Turismo: A (in)Consistência dos “Melhores Anos de Sempre”
Leia a opinião de Licínio Cunha, professor da Universidade Lusófona.

Publituris
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A afirmação de que 2014 “foi o melhor ano turístico de sempre” tem sido repetida vezes sem conta e com razão. Depois de uma década medíocre caracterizada pela ineficácia das medidas adoptadas e dos vultosíssimos investimentos realizados pelos diversos governos, com evidentes consequências na perda de competitividade, alcançar, em quatro anos, um crescimento superior ao registado no conjunto dos 11 anos anteriores é justificado motivo para regozijo. Ninguém pode deixar de o reconhecer e não fica bem a quem o leva à conta de “euforia propagandística” mesmo que não resulte de mudanças estruturais que garantam a continuidade de um são e equilibrado crescimento futuro. Como de facto não resulta.
As idênticas proclamações do passado e os resultados que se lhe seguiram recomendariam que o regozijo do presente fosse exibido com maior comedimento evitando euforias que em vez de estimularem a mudança e o bom senso, conduzem sistematicamente ao facilitismo, à ilusão, ao desleixo e ao entorpecimento da acção. Como, lucidamente, diz Dionísio Pestana “ a estratégia correcta passa por não entrar em euforias nas épocas positivas para não ter o desespero na parte baixa do ciclo”, mas o nosso comportamento colectivo tem sido caracterizado, desde há muito, pelo contrário.
A proclamação do “melhor ano de sempre” vem de longe e já várias vezes a tivemos. Em finais da década de noventa o então responsável pelo turismo proclamou 1998 como “o melhor ano de sempre” e a seguir festejou “o ano de ouro”. Foi sol de pouca dura porque não tardou a que se iniciasse a pior década de sempre. A euforia, como já tinha acontecido em épocas anteriores, enublou a lucidez e destruiu o rigor! Veremos se o mesmo não volta a acontecer: este ano basta crescer 1% para no final se poder festejar mais “um ano de ouro”.
No crescimento registado no ano que findou houve mérito, sobretudo da iniciativa privada, mas não o foi à custa da melhoria das condições de competitividade nem, mais uma vez, como se verá, por se terem alterado os condicionalismos e os desequilíbrios estruturais anteriores.
Discordando da opinião de Vítor Neto (Publituris, 6 de Fevereiro 2015) não parece que o factor determinante do crescimento seja a existência de “uma estrutura turística consciente e sólida que resistiu aos erros da década passada”, ou seja, uma estrutura dos anos noventa. Se assim fosse duas coisas tinham de ser observadas: a primeira é que o próprio reconheceu em 2001, ainda no exercício de funções governativas, que existiam “fragilidades capazes de obstaculizarem, se não forem tomadas as medidas necessárias, o seu crescimento sustentado” e tinha razão como se veio a verificar, porque as estruturas se acaso não fossem sólidas não eram consistentes; e, em segundo lugar, as estruturas do final da década de noventa já nessa altura não correspondiam às mudanças que se estavam a operar no turismo mundial e este, hoje, já pouco tem a ver com o de há 20 anos. As condições de competitividade do turismo actual são muito diferentes e muitas das estruturas de há 20 anos não podem responder a tais condições.
E foi por não corresponderem que em 2007 o governo aprovou o PENT para 2007/2015 pelo qual definiu uma estratégia que continha 11 “projectos de implementação”. Até meados de 2011, decorrido metade do período de execução do plano, os objectivos fixados estavam muito longe de ser alcançados e não era evidente que algum dos “projectos de implementação” tivesse sido completamente concretizado. Até esse ano, pouco foi mudado nos pilares fundamentais do turismo e a “ambição de transformar Portugal num dos destinos de maior crescimento da Europa” não passava disso mesmo: uma ambição!
Como se impunha o PENT inicial foi revisto fixando-se objectivos mais realistas e estabelecendo-se que o turismo se deve desenvolver com “base na qualidade do serviço e competitividade da oferta” tendo, para o efeito, identificado oito Programas de Desenvolvimento e 40 projectos de implementação que comportam 198 actividades. Os objectivos já foram alcançados e, neste aspecto foi um sucesso, mas no que respeita às 198 (!) actividades desconhece-se qual o grau de cumprimento embora tenham sido criadas várias estruturas para as garantir.
As questões que agora se colocam são as de saber quais as mudanças estruturais que, no âmbito do PENT, original e a sua revisão, se produziram e em que é que o turismo português se preparou para responder aos novos paradigmas de desenvolvimento turístico.
Desde 2007 quais foram os novos polos que asseguraram o seu desenvolvimento? Em que é que o “sol e mar” foi requalificado e enriquecido? Quais foram os reforços de desenvolvimento das experiências turísticas do património cultural? Em que é que Portugal se tornou (ou está a tornar) num destino de excelência do turismo de saúde? Em que é que se reforçou a competitividade do Algarve? E as perguntas podem multiplicar-se quase tantas vezes quantas as medidas de actividades que constam dos dois documentos aprovados.
O sucesso alcançado no domínio da procura não eliminou os problemas de fundo do turismo português nem o prepara para o futuro porque só ocasionalmente resultam da falta da procura.
O que se tem feito é o mais fácil: alterar as condições da oferta exige muito mais do que alinhar as estratégias de comunicação com as novas tendências, desenvolver conteúdos e estratégias de comunicação, contratar voos de baixo custo ou liberalizar até à anarquia o alojamento turístico.
É inquestionável que as estratégias de comunicação e informação estão a dar bons resultados e é indispensável continuar nesse caminho mas não podem fazer esquecer o fundamental. Continuamos com desequilíbrios de décadas, com fraca diversificação de produtos estruturados e comercializáveis, reduzida articulação da cadeia de valor, baixo rendimento por visitante, insuficiente conhecimento do “sector” por inexistência de dados fiáveis e comparáveis. O turismo português melhorou muito (surpreendentemente, até) por acção da iniciativa privada mas esta não pode fazer aquilo que compete ao poder político.
Relembro aqui uma frase recente do ministro francês responsável pelo turismo, Laurent Fabius: “face às mudanças que o sector vai conhecer nos próximos anos é necessário corrigir as nossas ineficiências”. A França é o maior destino turístico mundial mas sabe reconhecer que as tem.
É preciso que a euforia do “melhor ano de sempre” não obnubile as realidades nem a consciência de que o turismo é uma actividade sempre em mudança.
*Versão completa do artigo de opinião de Licínio Cunha, professor da Universidade Lusófona, publicado na edição de 17 de Abril do Jornal Publituris