“Acredito que sairemos da crise mais rápido que outros destinos nossos concorrentes”
Pelo segundo ano, o turismo da região do Algarve vive os impactos da pandemia. O presidente do Turismo do Algarve, João Fernandes, diz não querer “iludir ninguém”, mas admite, “gosto dos indicadores de que disponho”.
Victor Jorge
Alunos das Escolas do Turismo de Portugal ganham medalhas internacionais
Universidade do Algarve recebe última sessão das conferências “Estratégia Turismo 2035 – Construir o Turismo do Futuro”
Turismo do Alentejo e Ribatejo aprova plano de atividade com acréscimo de 50%
Soltrópico anuncia novos charters para Enfidha no verão de 2025
Concorrência dá ‘luz verde’ à compra da Ritmos&Blues e Arena Atlântico pela Live Nation
Número de visitantes em Macau sobe 13,7% para mais de três milhões em outubro
Pipadouro ganha prémio como melhor experiência inovadora em enoturismo a nível mundial
Mercado canadiano está em “franco crescimento nos Açores”, diz Berta Cabral
Boost Portugal leva Spinach Tours para Espanha, Países Baíxos, EUA e América do Sul
Filme promocional do Centro de Portugal premiado na Grécia
É o segundo ano que a região do Algarve vive na sombra da pandemia. O presidente do Turismo do Algarve, João Fernandes, que não faz previsões quanto a uma possível saída da crise e/ou da chegada retoma, está confiante, até porque “somos muitos bons a trabalhar a hospitalidade”.
Quando se fala em verão e férias, o Algarve é, naturalmente, dos primeiros destinos que vêm à cabeça. Contudo, foi, também, dos mais afetados e quando em maio a euforia era grande, rapidamente se desfez com a posição do Reino Unido. Para João Fernandes, o caminho para a retoma está a ser feito e quando se refere que é preciso repensar o turismo, o presidente da Região de Turismo do Algarve diz que, “sustentabilidade e inovação tecnológica já está no nosso plano desde 2014”
Que verão é que o Algarve tem tido até agora e que verão terá até ao dia 21 de setembro?
Gostaria de começar por descodificar uma mensagem que, do meu ponto de vista e de acordo com o INE está errada. O turismo do Algarve não foi o mais afetado. A região do Algarve, enquanto dependente de um setor predominante e com mais peso relativo do que acontece noutras regiões, foi mais afetada exatamente porque essa preponderância é superior a outras regiões, até porque é a principal região turística nacional.
O ano passado, em termos de dormidas em hotéis, o Algarve foi a região que menos decresceu, isto percentualmente e em procura portuguesa.
O Algarve esteve, inclusivamente, em agosto, setembro e outubro de 2020, mais dormidas de portugueses em hotéis do que no ano recorde de 2019. Perdemos ao longo do ano, mas o Algarve tem demonstrado resiliência do ponto de vista turístico face a este panorama avassalador.
Mas está a falar de turistas nacionais?
Uma crise mede-se, também, pela capacidade de procurar e gerar clientes nos mercados de proximidade. E isso já tinha acontecido nas crises de 2001, 2011 e agora as pessoas também tendem a viajar de férias para destinos mais próximos.
Isto para dizer que o Algarve esteve abaixo das perdas médias do país do ponto de vista das dormidas em hotel, que é o indicador mais utilizado para medir o desempenho turístico. Agora, o Algarve tem características específicas que fez com que o impacto real desta situação fosse superior a outras regiões.
Trata-se da região mais dependente do turismo, é a região mais internacionalizada e foi a procura externa, apesar de há mais de 40 anos seguidos ser o principal destino dos portugueses, também o é dos estrangeiros, dependendo cerca de 75% de procura externa. E foi essa que foi substancialmente afetada.
Depois é um destino de família e quando há questões relacionadas com ao risco, naturalmente, que medimos a forma como viajamos e medimos o risco.
Além disso, é um destino que tem feito grandes progressos na atenuação da sazonalidade.
Não nos podemos esquecer, igualmente, do impacto social e laboral. Repare que a pandemia dá-se em março de 2020, altura da contratação de recursos humanos para fazer face a uma época alta que já estava muito alargada de março a outubro.
Por isso, se tivermos em atenção as características quer do ponto de vista dos mercados, quer do ponto de vista das características da procura e da oferta, o impacto foi significativo, mas também é bom olhar para números e ver a capacidade de resistência que o Algarve teve.
