Como aproximar a Academia das empresas?
Saber se a atual oferta formativa corresponde às principais necessidades e
carências das empresas turísticas foi uma das questões que colocámos às associações patronais, mas também a algumas instituições de ensino. De que forma está a ser fomentada esta aproximação entre a teoria e a prática em prol de um serviço turístico em Portugal de qualidade, que responda aos desafios constantes do sistema turístico, foi o que quisemos saber, bem como as novidades formativas do próximo ano letivo.
Raquel Relvas Neto
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Saber se a atual oferta formativa corresponde às principais necessidades e carências das empresas turísticas foi uma das questões que colocámos às associações patronais, mas também a algumas instituições de ensino. De que forma está a ser fomentada esta aproximação entre a teoria e a prática em prol de um serviço turístico em Portugal de qualidade, que responda aos desafios constantes do sistema turístico, foi o que quisemos saber, bem como as novidades formativas do próximo ano letivo.
No o final de 2019, os patrões do Turismo reclamavam a escassez de recursos humanos que existia para fazer face à procura e necessidades das empresas turísticas. Precisava-se de pessoal para trabalhar, de preferência qualificado, mas na ausência deste, sem qualificações na área, a vontade de trabalhar já era critério suficiente para se ser contratado. Com a pandemia, os ânimos refrearam e a maioria das empresas não renovou contrato ou despediu quem estava a mais para as necessidades atuais. Verificou-se ainda uma fuga de quadros especializados em turismo para outras atividades económicas que não pararam durante a pandemia, como por exemplo o setor imobiliário.
Com a retoma e o verão no horizonte, as empresas voltam aos seus processos de recrutamento, mas é aqui que a formação e experiência que se possui são fatores distintivos perante uma potencial seleção. Neste âmbito, e estando o sistema turístico sujeito a constantes transformações, importa manter uma atualização dos conhecimentos para fazer face às novas necessidades e tendências do turismo mundial. A transformação digital, que foi acelerada pela pandemia, é talvez a principal motivação de uma atualização curricular.
É nesta linha que quisemos saber se as instituições de ensino têm resposta para as necessidades inerentes do sistema turístico e de que forma se pode aproximar a Academia das empresas turísticas.
“A aproximação entre o meio académico e o tecido empresarial é essencial ao desenvolvimento do mercado e do setor”, Cristina Siza Vieira
A Associação de Hotelaria de Portugal (AHP) considera que a “aproximação entre o meio académico e o tecido empresarial é essencial ao desenvolvimento do mercado e do setor e resulta sempre em aspetos muito positivos, como por exemplo, na criação de projetos e no desenvolvimento de estudos em parceria”. Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da AHP, considera que este relacionamento “cria oportunidades para as empresas beneficiarem do centro de conhecimento por excelência como são as universidades, que, por sua vez, têm a hipótese de facilitar a integração de jovens no mercado de trabalho, colocando-os em contacto com desafios reais, aplicando os conhecimentos adquiridos”.
Para a APECATE – Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos, a academia tem “de se voltar para fora, está muito centrada em si mesma, decidindo o que acha que as empresas necessitam, em vez de ouvir as empresas”. António Marques Vidal, presidente da associação, é mais crítico e releva que as necessidades do mercado “evoluem muito mais rápido que a academia”, o que provoca “uma separação entre as necessidades e a oferta”. O responsável defende que a academia deveria ajustar-se ao ritmo das empresas, mas também apostar mais em formação modular, para poder dar resposta às empresas, criando para tal um conselho que contasse com a participação das empresas e até mesmo das associações empresariais do setor. A par destas sugestões, o presidente da APECATE acrescenta também que as instituições de ensino deveriam apostar em professores/formadores “que tivessem, também, uma experiência do setor empresarial”, ou seja, “contratar e fazer parcerias com empresários e empresas reconhecidos pela sua inovação. A carreira académica tradicional deixa de fora esta possibilidade”.
O responsável da associação representante das empresas de congressos, animação turística e eventos vai ainda mais longe e aponta algumas dificuldades nas formações das instituições de ensino. Além da questão dos professores terem pouca experiência da realidade empresarial do setor, Marques Vidal refere ainda que estas têm uma visão corporativa do setor e que não ajudam o mesmo. “Não têm uma abordagem global, só parcelar, muito sectorizada, o que implica que a formação não seja transversal, que é a necessidade dos empresários”, indica, além de acrescentar que existe “falta de capacidade de promover programas em parceria com as associações”, mas também possuem “pouca flexibilidade para se ajustar aos ritmos e necessidades das empresas”.
Foi exatamente por identificar “a existência de uma lacuna de relacionamento entre a academia e as empresas”, que a Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo (APAVT) criou a Academia APAVT, indica Paula Antunes, diretora da associação com o pelouro da Formação. Ao Publituris, a responsável salienta que a principal dificuldade neste relacionamento reside no facto da formação, em geral, “ser muito teórica relativamente à atividade das agências de viagens, com exceção das unidades curriculares referentes aos GDS (Global Distribution System)”. E acrescenta: “Outros temas há que, na nossa opinião e dada a dinâmica deste setor, merecem ser revisitados com o objetivo de assegurar que estão permanentemente atualizados”. No entanto, a responsável admite que se tem verificado uma “enorme abertura por parte das escolas para este trabalho”.
