Animação turística reclama maior atenção
Elemento fundamental da cadeia de valor do turismo, as empresas de animação turística resistem às adversidades, mas apontam constrangimentos e desafios para continuar a fazer o que de melhor fazem: enriquecer a experiência de um turista ou visitante.
Raquel Relvas Neto
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As empresas de animação turística são muitas vezes renegadas para segundo plano. Não têm inúmeros quartos para hospedar alguém, ou variadas salas de restauração ou até mesmo uma frota automóvel ou de aparelhos de aviação à vista de todos. De facto, as empresas de animação turística não têm o peso turístico de outras diversas áreas que compõem o sistema turístico. Porém, são estas as principais responsáveis por gerar conteúdo num destino e enriquecer a experiência de um visitante ou turista.
A caminhar para mais um ano pautado pela incerteza provocada pela pandemia e as consequências que daí advêm, as empresas de animação turística estão a fazer os possíveis para se manterem à tona e prevalecerem no mercado depois destes meses de tormenta, de forma a continuarem a sua contribuição para a criação de conteúdos num destino.
Contudo, ainda muitos constrangimentos e desafios se colocam ao normal funcionamento das suas atividades, por mais diversas que sejam.
Para António Marques Vidal, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos (APECATE), o momento atual impõe a “necessidade urgente de trabalhar a construção de produtos de destino, dando dimensão, criando sinergias e potenciando os destinos”. É neste âmbito que defende que as empresas do setor do turismo e as entidades têm “de se coordenar para criar uma comunicação eficaz e que revele o potencial de cada destino”. Para isso, deixa nota, é “importante que as empresas se associem em torno de projetos e associações”.
É também uma comunicação eficaz, mas desta vez por parte do Governo português que Rui Martins, administrador da empresa PeddyMais, apela. Para o empresário, “o grande constrangimento à nossa atividade são as constantes falhas de comunicação do Governo ao anunciar medidas de combate à pandemia totalmente irracionais, gerando assim mais medo e pavor nas pessoas já suficientemente massacradas com este vírus e, por conseguinte, receio em participar em quaisquer actividades ao ar livre”. A PeddyMais, à semelhança de tantas outras empresas de animação turística, tem as suas atividades certificadas pela Direção Geral de Saúde, mas nem por isso deixam de registar dificuldades em angariar clientes, mesmo apostando em grupos com o máximo de seis pessoas e em audioguias para manter o distanciamento social. Rui Martins é bastante crítico ao trabalho do Turismo de Portugal que, destaca, “não tem qualquer consideração por esta nobre actividade que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do turismo interno, uma vez que promove actividades que têm como público alvo o nacional, o qual tende obviamente a evitar viagens para o estrangeiro”. A resiliência para fazer face a estas adversidades é assim apontada pelo responsável, que reitera que apenas o “amor à camisola” é o que os faz continuar.
Aquilo que seria, em tempos, resolvido com alguma facilidade é agora apontado como dificuldade acrescida à atividade de algumas empresas de animação turística. Tiago Monteiro, diretor-geral da Boost Portugal, enumera alguns constrangimentos: “as mudanças com relativa frequência à legislação que afeta a atividade e trazem incerteza à operação; uma fraca e descoordenada representação da atividade de animação turística na globalidade do setor do turismo, com uma consequente fraca capacidade de acompanhamento e legislação para as especificidades que dizem respeito à animação turística; por fim, e sem dúvida a que mais afeta a atividade é a fraca e instável procura dos serviços de animação turística, que provoca um exercício quase impossível de criação de estratégia minimamente segura e sustentável”.
“Temos sentido repetidamente que as medidas adoptadas e sua consequente comunicação, têm tido impactos negativos reais e imediatos na procura de Portugal como destino turístico”
É neste ambiente que o responsável considera que a estabilidade do setor é afetada, sendo este o principal desafio identificado. “Temos sentido repetidamente que as medidas adoptadas e sua consequente comunicação, têm tido impactos negativos reais e imediatos na procura de Portugal como destino turístico”, complementa ainda Tiago Monteiro. Apostar na profissionalização do setor, mas também rastrear e corrigir os agentes que não operam segundo as regras existentes, “criando desigualdades terríveis para o setor como um todo”, são também exemplos de desafios que o responsável reconhece serem necessários. “Os recursos humanos qualificados serão também um problema emergente, tendo em conta que dada a quebra prolongada no setor e a necessidade de redução das equipas, todos os recursos humanos que nos últimos anos adquiriram competência, foram obrigados a procurar soluções noutras áreas. Quando a retoma acontecer será difícil entregar serviços de animação turística no volume e nos padrões de qualidade necessários, se o mercado não tiver recursos humanos qualificados disponíveis para acompanhar esse aumento de procura”, alerta.
Existem outros desafios que não passam tanto pelos constrangimentos de comunicações por parte do Governo, mas sim ligados à sustentabilidade ambiental. Esse é um dos exemplos que Carlos Relvas, responsável da empresa Calheta Diving Center Madeira, aponta. A operar no arquipélago madeirense, o responsável identifica que “o principal constrangimento atual e que se pode agravar no futuro tem a ver não com a pandemia, mas com as opções políticas que querem fazer do mar do sul da Madeira uma zona da indústria de aquacultura em vez de priorizar o turismo”, seja pelo impacto negativo que tem na degradação da paisagem natural, como para o ambiente devido aos resíduos provocados.
