suas características específicas, podem garantir níveis superiores de segurança e a mitigação do risco associado à transmissão do SARS Cov2, tenha contribuído para atrair e captar novos clientes para esta tipologia de alojamento. Neste contexto, podemos concluir que a pandemia foi utilizada e aproveitada, pelas unidades TER, como uma oportunidade para conquistar novos adeptos e, por essa via, para crescer e consolidar o seu posicionamento no contexto da oferta de alojamentos turísticos.

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Bibliografia
Almeida, F. & Silva, O. (2020). The impact of covid-19 on tourism sustainability: Evidence from Portugal. Advances in Hospitality and Tourism Research, 8(2), 440-446.
Gouveia, C. & Seabra, C. (2022). Impactos da Pandemia COVID-19 nas Viagens: O Caso da Região Centro de Portugal. Revista Portuguesa de Estudos Regionais, 60, 105-115.
Hughes, H. (2022). Gay men’s holiday destination choice: A case of risk and avoidance. International Journal of Tourism Research, 4, 299-312.
Kozak, M., Crotts, J. & Law, R. (2007). The impact of the perception of risk on international travelers. International Journal of Tourism Research, 9 (4), 233-242.
Pizam, A. & Mansfeld, Y. (1996). Tourism, crime and international security. Chichester: Wiley.
Ritchie, B. (2004). Chaos, crises and disasters: A strategic approach to crisis management in the tourism industry. Tourism Management, 25(6), 669-683.
Sonmez, S. (1998). Tourism, Terrorism and Political Instability. Annals of Tourism Research, 25(2), 416-456.
Sobre o autorRicardo Silva

Ricardo Silva

Doutorado em Turismo, Docente do Ensino Superior
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