A própria Academia APAVT pretende desenvolver parcerias com as universidades e escolas de turismo, organizando ciclos de palestras apresentadas por profissionais do setor. “Pretende-se uma relação de maior proximidade, que consideramos uma mais-valia para os estudantes, como futuros profissionais e para as empresas, como futuros empregadores”, evidencia Paula Antunes.
Tendências do mercado
A constante evolução natural das necessidades do setor turístico teve um ritmo diferente neste último ano, que impôs alguns movimentos mais céleres em algumas áreas, especialmente no que à transição digital diz respeito, por exemplo.
É neste âmbito que a AHP destaca que “os conteúdos relacionados com a transformação digital e a sustentabilidade” como os que ocupam a liderança das novas tendências. A pandemia, descreve Cristina Siza Vieira, obrigou “a uma mudança de paradigma por parte das empresas, tanto do ponto de vista da migração para o digital, como do ponto de vista da sustentabilidade ambiental e da sustentabilidade financeira”. Também as “‘soft skills’, em cursos como, por exemplo, técnicas de comunicação no atendimento a clientes, inteligência emocional e ‘coaching’, mantêm-se também no topo das necessidades, demonstrando a crescente preocupação com a motivação e auto-desenvolvimento dos trabalhadores do setor, individualmente e enquanto parte de equipas, que se querem também coesas e focadas”, indica. A estas necessidades acrescem os conteúdos relacionados com a operação hoteleira que “têm tido muita procura, principalmente porque, por força das circunstâncias, houve necessidade de reformular as equipas e mostra-se necessário atualizar conhecimentos e adaptar práticas”.
Na área dos eventos e congressos, o presidente da APECATE realça que as necessidades passam por técnicos qualificados e formação específica, mas trata-se de um setor que “está sempre a inovar e com isso a procurar novas competências”. “A formação na área de gestão, da comunicação e do marketing, são normalmente as que alimentam a produção de eventos, no entanto, existem muitos técnicos que se formam por aprendizagem em acção, aprendendo dentro das próprias empresas”, exemplifica. No que refere à animação turística, Marques Vidal considera que já é necessária formação para competências mais generalizadas, como seja a gestão, turismo, construção de produto, complementando, claro, com áreas técnicas mais específicas. A própria APECATE construiu um plano de formação, que “ofereceu ao Estado, sendo hoje em dia uma qualificação de nível 5, para os Técnicos de Turismo de Natureza e Aventura”.
“motivar e preparar os estudantes de turismo para as diferentes áreas da distribuição, transmitindo-lhes conhecimento base sobre as atividades de ‘Outgoing’ e de ‘Incoming’, a especificidade duma agência de retalho”, Paula Antunes
No caso da APAVT, Paula Antunes destaca que a principal necessidade passa por “uma formação orientada para a realidade prática e a diversidade da profissão de agente de viagens”. Neste sentido, considera necessário “motivar e preparar os estudantes de turismo para as diferentes áreas da distribuição, transmitindo-lhes conhecimento base sobre as atividades de ‘Outgoing’ e de ‘Incoming’, a especificidade duma agência de retalho, dum operador turístico ou duma DMC, por ex”.
Desafios
A formação em turismo está, à semelhança do setor a que se dedica, em constante mutação e adaptação, o que pressupõe que os desafios surgem no decorrer no tempo e das necessidades das empresas, dos destinos e não só. As instituições de ensino salientam que esta adaptação formativa é feita em estreita colaboração com os ‘stakeholders’.
Como refere Ana Margarida Passos, diretora da Faculdade de Turismo e Hospitalidade da Universidade Europeia, a “relação com o mercado e com os ‘stakeholders’ do setor é um aspeto central na Universidade Europeia, pelo que temos vindo a desenvolver um conjunto de parcerias nacionais e internacionais”, seja pela importância dos estágios, seja por projetos que necessitam de ser aplicados na prática. Esta relação vai além disso, com a Universidade Europeia a criar um fórum de discussão que envolve as empresas na definição dos planos de estudo dos programas oferecidos. “Esta aproximação é fundamental para promover o estudo e análise dos problemas e situações realmente relevantes para o setor”, sublinha. A responsável admite que pandemia trouxe “implicações muito relevantes” para o ensino universitário, que se teve de adaptar às novas exigências e constrangimentos. A Universidade Europeia repensou a sua oferta, desde os conteúdos ao formato em que as ações são ministradas. “Ao nível dos conteúdos, um dos principais desafios está relacionado com o desenvolvimento de competências e conhecimentos sobre gestão de crises. Apesar deste ser um tema já abordado na literatura, ficou muito claro a necessidade de o setor estar preparado para antecipar eventuais crises, reforçando os seus conhecimentos em áreas como a gestão estratégica, a liderança e a resiliência”, destaca.
