Falta de neve veio para ficar?
É um facto que a temporada de neve não começou com a mesma dinâmica de anos anteriores. A verdade é que ninguém pôde fugir à escassez ou mesmo falta […]
Sónia Gomes Costa
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É um facto que a temporada de neve não começou com a mesma dinâmica de anos anteriores. A verdade é que ninguém pôde fugir à escassez ou mesmo falta de neve que se verificou nas estâncias de esqui europeias em Dezembro. Consequências inevitáveis? Por cá, os 60 mil portugueses que escolheram a neve como destino de férias ficaram preocupados… muitos mesmo optaram por cancelar ou, na melhor das hipóteses, adiar as reservas. Por seu turno, os operadores que programam a Neve viram-se obrigados a acatar a situação, a ressarcir os clientes ou a procurar alternativas para “dar a volta”, mas sobretudo, a não esmorecer.
Agora impõe-se questionar se este acontecimento não poderá ser já um reflexo das alterações climáticas, melhor dizendo do tão falado, mas talvez tão pouco “levado a sério”, efeito de estufa? A resposta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) seria certamente afirmativa, até porque, no mês passado, chamou a atenção para o facto de o aquecimento global estar a pôr seriamente em causa a fiabilidade do estado da neve nas estações de esqui dos países alpinos, ameaçando as economias regionais que dependem do Turismo de Inverno.
Impacto económico
A confirmarem-se os piores cenários de alterações climáticas, 70% das estâncias de esqui correm o risco de fechar nos próximos 20 anos. O alerta foi lançado depois das conclusões do estudo – “Climate change in the European Alps: adapting Winter Tourism and natural hazard management – que a OCDE elaborou no sentido de avaliar o impacto económico decorrente do provável aumento da temperatura no planeta nos cinco países europeus que partilham os Alpes – Alemanha, França, Suiça, Áustria e Itália -, e onde os Turismo de Inverno assumem um papel relevante na economia.
Os dados são no mínimo inquietantes senão vejamos… de acordo com as projecções da OCDE, um aumento de um grau centígrado da temperatura média poderá levar a uma redução na ordem dos 60% relativamente aos domínios esquiáveis na Alemanha, sendo este o país alpino mais penalizado com a situação. Por sua vez, a Áustria, onde metade das receitas do turismo (correspondentes a 4,5% do PIB nacional) advém dos desportos e actividades de lazer de Inverno, encontra-se numa posição menos susceptível do que França e Itália, países que poderão ser mais afectados pelo aquecimento global. Dos cinco países estudados, a Suiça é o país que menos irá sofrer com estas mudanças já que o aumento médio em um grau centígrado resultaria no desaparecimento de 10% dos domínios esquiáveis que contam com neve natural. Ainda segundo a pesquisa da OCDE, os bancos suíços recusam-se actualmente a oferecer crédito para a construção ou manutenção de estâncias de esqui que se encontram a uma altitude inferior a 1500 metros. Escusado será dizer que os factos confirmam a gravidade do problema… Mas nem tudo são más notícias. Matthias Rumpf, responsável da OCDE, assegurou que actualmente cerca de 90% das estâncias dos Alpes tem neve suficiente para 100 dias de funcionamento.
Operações Stand By
Como seria de esperar, o balanço do mês de abertura da temporada de neve não correspondeu às expectativas de quem trabalha este segmento. Luís Lourenço, director da APAVT com o pelouro dos operadores turísticos comentou que “as vendas foram fracas no período em que houve falta de neve”. Isto não quer dizer que não tenha havido procura, mas como não havia neve, o mercado foi desviado para outros destinos, o que significa que “quando não se vendeu neve conseguiu-se vender outros produtos”, explicou. “Também houve quem adiasse as férias na neve para mais tarde, mas no geral, penso que se perderam poucos clientes”.