A destruição do habitat e das espécies é um problema que o responsável afirma abranger todo o território, não apenas a Madeira. Uma das soluções apontadas por Carlos Relvas passa pela criação de mais zonas de reserva, dando como exemplo as duas embarcações naufragadas no Porto Santo, “onde se mergulha e a vida é intensa porque estão em zona que é reserva, já na Madeira havendo também naufrágios, a vida marinha é continuamente afectada por diversas actividades, desde a pesca profissional, a pesca desportiva e até a dragagem para retiram areia do mar para a construção”. Para o profissional, é aqui que as entidades públicas “devem intervir para assegurar proteção ao ambiente e às espécies permitindo desenvolver o turismo de mergulho recreativo”.
Conteúdos turísticos e economia circular
Quando um turista chega a um destino, seja por que meio de transporte utiliza ou em que tipo de alojamento turístico se hospeda, o que pretende é experienciar o que de melhor um destino tem para oferecer. É nessa função que as empresas de animação turística têm uma importância fundamental. Este papel é ainda mais importante quando envolvem vários agentes locais das mais diversas atividades económicas, desde o restaurante, à loja de artesanato ou a outras tantas possibilidades.
“Longe vão os tempos em que um destino assentava exclusivamente nas qualidades intrínsecas da sua região”
Como explica o diretor-geral da Boost Portugal, “longe vão os tempos em que um destino assentava exclusivamente nas qualidades intrínsecas da sua região”. Tiago Monteiro explica que o turista dos dias de hoje, “seja em FIT ou de grupos, procura num destino um conjunto de serviços e oferta de valor, que na sua totalidade consiga encontrar um somatório de mais valias”. Assim, “os serviços de animação turística se qualificados, profissionalizados e integrados na oferta, podem e têm todo o potencial para promover e destacar Portugal”. É neste âmbito que a empresa, que alia soluções de mobilidade urbana ao ‘storytelling’, defende que “as atividades a realizarem no destino são constantemente fator diferenciador e decisório para a escolha do destino”.
De forma a enriquecerem ainda mais as atividades que proporciona, a Boost Portugal defende três vetores “que têm de ser incorporados com a máxima urgência: Responsabilidade social da nossa empresa para a comunidade; a conversão urgente de todos os veículos para o elétrico bem como medidas internas para a redução da pegada ambiental; e por fim integrar toda a nossa atividade numa economia que seja circular e inclusiva”.
Na PeddyMais, que organiza passeios terrestres na região de Lisboa, Rui Martins indica que são estabelecidas parcerias com várias pessoas, como guias-intérpretes e entidades, como Associações Culturais e Câmaras Municipais, por exemplo, pois entende que seja “a única forma de, por um lado, chegar a mais pessoas e, por outro, tornar o produto cultural mais acessível”.
“todas as atividades de animação turística potenciam um destino”
Já o responsável da Calheta Diving Center Madeira é perentório em afirmar que “todas as atividades de animação turística potenciam um destino”. Segundo Carlos Relvas, longe vai a ideia em que o turismo era uma atividade passiva. “Bons hotéis e gastronomia sem mais nada estão condenados”. “O turismo ativo, mesmo para escalões etários mais avançados é a única resposta que terá sucesso no futuro. A nossa colaboração com hotéis, alojamentos locais assim como na origem dos turistas através de clubes, associações e certames lá fora vêm mostrando os seus frutos”, indica o responsável, que teve em 2020 um dos melhores anos da empresa graças ao mercado nacional, que volta a concentrar o foco este ano.
Apoios
À semelhança de tantas outras áreas, também as empresas de animação turística tiveram, na sua maioria, de recorrer a apoios estatais. Mas foram estes suficientes?
Tiago Monteiro reconhece que o Governo e as instituições centrais têm “um trabalho muito difícil nesta gestão de pandemia sem precedentes, é inegável”. Porém, também têm cometido falhas, aponta. Falhas que “são mais ou menos claras para todos, no entanto no que respeita aos apoios às empresas, entendemos que estes têm sido eficazes e sem dúvida essenciais para a manutenção das empresas e dos seus postos de trabalho”. Não obstante, acrescenta, “estes apoios não podem estar perto de terminar. A pandemia não acabou, e em especial no setor das viagens de grupos e incentivos está longe de ter retomado a confiança necessária para voltarem a fazer eventos. Como tal será essencial uma continuidade destes apoios, bem como uma análise atenta e correta à reestruturação de dívida que as empresas se viram obrigadas a realizar, para responder aos seus compromissos quando privados de qualquer volume de negócio”.
Na perspetiva de Raúl Martins, da Peddymais, “deveria haver uma maior consciencialização da importância que as empresas de animação turística”, dando um maior apoio às atividades turísticas tendo em conta a importância que o Turismo tem na economia nacional.
Já a Algarve Sun Boat, que aposta numa frota 100% ecológica com recurso a embarcações eletrossolares, detaca que, à parte dos apoios, o foca devia centrar-se na aposta noutros mercados emissores para não voltar a “pôr a descoberto alguma fragilidade e demasiada dependência de mercados históricos”, salienta Ricardo Falé, diretor de vendas e marketing da empresa. Neste sentido, defende que “está na hora de investirmos massivamente em novos mercados, principalmente do outro lado do Atlântico”, mas também em apoios para tornar os voos mais baratos para o Algarve.
Já a empresa Calheta Diving Center Madeira dispensou apoios. Além de ter como base a utilização de capitais próprios, Carlos Relvas enaltece que a “estratégia do Governo Regional da Madeira relativamente à gestão da pandemia fez com que a região não sofresse muito e no nosso caso foi aproveitado para termos dos anos de maior sucesso, foi em 2020 e já está a ser em 2021, pelo que dispensamos (e rejeitámos) os apoios públicos”.