Isabel Vaz Freitas, diretora do Departamento de Turismo, Património e Cultura da Universidade Portucalense, defende também que existe uma estreita colaboração da instituição de ensino com o setor empresarial de turismo. Segundo a responsável académica, o Departamento de Turismo Património e Cultura teve “sempre como principal objetivo envolver os estudantes em estudos concretos, de terreno, através das várias temáticas abordadas no plano de estudos”. E dá como exemplo que os parceiros que atuam no turismo, na hotelaria e na restauração “apresentam casos que estudamos com muito rigor e interesse” e “problemas ou desafios que trabalhamos com a maior motivação”.
O tempo em que vivemos é para Isabel Vaz Freitas a “altura certa para refletirmos e agirmos implementando modelos diferentes” no que à formação em turismo diz respeito. “Este ano foi de grande aprendizagem para os nossos estudantes que conviveram com crises reais, com mudanças de vida e de comportamentos que se transportaram para as práticas do turismo e da hotelaria”, detalha. Como tal, a diretora do Departamento de Turismo, Património e Cultura da Universidade Portucalense indica que existem “áreas novas a trabalhar e a desenvolver como as áreas do turismo mais sustentável, mais ecológico, criador de alternativas que respondam a novas gerações”, mas também a digitalização e as novas tecnologias. O turismo, a hotelaria e a restauração vão “ter de continuar a sua adaptação em direção a um novo Mundo, ao futuro, no qual as novas tecnologias e a digitalização serão a base imprescindível para comunicar e acolher”. Mas deixa a questão: “É muito importante que tenhamos aprendido com este ciclo de pandemia de forma a garantir mudanças para colmatar erros do passado recente. Mas fica a questão: será que realmente aprendemos com a pandemia?”
“mais do que nunca, as empresas vão precisar de jovens com formação em turismo e gestão de forma a garantir uma gestão eficiente das empresas e dos serviços turísticos, transmitindo segurança e reconquistando a credibilidade nas estruturas e nos serviços”, João Heitor
Nos seus 50 anos de história, o Instituto Superior de Gestão de Lisboa tem desenvolvido uma “ligação direta com o mundo empresarial”, defende João Heitor, Coordenador Científico da Licenciatura em Gestão do Turismo da instituição. Como exemplo, refere que a licenciatura em Gestão do Turismo estabeleceu uma parceria com o Grupo Pestana, pois para o coordenador científico “o ensino e a aquisição de conhecimento efetua-se sobre três vertentes: o ensino teórico, a componente prática e o contacto direto com os responsáveis associativos de cada área do setor”, realçando que estão a ser desenvolvidas várias iniciativas com as associações de turismo, como a ADHP, APR, APTERN, APECATE, CTP, entre outras.
Segundo João Heitor, “mais do que nunca, as empresas vão precisar de jovens com formação em turismo e gestão de forma a garantir uma gestão eficiente das empresas e dos serviços turísticos, transmitindo segurança e reconquistando a credibilidade nas estruturas e nos serviços”.
Na perspetiva do ISEG Executive Education, os desafios para a formação passam pela necessidade de “diversificar as ofertas e encontrar produtos e serviços inovadores, que apoiem na criação de valor e diferenciação”. É também neste seguimento que “a incorporação da dimensão digital, ao nível da comunicação e do serviço, é igualmente valiosa para criar experiências que permitam uma maior fidelização dos clientes, numa altura em que a recuperação da confiança é estratégica”, destaca o instituto. A esta, acresce também o desafio da Sustentabilidade, para o qual o ISEG desenvolveu a formação ‘Sustainability: a corporate journey’, “importante para consumidores que ficaram mais conscientes do que nunca do seu impacto no mundo e que pretendem ter um consumo com propósito”.
Este período de turbulência que se vive em todos os sectores, bem como a reativação da atividade económica nacional implicará “uma necessária e forte aposta no setor do turismo e hotelaria”, defende o Instituto Politécnico de Setúbal. Para a instituição, este momento pode “representar uma excelente oportunidade para uma atualização/aquisição de conhecimentos numa uma área estratégica nacional e, particularmente, num domínio que ganha premência e relevância ao nível global (Saúde & Bem-estar) face a uma nova dinâmica que se impõe no mundo da hotelaria e turismo”.
Já para Carlos Díez de La Lastra, diretor-geral Les Roches Marbella, atualmente, o valor da formação está “na transferência de conhecimento e experiência e na capacidade de os usar”. Como tal, na Les Roches Marbella acredita-se na “aprendizagem abrangente que transcende o profissional e que fornece ao aluno as competências necessárias para atuar em ambientes voláteis, de incerteza, complexos e ambíguos e construir habitats colaborativos onde a formação técnica é enriquecida com a prática”. Assim, o responsável acredita que a indústria da hospitalidade se está a reconstruir e a exigir novos talentos “com maior qualificação, sem barreiras linguísticas ou culturais, pessoas flexíveis e adaptáveis com capacidade de analisar e resolver problemas”. Como tal, Carlos Díez de La Lastra defende que, nos próximos anos, “a procura por profissionais irá intensificar-se e a nova realidade exigirá perfis mais híbridos e complexos, capazes de proporcionar visão estratégica e abordagens globais”.