Pressão negocial ou um cavalo de Troia chamado NDC
Leia a opinião de Carlos Torres, advogado e professor na ESHTE/ISCAD/ULHT.
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Em 2 de Junho último, a Lufthansa anunciou que as reservas de voos do seu grupo através de GDS estarão, a partir de 1 de Setembro, sujeitas a um acréscimo de 16€. Para evitar este encargo, as reservas das agências de viagens deverão realizar-se directamente no site da companhia. É, no fundo, retomar o modelo direct connect, que a American Airlines tentou sem sucesso implementar em 2011, condicionando as agências de viagens a reservarem no seu site, sob pena de pagarem entre 12 e 26€ quando utilizassem os GDS.
Não se trata, porém, de uma iniciativa inédita da Lufthansa, porquanto em 2008, com a atenção expectante doutras companhias aéreas, como sucede agora com Air France-KLM e British/Iberia, a companhia avançou com uma acção semelhante, embora mais limitada geograficamente, no período que antecedeu a renovação do contrato com o GDS. Cobrava então 4,9€ por segmento (9,8€ numa viagem de ida e volta) às agências alemãs, austríacas e suíças, enquanto as reservas directas eram gratuitas, tendo desaparecido tal pressão negocial quando o GDS diminuiu o preço.
Três anos antes, ou seja, em 2005, a companhia foi uma grande entusiasta dos GDS New Entrants (GNEs), também designados por GDS low cost, um modelo que despontou nos Estados Unidos, mas que teve uma existência efémera.
Voltando à decisão de 2 de Junho, tomada sem qualquer prévia auscultação das agências de viagens, as quais representam uma parte significativa das vendas da companhia aérea, sobretudo na Alemanha e Áustria (onde a decisão assume contornos específicos, ou seja, de um eventual abuso de posição dominante por parte da Lufthansa) a mesma desencadeou fortes reacções adversas por essa Europa fora. Existe a consciência que se o grupo alemão lograr os seus intentos, outras companhias lhe seguirão o exemplo, como se constatou num recente meeting da IATA em Miami.
Num alargado conjunto de reacções destacam-se os reivindicativos gauleses, que certamente em razão da sua insubmissão desfrutam do excepcional estatuto de pagarem o BSP a 30 dias, propuseram abertamente um boicote de vendas ao grupo alemão, de que ainda não se conhecem os resultados, mas cuja aparente ilicitude poderá ser excluída pela figura da acção directa, uma causa de justificação geral que se projecta igualmente no domínio concorrencial.
Com efeito, a decisão afecta, para além dos GDS, os agentes de viagens que terão de consultar várias plataformas para economizar 16€, vendo o seu trabalho multiplicar-se e perderem a remuneração decorrente dos segmentos produzidos. Ao eficiente e tecnicamente amistoso canal GDS que, de forma neutral, liga as companhias aéreas aos agentes de viagens, sucederia uma complexa relação multicanal em que teriam de procurar no site das diferentes transportadoras de molde obterem uma visão tendencialmente aproximada, mas dificilmente exaustiva, da oferta existente.
Estou convencido que uma análise mais fina desta problemática, apontará sobretudo para um maior impacto ao nível dos consumidores, que deixam de beneficiar de um conhecimento exaustivo e fidedigno dos voos existentes para determinado destino e sobretudo da neutralidade dessa informação. A informação tendencialmente exaustiva de que o consumidor necessita é possível numa OTA (que se alimenta principalmente nos GDS), só que o alinhamento das transportadoras já não é neutral, porquanto a posição que as companhias aéreas figuram no écran está associada à remuneração que atribuem.
Uma das adversidades que a companhia terá de enfrentar respeita à desigualdade de preços para o mesmo voo no seu site e no GDS . Ou seja, se o preço é de 500€ no site da Lufthansa, terá de figurar 516€ no GDS [art.º 23º do Regulamento (CE) Nº 1008/2008]. Uma interrogação e simultaneamente uma perplexidade: não será esta estratégia prejudicial para a própria companhia, sobretudo nos destinos onde a concorrência de outras transportadoras seja significativa? Naturalmente que para obviar a esta situação de menor competitividade, os 16€ não podem surgir apenas no momento da reserva. Basta lembrar, entre outras, a sanção de 170 000 € imposta pela autoridade da concorrência italiana à Ryanair pela circunstância de o preço de uma viagem de ida ser superior em 7,14€ ao anunciado, considerando-se reprovável que tal condicionalismo fosse revelado pela companhia apenas no momento da reserva e como tal insuficiente para evidenciar ao consumidor as limitações a que a oferta estava sujeita.
Actualmente a oferta mais completa, transparente e neutral de voos das diferentes companhias que os consumidores podem beneficiar é a que decorre dos GDS. Ao invés, o direct connect induz menor transparência, gera fragmentação e ineficiência na cadeia de distribuição das viagens, contribuindo para o aumento das tarifas.
Para além de ter um impacto negativo nas opções dos consumidores, a decisão da companhia aérea de agravar artificialmente os preços num dos canais de venda, através da imposição de um suplemento de 16€, é ilegal do ponto de vista do direito europeu da concorrência.
Uma das grandes incógnitas reside no NDC (New Distribution Capability), um sistema de distribuição directa e global sob a égide da IATA, que a Lufthansa é uma das primeiras companhias europeias a testar. Não é crível que o sistema, pelo menos nesta fase, tenha as potencialidades técnicas dos GDS, seria mesmo estranho em razão dos elevadíssimos investimentos que requeridos por estes últimos. No entanto, escasseia a informação sobre o novo sistema, não existindo sequer um representante europeu no grupo de trabalho inicial que acautele as especificidades do velho continente.
Sendo certo que no passado as tentativas de exclusão dos GDS se goraram pelas fragilidades da distribuição directa, existe agora um dado novo que é a plataforma de distribuição da IATA prestes a ver a luz do dia. Admitindo-se, embora com fortes dúvidas e para desenvolvimento de raciocínio, que o B2B da Lufthansa destinado às reservas dos agentes de viagens para não pagarem 16€ exiba, no exemplo acima referido, o valor de 500€ para determinado voo, já o NDC da IATA terá de apresentar de apresentar 516€ (está sujeito à neutralidade e demais regras dos GDS, constantes do Regulamento nº 80/2009).
Numa matéria tão complexa e cheia de variáveis quem arrisca um prognóstico?
PS: A propósito de GDSs, uma palavra de reconhecimento para a muito meritória actuação de Miguel Quintas, no momento em que cessa as suas funções na Amadeus Portugal. Apoiado na sua coesa e motivada equipa, introduziu uma dinâmica de crescimento, ficando também associado à atenuação de questionáveis bloqueios associativos.