[O Algarve]é um destino que tem feito grandes progressos na atenuação da sazonalidade
Meu querido mês de agosto
E essa capacidade de resistência pode ter o seu ponto de viragem a partir de agosto?
Não quero iludir ninguém, mas gosto dos indicadores que disponho. Nós estamos desde março de 2020 e no Algarve se considerarmos a sazonalidade, desde novembro de 2019, a passar por períodos sucessivos de perda, à exceção do ano passado em agosto.
Mas vamos a números. Em maio de 2019 [acumulado do ano)] tivemos cerca de 6 milhões de dormidas, até maio de 2020 tivemos menos de 2 milhões de dormidas, e até maio de 2021 tivemos 907 mil dormidas. É este o acumulado de perda. Em junho deste ano tivemos com cerca de 43% de taxa de ocupação.
Há hoje, no final de julho, equipamentos com 85% a 90% de ocupação e há outros com 15%. Portanto, a realidade não é a mesma para todos e tem a ver com mercados, canais de distribuição, operadores que não está a ter tão bom desempenho nos canais mais diretos, além da flutuação dos mercados externos.
Mas julho não foi um mês famoso. Se bem nos lembramos, tivemos a Alemanha a fechar-nos as portas, o Reino Unido fechado a todos os europeus. Tivemos aquela semana de half-term muito interessante, mas depois tivemos o reverso da medalha que foi pessoas insatisfeitas a regressar antecipadamente.
Tudo isto, mina a confiança dos europeus para viajarem. Nunca sabem se são apanhados desprevenidos no território e, portanto, a procura externa está afetada também na sua confiança. Mesmo com o certificado europeu digital, este conceito de que temos regras comuns e vamos mantê-la, ainda está a ser cimentada do ponto de vista da perceção do consumidor.
Mas, nesta fase, será uma procura de mercados emissores europeus?
Sim, mercados extra-europeus são, neste momento, para esquecer. O primeiro exercício que temos de fazer, é repor o que é mais óbvio. Muita gente brandiu a diversificação como ponto essencial. Nós já estávamos a diversificar mercados e com muitos bons resultados.
Mas, obviamente, o primeiro exercício é conseguir dentro do espaço europeu retomar capacidade aérea. Nós não tivemos até hoje, havendo uma oportunidade, qualquer dificuldade de ligação aérea.
Mas temos de olhar primeiro para o que é possível retomar no imediato, ou seja, mercado interno alargado e depois os mercados tradicionais europeus.
Nós temos de ser capazes de reagir à oportunidade que surge ou ao problema que surge. Não podemos ficar presos ao que queremos fazer a longo prazo. Até porque aquilo que queremos fazer a longo prazo não é diferente do que queríamos fazer no plano estratégico de 2014.
O top 5 (Reino Unido, Portugal, Alemanha, Holanda e Irlanda, por esta ordem) de 2014 cresceu, em dormidas de hotel, 15% até 2019. Todos os outros cresceram 73%. Isto foi a nossa diversificação de mercados. Nós tivemos mercados a crescer a três dígitos (EUA +210%, Itália +201%, Brasil +332%, Canadá +154%). O crescimento em valor absoluto destes mercados emergentes foi superior às perdas em mercados como, por exemplo, a Alemanha.
Mercados como os EUA e Canadá está a gerar novos residentes no Algarve e não são só reformados. São muitos casais jovens que vêm à procura de fazer a sua vida no Algarve.
Isto é para retomar logo que possível. Estávamos com bons resultados e, por isso, tínhamos procura fora de época.
Mercados extra-europeus são, neste momento, para esquecer
Portanto, esse plano não se vai alterar?
Esse plano não se vai alterar. Não muda nada. É uma prova de que resulta. Qualquer crise em torno da segurança vem salientar a necessidade de segurança no pós-crise. As pessoas vão dar muito mais atenção a um país que é considerado o 4.º país mais seguro do mundo. Isso vê-se, inclusivamente, no investimento.
Depois diversificámos a oferta. Vamos descontinuar isso? É impossível.
Havia quem, inclusivamente, reclamava por eventos âncora com capacidade de projeção internacional para reposicionar o destino. Pois bem, até durante a pandemia conseguimos uma coisa que andámos a lutar há vários anos: trouxemos o Moto GP.
