Modificações no Fundo de Garantia decorrentes da nova Directiva das Viagens Organizadas
Leia a opinião do advogado e professor Carlos Torres.
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A nova disciplina europeia das viagens organizadas – Directiva (UE) 2015/2302, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2015 – é compatível com o fundo de garantia de viagens e turismo (art.º 31º e segs. LAVT), embora tenham de ser introduzidas importantes alterações.
Pretende o legislador europeu que “os viajantes que adquirem uma viagem organizada sejam plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador” (considerando nº 39 da Directiva).
A primeira alteração do novo quadro europeu respeita precisamente aos viajantes, termo intencionalmente mais amplo que o de consumidor. Por essa razão, o fundo de garantia que actualmente responde solidariamente pelo pagamento dos créditos de consumidores decorrentes do incumprimento de serviços contratados às agências de viagens (art.º 31º/1 LAVT) terá, após a transposição da directiva, de proteger também os “representantes das pequenas empresas ou profissionais que reservam viagens relacionadas com a sua atividade comercial ou profissional através dos mesmos canais de reserva que os consumidores” porquanto “esses viajantes precisam muitas vezes de um nível de proteção equivalente” (considerando n.º 7).
Esta maior abrangência acarreta que os viajantes de negócios, incluindo os profissionais liberais, os trabalhadores independentes ou outras pessoas singulares – desde que não reservem serviços de viagem com base num acordo geral, solução influenciada pelo lobby da GEBTA para excluir o segmento corporate da aplicação da directiva – terão de ser protegidos pelo fundo de garantia.
Em segundo lugar, determina-se que os viajantes se encontrem plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador: “Os Estados-Membros onde estejam estabelecidos organizadores deverão assegurar que estes deem garantias de reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e, na medida em que a viagem organizada inclua o transporte de passageiros, do repatriamento dos viajantes, em caso de insolvência dos organizadores.” (considerando nº 39).
Sucede que o fundo de garantia não assegura tal objectivo, porquanto tem um montante máximo global, por cada ano civil, de um milhão de euros (art.º 31º/2 LAVT). Como tenho vindo a alertar, o actual sistema padece de várias fragilidades, decorrentes sobretudo do propósito de proteger as grandes empresas em detrimento das pequenas e médias, não consagrando contribuições proporcionais ao volume de negócios e ao risco criado pelos tour operators – penalizando os mais pequenos e aliviando consideravelmente as organizações que facturam montantes elevados – não protegendo adequadamente os consumidores em caso de insolvência. Um grande operador que vai facturar dezenas ou centenas de milhões, paga 2 500€ (art.º 32º/1 LAVT), precisamente o mesmo que um pequeno empresário que vai revender os pacotes elaborados por aquele e que facture anualmente 500 000€.
O problema agrava-se sobretudo pela apetência que o nosso fundo de garantia pode gerar em operadores doutros Estados-membros, que pretendam poupar anualmente uns milhares de euros ou, mais grave, fugirem às crescentes exigências, designadamente garantias pessoais, que bancos ou seguradoras lhes impõem para continuarem a desenvolver a sua actividade.
Certamente em razão da diversidade existente, a nova directiva não institui qualquer modelo. Podem, assim, os Estados-membros manter “o seu poder discricionário quanto à forma como a proteção em caso de insolvência deve ser instituída” designadamente por bancos, seguradoras ou de um fundo de garantia.
Há sobretudo que ter em conta o princípio do reconhecimento mútuo da protecção em caso de insolvência, consagrado no nº 1 do art.º 18º da Directiva: “Os Estados-Membros reconhecem que cumpre os requisitos das suas disposições nacionais de transposição do artigo 17º a proteção em caso de insolvência oferecida por um operador nos termos de tais disposições de transposição do Estado-Membro no qual esse operador está estabelecido.”.
Ora, atendendo à liberdade de estabelecimento, consagrada por outro importante instrumento europeu – a Directiva Bolkestein (ver considerando 34 e art.º 4º) – os operadores poderão ser tentados a escolher os sistemas de protecção da insolvência mais favoráveis, sendo que em Portugal temos um bastante atractivo: um pagamento único de 2 500€, ainda que a facturação atinja 100, 200 ou 300 milhões.
Não se trata infelizmente de uma fantasia, bastando atentar no caso, presente à Comissão Europeia, de um operador inglês, cuja facturação é superior a 40 milhões de euros, que preferiu “migrar” para um fundo de garantia das Baleares que dispõe de uma verba que não chega aos 60 000€.
Para além da plena protecção, a nova directiva impõe a sua efectividade, isto é “que a proteção esteja disponível logo que, em consequência de problemas de liquidez do organizador, os serviços de viagem não sejam ou não venham a ser executados, ou venham a sê-lo apenas parcialmente, ou no caso de os prestadores de serviços exigirem o respetivo pagamento aos viajantes” como será o caso do hotel onde se encontravam a passar férias exigir o pagamento total ou parcial da estada.
Ora, de harmonia com o considerando 40, a efectividade pressupõe a cobertura dos montantes previsíveis dos pagamentos afectados pela insolvência do organizador e dos custos de repatriamento previsíveis pelo que “de um modo geral, que a garantia tem de abranger uma percentagem suficientemente alta do volume de negócios do organizador no que respeita a viagens organizadas, e pode depender de fatores como o tipo de viagens organizadas vendidas, incluindo o meio de transporte, o destino de viagem, bem como eventuais restrições legais ou os compromissos do organizador relativamente aos montantes dos pré-pagamentos que pode aceitar, e o prazo de pagamento antes do início da viagem organizada.”.
A actualização da garantia em razão da variação da facturação do organizador é outro dos aspectos avançados pelo legislador europeu: “Caso a cobertura necessária possa ser calculada com base nos dados comerciais mais recentes, por exemplo o volume de negócios do último exercício, os organizadores deverão ser obrigados a adaptar a proteção em caso de insolvência na eventualidade de riscos aumentados, incluindo um aumento significativo na venda de viagens organizadas.”
O sepulcral silêncio associativo em torno da exclusão da responsabilidade solidária dos retalhistas com os operadores, deixa também algumas interrogações sobre a futura conformação do fundo de garantia.
Concluindo, as implicações da nova directiva no fundo de garantia serão significativas, sem contar naturalmente com a nova categoria dos serviços de viagens conexos, que não estão tratados no presente texto.