Ricardo Freixinho, director de produto da Andaltour confirmou que as expectativas que tinham sido criadas por altura do lançamento da brochura de neve, “caíram por terra”. O operador constatou que “havia atrasos na abertura das estações”, o que por sua vez deu origem a uma quantidade significativa de cancelamentos, “mas trata-se de uma situação que não podemos controlar”. As vendas de Neve da Andaltour até ao final de 2006 estavam “3 a 5%” abaixo do ano anterior”. Ricardo Freixinho justificou que devido à falta de neve, as estações abriram apenas com as condições mínimas, “o que para um esquiador com alguma experiência não é bom, e para um principiante até é suficiente. Apesar de as estações de esqui estarem preparadas com canhões para fazer a manutenção da neve, porque há frio, não há com a qualidade desejada”. A Andaltour espera recuperar no início deste ano as reservas dos clientes que não foram para a neve em Dezembro, mas que tentarão ir no Carnaval ou na Páscoa.
Confiança na recuperação
Nuno Roxo, responsável pelo segmento neve do Mundo Vip confirmou que o operador registou muitas anulações de reservas para a neve, ou seja, “perdemos três a quatro semanas no início da temporada, o que significa cerca de 1500 pessoas”. Não obstante a preocupação, Nuno Roxo está confiante na recuperação das operações para a neve até porque acredita que esta situação está susceptível pelas notícias que correm. O responsável salientou que apesar dos cancelamentos que se verificaram nas primeiras três/quatro semanas de Dezembro, o produto neve do Mundo Vip aparenta um crescimento “bastante razoável” na ordem dos 30% a 40% relativamente ao ano passado. “Não podemos esquecer que este é um segmento massificado e já registámos muitas reservas, nomeadamente para 24 a 31 de Março. Também estamos a apostar nas viagens de incentivo na neve.”
Gonçalo Boavida, director da Sporski declarou que as vendas estão a correr dentro do esperado, apesar do contratempo da escassez de neve nas primeiras semanas de Dezembro. “As vendas para a passagem do ano ultrapassaram os nossos objectivos, prevendo também um primeiro trimestre de 2007 positivo, superior ao do ano anterior”. Com o atraso na abertura das estâncias, o operador registou quebras para as três primeiras semanas de Dezembro, “com a desistência de cerca de 20% dos clientes marcados para estas semanas e consequente alteração para outras datas já em 2007”. Ainda assim, Gonçalo Boavida referiu com alguma surpresa e satisfação que a maioria dos clientes manteve ou adiou a sua reserva, mesmo com as condições de neve inferiores ao habitual. Por outro lado, realça que “normalmente as épocas que começam mais tarde acabam também mais tarde. Estamos por isso confiantes que recuperaremos os aficionados que cancelaram as suas reservas no mês de Dezembro”. Ao fim ao cabo, o balanço até é positivo para a Sporski já que está “cerca de 5 % acima do ano anterior”. O director do operador não se esqueceu de salientar que “ainda há muito Inverno para trabalhar. Temos os melhores meses de neve pela frente e acreditamos que quem não marcou até à data o fará em breve”.
Alternativas viáveis
Questionado sobre os resultados do relatório da OCDE, Luís Lourenço, director da APAVT assentiu que se trata de um problema sério, contudo considera que devem ser as estâncias de esqui a criar alternativas que visem melhorar a qualidade do produto, quando não há neve natural. “Enquanto não houver essa garantia de qualidade vamos andar na corda bamba, dependentes… Por muito boa vontade que tenham os operadores, penso que devem ser as estâncias de esqui a reunir as condições”. Contudo, Luís Lourenço realçou que até estar tudo a funcionar em pleno vai ser complicado, porque causa instabilidade aos operadores, e “vai obrigar a um maior esforço da nossa parte, no sentido de nos salvaguardarmos nos contratos que efectuamos com as unidades hoteleiras”. O responsável deixou o alerta dizendo que “há que ver quais as estâncias de esqui que fazem com que os operadores tenham um bom produto, credível, e vendável. Por outro lado, os poderes locais, têm de investir e arranjar alternativas, caso contrário, as estâncias ficam entregues ao abandono”.