Depois conseguimos a Fórmula 1. E agora vamos ter novamente o Moto GP. É bom não esquecer que tudo isto acontece em época baixa.
Além disso, ao contrário de destinos concorrentes, não perdemos bases da Ryanair, ou melhor, em cima da base da Ryanair ainda conseguimos que a easyJet colocasse a sua base em Faro.
Isto é muito importante no contexto que estamos a assistir e que vamos assistir nos próximos anos. É preciso não esquecer que nos dois anos antes da crise pandémica faliram mais de 30 companhias aéreas num mercado que estava em stress. Com esta crise haverá uma grande fragilidade deste setor e nós temos as duas companhias com maior capacidade baseadas no Algarve.
Qual é a vantagem? É que nós não estamos dependentes de voarem de onde têm bases e, inclusivamente, estão a trabalhar para outros destinos onde há oportunidades.
Normalmente, quando há uma crise económica, a sustentabilidade é arredada das prioridades. Desta vez, felizmente, ela sai reforçada
Repensar o quê?
Mas quando se diz que há que repensar o turismo?
Repensar o turismo? Olhe, no nosso plano estratégico de 2014 e, provavelmente, em todos os planos estratégicos de todas as regiões de turismo, a sustentabilidade já lá estava, a necessidade de introduzir inovação tecnológica já lá estava. Os dois grandes drivers que saem desta crise, são o acentuar de linhas que já existiam no nosso plano.
Em concreto o que acontece e, felizmente pela primeira, é que esta é a primeira crise em que a sustentabilidade não sai da equação. Normalmente, quando há uma crise económica, a sustentabilidade é arredada das prioridades. Desta vez, felizmente, ela sai reforçada.
Antes da crise já tínhamos criado o Observatório de Turismo Sustentável, que foi reconhecido pela Organização Mundial do Turismo em fevereiro de 2020, na FITUR, mesmo antes da pandemia. Nós tínhamos e temos em curso o RIA (Região inteligente Algarve) que é um consórcio entre CCDR, a Associação de Município, a Região de Turismo e Universidade. Estamos, claramente, numa lógica de smart destination, mas ela não é destituída do que está a fazer a AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) com a smart mobility, por exemplo.
Ou seja, a sustentabilidade é nova? Não, não é, é um chip para todos e ainda bem. A Inteligência Artificial incluída na gestão dos destinos é uma coisa nova? Não é, evolui é todos os dias e cria novas oportunidades.
A grande vantagem de termos já consolidado estes dois grandes pilares de lógica de destino e região inteligente e sustentável, é que agora vem um pacote robusto de financiamento e nós já temos com um planeamento muito avançado.
Outra questão e preocupação transversal no setor do turismo é a saída de recursos humanos e o seu não regresso. Como olha para esta situação e como revertê-la?
Esse é um ponto bastante importante que já foi grave, é grave e continuará a ser grave. Recuando a 2019, nós assistimos a um crescimento do turismo em todas as regiões de Portugal. O Algarve que era uma região que acolhia pessoas de outras regiões, sobretudo no pico da procura, deixou de ter essa possibilidade porque as pessoas fixaram-se, felizmente, nessas mesmas regiões onde o turismo também cresceu e, portanto, não precisavam de vir para o Algarve para trabalhar.
Os fluxos para trabalho sazonal deixaram de ter um potencial que tinham outrora. E é preciso perceber que tendencialmente, isso voltará a acontecer, porque mal o turismo saia desta crise, vai obviamente ter necessidade de mão-de-obra.
Depois temos o problema dos trabalhadores migrantes que, sempre que há uma crise regressam aos seus países de origem.
A formação de jovens para entrarem no mercado não é suficiente para suprir as necessidades do mercado e, portanto, tem de se arranjar novas soluções e é isso que temos vindo a trabalhar.
Mas um dos problemas mais relevantes a ultrapassar nesta questão é a habitação, seja para o jovem que se emancipa cá, seja para o casal que quer vir viver para cá, porque tem cá emprego, seja para estrangeiros que queiram cá viver e que não sejam turistas.
Felizmente, com este pacote financeiro que está para chegar, as autarquias têm capacidade para investir em políticas de habitação com custos controlados.
Mas também não podemos construir tudo para alguns picos de procura. Há soluções em que estamos a trabalhar para alojamento temporário condigno e sublinho duplamente esta questão, mas que não seja nova construção.
