Aeroportos podem contar a gesta dos portugueses na aviação intercontinental
Leia a opinião de Humberto Ferreira, colaborador do Publituris, na edição número 1319, de 10 de Junho de 2016.
Humberto Ferreira
Enoturismo no Centro de Portugal em análise
ESHTE regista aumento de 25% em estágios internacionais
easyJet abre primeira rota desde o Reino Unido para Cabo Verde em março de 2025
Marrocos pretende ser destino preferencial tanto para turistas como para investidores
Do “Green Washing” ao “Green Hushing”
Dicas práticas para elevar a experiência do hóspede
Porto Business School e NOVA IMS lançam novo programa executivo “Business Analytics in Tourism”
Travelplan já vende a Gâmbia a sua novidade verão 2025
Receitas turísticas sobem 8,9% em setembro e têm aumento superior a mil milhões de euros face à pré-pandemia
Atout France e Business France vão ser uma só a partir do próximo ano
Aplica-se cada vez mais contar histórias para promover destinos, hotéis e circuitos. Como tal, os aeroportos podem contar mais histórias aéreas além das de políticos portugueses e do Papa João Paulo II, este, aliás, mundialmente conhecido. Pelos vistos os aviadores que se notabilizaram em grandes voos intercontinentais não interessam às gerações actuais focadas no futebol e na política. Aviões pintados com futebolistas estão na moda.
Assim, apesar do anterior Turiscópio ‘Agora resta baptizar aeroportos Gago Coutinho e Sacadura Cabral’ não ter suscitado comentários, vou relembrar contributos lusos para o avanço da aviação, além da Passarola. Bartolomeu Gusmão nasceu em 1685 em Santos e faleceu em 1724 em Toledo.
SARMENTO DE BEIRES – O coronel José Manuel Sarmento de Beires nasceu em Lisboa, em 1893, e faleceu em Gaia, a 8 de Junho de 1974. Republicano e antifascista viveu décadas exilado em França, China e Brasil, onde escreveu sobre as experiências aéreas e políticas. Regressou a Portugal após 1974 com 81 anos.
Tirou o primeiro curso de pilotos militares na Escola de Aeronáutica de Vila Nova da Rainha em 1917. Mobilizado para a 1.ª Guerra Mundial, frequentou escolas e esquadrilhas da aviação francesa, surgida então e mantendo-se como arma poderosa.
PRIMEIRO VOO NOCTURNO – Em 1918, o tenente Sarmento de Beires entrou no Grupo de Esquadrilhas de Aviação na Amadora. E, a 13 de Maio de 1920, experimentou voar de noite numa patrulha de vigilância sobre Lisboa, tendo combinado com Carlos Gago Coutinho adaptar o sextante de bolha para voos nocturnos.
MADEIRA – Em 18 de Outubro de 1920, Sarmento de Beires com Brito Pais partiram da Amadora e sobrevoaram a Madeira, mas o nevoeiro impediu que aterrassem, voltando a Lisboa. Oito horas depois, sem combustível, amararam no Atlântico a 500 km de Lisboa, sendo recolhidos por um navio inglês que os trouxe ao Tejo. A primeira ligação Lisboa-Madeira seria concluída em 1921 por Sacadura-Coutinho-Ortins para testarem com sucesso o seu plaqué de abatimento de vento e rumo para navegação aérea sobre o mar.
MACAU – A 7 de Abril de 1924, Sarmento de Beires partiu de Vila Nova de Mil Fontes, com Brito Pais, num Breguet BR16 modificado na Amadora, para o primeiro raide aéreo Lisboa-Macau, experiência para o voo de circum-navegação aérea ao globo, semelhante à volta de Fernão Magalhães. Mas foi Sacadura que apresentou este voo em 1923, antes do trágico voo de Novembro de 1924, num dos três Fokkers adquiridos então para esse raide global nunca realizado.
No voo de Macau, a primeira escala foi em Tunes, onde embarcou o mecânico Manuel Gouveia, responsável pela transformação do Breguet «Pátria» em aeronave de longo curso. Até à Índia, o voo não teve incidentes, mas a 7 de Maio, próximo da cidade de Jodhpur, aterraram de emergência por sobreaquecimento do motor, tendo o aparelho sido destruído, mas os aviadores ilesos.
O apoio oficial foi mantido, tendo jornais e artistas, como Amélia Rei Colaço, colaborado na subscrição pública para aquisição na Índia de um DH9 destinado a concluir o voo até Macau. O motor do Breguet está exposto no Museu do Ar. E, assim, o voo foi retomado a 30 de Maio. A última etapa Hanói-Macau foi em 20 de Junho de 1924, mas as condições desfavoráveis à chegada (com 115 horas de voo desde Portugal) obrigaram ao desvio para Hong Kong, onde na aterragem num campo impróprio o avião partiu o trem e o hélice, mas a tripulação ficou ilesa. A canhoneira «Pátria» foi buscar os aviadores, recebidos com entusiasmo em Macau. Antes do aeroporto de Macau, aberto em 1995, a etapa HKG-MFM também era feita de barco.
TRAVESSIA NOCTURNA DO ATLÂNTICO SUL – Em 1 de Março de 1927 Sarmento de Beires, o copiloto Jorge Castilho e o mecânico Manuel Gouveia, partiram de Alverca no hidroavião «Argos», outro Breguet, para o primeiro voo nocturno no Atlântico Sul, para Fernando Noronha, Natal, Recife e Rio de Janeiro.
Chegaram a Casbalanca em quatro horas, seguindo-se Vila Cisneros, Bolama, e Fernando Noronha. Foi a primeira vez que um avião voou uma noite inteira sobre o mar orientando-se por meios astronómicos. De Portugal, a tripulação recebeu telegrama de felicitações de Gago Coutinho.
No regresso, partiram a 5 de Junho no hidro-avião Argos rumo às ilhas Guianas, mas um enorme rasgão na tela da asa esquerda obrigou a amaragem de emergência no Atlântico, tendo os aviadores sido recolhidos por pescadores brasileiros e repatriados num navio inglês, chegado ao Tejo a 27 de Junho de 1927.
Sarmento de Beires recebeu da Liga Internacional dos Aviadores, em 23 de Fevereiro de 1928, a confirmação do voo transatlântico de 1927 ao Brasil ter sido um dos feitos aéreos mais importantes do ano. E recebeu as Ordens Militares de Torre e Espada, de Santiago, e de Cristo, mais a Ordem do Império, e a Legião de Honra de França. Todavia, pela participação em Julho de 1928 na tentativa de golpe contra o Estado Novo, Beires foi demitido da aviação militar e abandonou o país até 1974. Por isso seria justa a homenagem aqui sugerida, tal como a dos aeroportos Gago Coutinho, Sacadura Cabral e Humberto Cruz, dando a conhecer a gesta dos nossos aviadores, complementar à dos navegadores.