Na opinião de Luís Lourenço é urgente a tomada de medidas ao nível ambiental e ao mesmo tempo há que reunir condições com o mínimo de garantias para melhorar a qualidade da neve, “para que este nicho de mercado não tenha os anos contados”. O director da APAVT acredita que mesmo que esta situação se agrave, “as estâncias vão ter capacidade para dar a volta, porque há-de haver sempre procura para a Neve”.
Ricardo Freixinho, da Andaltour, disse recear que a falta de neve e o consequente encerramento de estâncias tornem este segmento ainda “mais elitista”, porque o produto Neve encarecerá e só será acessível a uma faixa restrita de clientes. “O mercado português não terá capacidade para procurar outras alternativas no outro lado do Atlântico (Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile) ou até mesmo nos Alpes, isto porque se tratam de estações extremamente caras, bastante elitistas, e por isso pouco acessíveis à maioria dos portugueses. A menos que os valores médios baixem de modo a ficarem acessíveis à bolsa do português comum. Espero que tudo não passe de um ciclo e que as previsões da OCDE não se confirmem, isto porque na natureza nada é taxativo”, rematou.
Fenómeno cíclico
Nuno Roxo, do Mundo Vip disse partilhar do mesmo desejo, ou seja, que a escassez de neve seja um ciclo e não uma inevitabilidade com grave impacto. O operador afirmou já ter visto esta situação acontecer há dez anos atrás. “Nessa altura, as estâncias não tinham neve, pareciam um autêntico deserto. Eu sei que o aquecimento global é um problema geral, que todos nós hoje em dia ouvimos falar, mas eu continuo a pensar positivo”. Nuno Roxo concordou que o relatório da OCDE apresenta resultados assustadores, nomeadamente para os operadores turísticos, mas acredita que depois de terminar a temporada de Neve, este problema vai ser discutido globalmente de forma a encontrar soluções, já que “é uma preocupação geral para quem está neste negócio”. O responsável revelou ainda que “todos fomos apanhados desprevenidos com este relatório da OCDE… ninguém falava desta mudança climática, falava-se sim ao nível do dia a dia porque temos consciência que o problema existe, mas nunca tinha sido posto desta forma. Mas acredito que isto é um ciclo”.
Gonçalo Boavida, da Sporski, partilha da mesma visão optimista dizendo que a neve não irá escassear, sendo este um ano atípico. “Se na Europa encontramos alguma escassez, os Estados Unidos e Canadá, por seu lado, estão com excesso de neve, tendo sido atingidos recordes desde Novembro”. Na opinião do operador, as estâncias com altitude abaixo dos 1500 metros terão de diversificar a sua actividade, além do esqui e snowboard. “É fundamental não esquecer que há cerca de 10 anos as estâncias apenas abriram as suas pistas por volta de 20 de Dezembro, o período mais certo e seguro para as mesmas estarem nas melhores condições. Nos últimos anos temos assistido a uma grande pressão do público para uma abertura antecipada das estâncias, o que tem sido possível graças às excelentes condições das últimas temporadas”. Mas Gonçalo Boavida acredita que o aquecimento global será um factor crítico para a Neve a muito longo prazo. “Não consideramos de forma alguma que o segmento neve esteja ameaçado num curto espaço de tempo. Existem anos com mais neve e outros com menos. São fenómenos naturais e cíclicos que devem ser encarados com a devida serenidade, embora o aquecimento global seja uma realidade”. A “queda” do Turismo de Inverno não será uma realidade na opinião deste operador uma vez que “tem tendência a crescer e não a diminuir. Em anos atípicos, onde o arranque é mais difícil, o que acontece é que a temporada ficará mais concentrada e acabará mais tarde. A grande maioria das estâncias está a fazer uma forte aposta na preparação de pistas e em novos meios para produção de neve, permitindo que as mesmas funcionem com acumulações mínimas de neve. Existem ainda investimentos em zonas comerciais e de lazer tornando as estâncias não só atractivas pela neve mas também pelas suas restantes possibilidades”, conclui.