Tenho apresentado um projeto a muita gente que acha interessante e que pretendo arranjar um piloto para que isso aconteça. Nós temos cerca de 200 mil trabalhadores ativos e temos 8.000 sazonais. Isso acontecerá sempre. E teremos sempre os picos sazonais em que são precisas mais pessoas.
Para a pessoa que estejam no Algarve dois a três meses, poderá pegar-se numa escola que está no centro de um território, tem refeitório, balneários, transporte, mobilidade, e poderá funcionar como um alojamento temporário. Sai beneficiado a escola, sai beneficiada a pessoa, sai requalificada uma estrutura pública num período em que está inativa.
Nós temos de ter a capacidade de olhar para estas soluções, como fazem os países mais ricos.
Não quero iludir ninguém, mas gosto dos indicadores que disponho
Há relativamente pouco tempo houve uma consultora que indicou que a retoma deverá acontecer a partir de 2023. É essa a sua perspetiva?
No início desta pandemia tinha empresários a dizer que tinha de traçar três cenários. Acompanho os cenários traçados pelas três principais consultoras mundiais para a retoma do turismo e todas elas falharam e não falharam por acaso. Não tinham elemento suficientes.
Uma das principais questões que se coloca com a retoma tem a ver com qual será o poder de compra do nosso consumidor preferencial. Há ideias de estimativas de crescimento económico nestes vários países, mas elas não são iguais em todos os mercados e são estimativas muito falíveis.
Há a vacinação, a segurança e insegurança, pode haver fenómenos de concentração da procura, porque os destinos, e aqui falo da bacia Mediterrânica, podem não estar com a mesma avaliação ou perceção de risco.
Além disso, destinos como o nosso que dependem muito da aviação, estão mais sensíveis a fusões, extinções, todas as companhias aéreas estão a reduzir rotas, tripulação e obviamente aeronaves. Muita desta redução noutra altura era absorvida pela Ásia.
Será que isso vai reduzir substancialmente a capacidade oferecida de lugares e rotas na Europa, provavelmente, sim. Há aqui questões que mais tarde se poderão equilibrar, mas que até lá leva tempo.
Por isso, é um pouco meter no dedo no ar e estimar que a retoma acontece em 2023, 2024 ou mesmo depois ou antes.
Acho que nós em Portugal temos características especificas da parte da oferta, do tal destino seguro, de país seguro, saímos mais reforçados enquanto destino diverso e diferenciador. Além disso, somos muitos bons a trabalhar a hospitalidade.
Acredito que sairemos da crise mais rápido que outros destinos nossos concorrentes.
Se em 2023 tivermos níveis comparados ao que tínhamos em 2017 já será muito bom e melhor do que temos hoje. E não nos podemos esquecer que 2019 foi um ano recorde em todas as regiões de Portugal e os recordes não se batem todos os anos.
Acho que esta altura também terá de servir para nós nos reposicionarmos. Nós ainda vendemos barato. O Algarve tem valor que, quando comparado com os seus concorrentes, não faz jus à qualidade que apresenta. Há muitos destinos que se fazem pagar muitíssimo mais caro sem a mesma qualidade.
Temos de evoluir nesse processo de qualificação do destino, mas também na perceção da qualidade que o destino já tem para poder ter preços mais interessantes para depois conseguirmos ter mais transferência de riqueza para a região, mais emprego estável e melhor remunerado.
Além da hotelaria, a restauração é fundamental para este verão correr bem?
As pessoas vêm para cá, vão à praia, vão jantar mais tarde e sem bares e discotecas, têm natural predisposição para ficar no restaurante por mais tempo.
O restaurante é um fator essencial do bem-estar das pessoas no destino. Eu vou estar de férias, se vou ter de andar a comer à pressa e sujeitar-me a testes para entrar num restaurante, isso piora a minha experiência e não favorece o destino.
E certamente que haverá muito mais gente a permanecer no restaurante e a consumir mais e a conviver mais e todos nós precisamos da parte social para a sanidade mental, naturalmente, com regras, mas precisamos de descomprimir.
E aqui faço justiça à SET e ao Ministério da Economia que têm estado sempre muito atentos e bem sei que não é muito popular dizer bem dos nossos governantes, mas eu tenho de dizer: a SET e o ministro têm estado sempre do lado das empresas e dos trabalhadores do setor. Nem sempre têm conseguido aquilo que gostariam, mas têm feito um esforço que tem de ser reconhecido.